Uma das áreas onde a desinformação é evidente é o retrato de hidrelétricas como energia “limpa”, isenta de emissões. Infelizmente, este não é o caso, especialmente por represas tropicais. As hidrelétricas têm uma emissão de gases que pode ser entendida a partir do desenho do vertedouro. Por exemplo, em Tucuruí [1], a água era tirada a uma profundidade de 20 m em Tucuruí-I, o que aumentou para 24 m desde 2002 com o Tucuruí-II.

A comporta de aço é levantada, abrindo uma fenda, e a água desce um “pulo de esqui” e é jogada para cima, sendo pulverizada em bilhões de gotículas. Isto faz parte do desenho da barragem, intencionado a oxigenar a água para diminuir a mortandade de peixes no rio a jusante.

No entanto, o outro lado da moeda é que todo o metano dissolvido na água é lançado para o ar imediatamente. O metano (CH4) é um gás de efeito estufa muito mais poderoso que o gás-carbônico (CO2).

O metano é formado quando a matéria orgânica decompõe em ambientes sem oxigênio, como é o caso no fundo de um reservatório. A água no reservatório separa em duas camadas: uma na superfície com aproximadamente 2-8 m de espessura onde a água é mais morna e fica em contato com o ar, e outra com água mais fria nas partes mais profundas do perfil.

A água nas duas camadas normalmente não se mistura, e o metano fica preso na camada do fundo. A saída para os vertedouros está abaixo da divisória que separa as duas camadas, e a tomada de água para as turbinas é ainda mais funda.

A concentração de metano medida em Tucuruí aumenta com profundidade, e chega a níveis bem altos nos níveis onde a água é retirada do lago [2, 3]. Esta água sai sobre alta pressão, e imediatamente fica a uma pressão de apenas uma atmosfera na saída das turbinas.

A solubilidade de gases na água é proporcional à pressão, e, portanto, a maior parte do metano dissolvido na água sairá em bolhas na saída das turbinas. É a mesma coisa que acontece quando abre uma garrafa de Coca Cola e as bolhas de CO2 começam a sair assim que a pressão é liberada. [6]

 

NOTAS

[1] Fearnside P.M. (2004) “Greenhouse gas emissions from hydroelectric dams: Controversies provide a springboard for rethinking a supposedly ‘clean’ energy source” Climatic Change, 66(1-2) 1-8. doi: 10.1023/B:CLIM.0000043174.02841.23

[2] Fearnside P.M. (2002) “Greenhouse gas emissions from a hydroelectric reservoir (Brazil’s Tucuruí Dam) and the energy policy implications” Water, Air and Soil Pollution, 133(1-4) 69-96. doi: 10.1023/A:1012971715668

 [3] Fearnside P.M. (2004) “Gases de efeito estufa em hidrelétricas da Amazônia” Ciência Hoje, 36(211) 41-44.

[4] Fearnside P.M. (2017) “Planned disinformation: The example of the Belo Monte Dam as a source of greenhouse gases”. In: Liz-R. Issberner & P. Lena (eds.) Brazil in the Anthropocene: Conflicts between Predatory Development and Environmental Policies. Routledge, Taylor & Francis Group, New York, E.U.A., pp. 125-142.

[5] Fearnside P.M. (2012) “Desafios para midiatização da ciência na Amazônia: O exemplo da hidrelétrica de Belo Monte como fonte de gases de efeito estufa” In  Fausto Neto A. (ed.) A Midiatização da ciência: Cenários, desafios, possibilidades, Editora da Universidade Estadual da Paraíba (EDUEPB), Campina Grande, Paraíba. pp. 107-123.

[6] Este texto é traduzido e atualizada de [4], que foi adaptado de [5]. As pesquisas do autor são financiadas pelo Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq: proc. 304020/2010-9; 573810/2008-7), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM: proc. 708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA: PRJ15.125).

 

Leia os artigos da série: Desinformação no EIA de Belo Monte: 1 – Resumo da série

Desinformação no EIA de Belo Monte: 2 – Barragens como a “única opção”

Desinformação no EIA de Belo Monte: 3 – A energia que “precisamos”

 

 

Philip M. Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis neste link

 

FONTE: Amazônia Real