Quase sempre que surge o assunto de hidrelétricas, inclusive com relação às suas emissões de gases de efeito estufa, a presunção é de que “precisamos” de mais energia, e, portanto, é sempre uma escolha entre a barragem ou outra fonte, geralmente combustível fóssil. O que será feito com a energia raramente fica questionado. No entanto, isto é a questão mais básica, e tem que ser respondida antes de poder dizer qual é o impacto líquido da hidrelétrica.

No caso de Belo Monte, por exemplo, boa parte da energia é para fazer alumina e alumínio para exportação, o que representa quase a pior de todas as possíveis opções em termos de gerar emprego no Brasil. Beneficiamento de alumínio gera apenas 1,46 empregos por gigawatt-hora de eletricidade consumida [1], o único uso pior sendo ferro-liga, que também está sendo exportado ([2], p. 90).

Deixar de exportar o alumínio e outros produtos eletro-intensivos, seria a primeira medida [1]. Depois, há muitas maneiras em que o uso da energia poderia ser mais eficiente [3-5]. O item mais evidente é o chuveiro elétrico, que é uma maneira extremamente ineficiente de obter água quente.

Segundo o Plano Nacional de Mudanças Climáticas, 5% de todo o consumo de eletricidade no Brasil é para esquentar água [6]. Isto é mais do que a energia de Belo Monte ou de qualquer outra hidrelétrica planejada. Grande parte do aquecimento de água pode ser feito com aquecimento solar, e o restante seria mais eficientemente esquentado a gás.

O Brasil é um dos únicos países do mundo que usa o chuveiro elétrico. A falta de lógica do ponto de vista do País fica evidente do fato que um chuveiro que custa aproximadamente R$ 30 ao indivíduo para instalar e custa R$2-3 mil ao País para instalar a capacidade de gerar a eletricidade para suprir o chuveiro [7]. Só depois de avançar na eficiência viriam as outras fontes de geração de energia (solar, eólica, etc.) e, finalmente, as hidrelétricas – com prioridade sempre para as opções de menor impacto. [10]

 

 

NOTAS

[1] Fearnside P.M. (2016) “Environmental and social impacts of hydroelectric dams in Brazilian Amazonia: Implications for the aluminum industry” World Development, 77 48-65. doi: 10.1016/j.worlddev.2015.08.015

[2] Bermann C. & Martins O.S. (2000) Sustentabilidade energética no Brasil: Limites e possibilidades para uma estratégia energética sustentável e democrática. (Série Cadernos Temáticos No. 1) Projeto Brasil Sustentável e Democrático, Federação dos Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), Rio de Janeiro, RJ. 151 pp.

[3] Baitelo R., Yamaoka M., Nitta R. & Batista R. (2013) [R]evolução energética: A caminho do desenvolvimento. Greenpeace Brasil, São Paulo, SP, Brasil. 79 pp. http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Documentos/Revolucao-Energetica-/

[4] Bermann C. (2003) Energia no Brasil: Para quê? Para quem? Crise e alternativas para um país sustentável. 2ª Ed. Editora Livraria da Física, São Paulo, SP & Federação dos Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), Rio de Janeiro, RJ. 139 pp.

[5] Moreira P.F. ed. (2012) Setor Elétrico Brasileiro e a Sustentabilidade no Século 21: Oportunidades e Desafios. 2a ed. Rios Internacionais, Brasília, DF. 100 pp. http://www.internationalrivers.org/node/7525

[6] Brasil, CIMC (Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima) (2008) Plano Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC — Brasil. Ministério do Meio Ambiente, Brasília, DF. 129 pp. http://www.mma.gov.br/estruturas/smcq_climaticas/_arquivos/plano_nacional_mudanca_clima.pdf

[7] Cidades Solares (2006) Boletim Informativo, 1(4) Setembro de 2006. http://www.cidadessolares.org.br/conteudo_view_print.php?id=74

[8] Fearnside P.M. (2017) “Planned disinformation: The example of the Belo Monte Dam as a source of greenhouse gases”. In: Liz-R. Issberner & P. Lena (eds.) Brazil in the Anthropocene: Conflicts between Predatory Development and Environmental Policies. Routledge, Taylor & Francis Group, New York, E.U.A., pp. 125-142.

[9] Fearnside P.M. (2012) “Desafios para midiatização da ciência na Amazônia: O exemplo da hidrelétrica de Belo Monte como fonte de gases de efeito estufa” In  Fausto Neto A. (ed.) A Midiatização da ciência: Cenários, desafios, possibilidades, Editora da Universidade Estadual da Paraíba (EDUEPB), Campina Grande, Paraíba. pp. 107-123.

[10] Este texto é traduzido e atualizada de [8], que foi adaptado de [9].  As pesquisas do autor são financiadas pelo Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq: proc. 304020/2010-9; 573810/2008-7), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM: proc. 708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA: PRJ15.125).

Leia os artigos da série: Desinformação no EIA de Belo Monte: 1 – Resumo da série

Desinformação no EIA de Belo Monte: 2 – Barragens como a “única opção”

FONTE:    – http://amazoniareal.com.br/desinformacao-no-eia-de-belo-monte-3-energia-que-precisamos/  

 

Philip M. Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis neste link