A Associação Internacional de energia hidrelétrica tem argumentado que barragens podem ter um efeito positivo através da captura de carbono nos sedimentos depositados em reservatórios, impedindo assim que este carbono seja emitido para a atmosfera (e.g., [1]). Os sedimentos no reservatório contém carbono [2]. No entanto, o carbono em sedimentos é uma espada de dois gumes, pois esta também é a fonte de carbono para metanogênese nas condições anóxicas no fundo de um reservatório.
O balanço de carbono não deve ser confundido com o impacto sobre o aquecimento global. As barragens liberam carbono na forma de metano, com um impacto muito maior por cada tonelada de carbono do que o CO2 que seria liberado se, em vez do carbono depositado em sedimentos, estes fossem permitidos serem carregados pelo rio e serem oxidado a jusante. Deve ser lembrado, também, que uma parte deste carbono não seria oxidada no rio, mas em vez disso, seria depositada em sedimentos do oceano.
No caso da Amazônia, uma parte deste carbono seria transferida para os depósitos de sedimentos que continuam a ter um acúmulo líquido na várzea amazônica. Um percentual maior do carbono depositado em sedimentos é liberado mais tarde na forma de gases em um reservatório do que no oceano, um fator que aumenta as emissões líquidas globais de gases de efeito de estufa ([3], p. 63).
Embora a água no Rio Amazonas, também, seja conhecida por lançar grandes quantidades de CO2 [4], indicando a oxidação do carbono realizada no rio, há também altas emissões de CO2 nos reservatórios amazônicos pelas turbinas e vertedouros de barragens na Amazônia (e.g., [5]) [6].
NOTAS
[1] Gagnon, L. 2002. The International Rivers Network statement on GHG emissions from reservoirs, a case of misleading science. International Hydropower Association (IHA), Sutton, Surrey, Reino Unido, 9 p. [Disponível em: http://www.hydropower.org/DownLoads/GHG-Reply-IRN-2002-v10.pdf].
[2] Sikar, E., Matvienko, B., Santos, M.A., Rosa, L.P., Silva, M.B., Santos, E.O., Rocha, C.H.E.D., Bentes Jr., A.P. 2009. Tropical reservoirs are bigger carbon sinks than soils. Verhandlungen Internationale Vereinigung fur Theoretische und Angewandte Limnologie 30: 838–840.
[3] Mendonça, R., Barros, N., Vidal, L.O., Pacheco, F., Kosten, S., Roland, F. 2011. Greenhouse gas emissions from hydroelectric reservoirs: What knowledge do we have and what is lacking? In: E.H. de Alcantara (Ed.). Energy Resources: Development, Distribution, and Exploitation. Nova Science Publishers. Hauppauge, NewYork, E.U.A., p. 55-78.
[4] Richey, J.E., Melack, J.M., Aufdenkampe, K., Ballester, V.M., Hess, L.L. 2002. Outgassing from Amazonian rivers and wetlands as a large tropical source at atmospheric CO2. Nature 416: 617-620.
[5] Kemenes, A., Forsberg, B.R., Melack, J.M. 2011. CO2 emissions from a tropical hydroelectric reservoir (Balbina, Brazil). Journal of Geophysical Research 116, G03004. doi: 10.1029/2010JG001465.
[6] Isto é uma tradução parcial atualizada de Fearnside, P.M. 2015. Emissions from tropical hydropower and the IPCC. Environmental Science & Policy50: 225-239. http://dx.doi.org/10.1016/j.envsci.2015.03.002. As pesquisas do autor são financiadas por: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (processos nº305880/2007-1, nº304020/2010-9, nº573810/2008-7, nº575853/2008-5), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) (processo nº 708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ13.03).
Leia os artigos da série: Hidrelétricas e o IPCC
Hidrelétricas e o IPCC: 2 – Barragens nos relatórios e diretrizes
Hidrelétricas e o IPCC: 3 – Escolha enviesada de literatura
Hidrelétricas e o IPCC: 4 – Barragens tropicais emitem mais
Hidrelétricas e o IPCC: 5 – Emissões de gases nos inventários nacionais
Hidrelétricas e o IPCC: 6 – As diretrizes de 2006
Hidrelétricas e o IPCC: 7 – Reservatórios como “áreas úmidas”
Hidrelétricas e o IPCC: 8 – Turbinas e árvores mortas ignoradas
Hidrelétricas e o IPCC: 9 – Contagem incompleta a jusante
Hidrelétricas e o IPCC: 10 – Concentrações subestimadas de metano
Hidrelétricas e o IPCC: 11 – Potencial de Aquecimento Global desatualizado
Hidrelétricas e o IPCC: 12 – Ignorando o valor do tempo
Hidrelétricas e o IPCC: 13 – O horizonte de tempo
Hidrelétricas e o IPCC: 14 – A “dívida” de aquecimento global
Hidrelétricas e o IPCC: 15 – “Catação de cerejas” de barragens
Hidrelétricas e o IPCC: 16 – A suposição de zonas úmidas
Philip M. Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis neste link.
FONTE: http://amazoniareal.com.br/
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