Os 1.200 quilômetros de extensão do Rio Javari que dividem o Brasil e o Peru, chegando até a Colômbia, ganharam notoriedade no mundo do narcotráfico ao serem convertidos em uma das principais rotas de escoamento de cocaína do País. O interesse comercial pela tríplice fronteira, no entanto, não está restrito às facções criminosas que comandam o escoamento das drogas, tampouco ao crime organizado que atua na extração de madeira e contrabando de espécies da região.

Há décadas, a terra indígena do Javari está no mapa de empreendimentos de infraestrutura que envolvem desde a construção de estradas, até a abertura de ferrovias, exploração mineral e abertura de campos de petróleo e gás.

No fim de 2014, a Petrobrás arrematou lotes de exploração em uma área ao norte do Acre, bem próxima da terra indígena. O contrato de concessão assinado pela petroleira prevê um prazo de oito anos na fase de exploração e 27 anos na etapa de produção. Seria a retomada das operações em uma região que já escreveu seus capítulos de violência. O receio dos povos indígenas é que a eventual exploração da área reviva conflitos ocorridos no passado. Em 1984, quando a estatal já explorava gás na região, um grupo de isolados da etnia corubo matou, com flechadas, dois funcionários de uma empresa contratada pela Petrobrás. 

A reportagem questionou a estatal sobre a fase atual desse projeto e a previsão para iniciar a produção efetiva do lote. A Petrobrás declarou apenas que “o bloco exploratório AC-T-8”, na Bacia do Acre, adquirido durante a 12.ª Rodada de Licitações da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), “encontra-se com atividade suspensa por causa de decisão judicial”.

Do lado peruano, os projetos petroleiros estão avançados. Em 2013, a empresa canadense Pacific Rubiales Energy deu início ao levantamento sísmico do seu lado da fronteira, área que havia anos aguardava decisão sobre demarcação de terra pelo governo do Peru. A empresa obteve autorização para prospectar a área.

“Os interesses sobre as terras indígenas por parte de setores do agronegócio, da grilagem e especulação fundiária, da mineração, de empreendimentos de infraestrutura de modo geral, e também a ação proselitista missionária não são exclusividade do momento atual, mas é assustador o caráter totalmente despudorado que iniciativas desses setores têm assumido no presente, e a liberdade com que têm ocupado e comandado setores estratégicos do governo federal, especialmente afeitos aos povos indígenas’, afirma o coordenador adjunto do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), Conrado Octavio.

A integração logística também passa pelas terras dos isolados. Dentro da lista de projetos da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), programa que reúne 12 países da América do Sul, está a construção de uma rodovia que ligaria Pucallpa, capital do Departamento de Ucayali, no Peru, à cidade de Cruzeiro do Sul, no Acre. O traçado cortaria o Parque Nacional da Serra do Divisor e afetaria os isolados Isconahua, que vivem do lado peruano. Mais recentemente, a construção de uma ferrovia também passou a fazer parte dos planos.

“Há um retrocesso generalizado”, diz Bruno Pereira, agente indigenista da Funai que atua na Frente de Proteção do Vale do Javari. “O que não se conseguiu fazer no governo militar, os chamados projetos de desenvolvimento para o País, estão avançando agora em lugares onde há populações tradicionais, com projetos de abertura de estradas, exploração de petróleo e gás, políticas de fomento para derrubar a floresta, em vez de mantê-la em pé”, afirma o indigenista. “É assim que tem caminhado o projeto de desenvolvimento nacional para a Amazônia. Depois se queixam quando pessoas de fora do País se preocupam com a Amazônia, fazem o discurso de que a Amazônia é nossa. Mas é desse jeito que a gente trata?”

Por: André Borges
Fonte: O Estado de São Paulo

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