“Desinformação” (informações falsas, deliberadamente incompletas ou deturpadas) é uma hipótese que assombra as discussões do desenvolvimento da Amazônia, particularmente, os maciços planos do governo brasileiro para a construção de hidrelétricas como a Belo Monte.
Planos para a construção de usina hidrelétrica na Amazônia brasileira indicam dezenas de grandes barragens e mais de uma centena de outras menores. A tomada de decisão no Brasil é crítica a estes empreendimentos, não só por causa do grande número de barragens na Amazônia brasileira, mas também porque o Brasil financia e constroi muitas barragens em países vizinhos (e.g., [1]).
Os impactos das barragens incluem efeitos sobre povos indígenas, tais como a perda de peixes e outros recursos dos rios naturais. Os impactos do reassentamento de pessoas urbanas e rurais representam uma concentração do custo humano desta forma de desenvolvimento (e.g., [2]). Isto também é o caso dos impactos sobre os moradores a jusante, que perdem a subsistência baseada na pesca e na agricultura de várzea.
Impactos dos reservatórios na saúde incluem a proliferação de insetos e a metilação do mercúrio (transformando este metal em sua forma venenosa) (e.g., [3]). Perda de floresta ocorre não só de inundação direta, mas também do desmatamento por moradores deslocados, pela construção de estradas, por imigrantes e investimentos atraídos para a área, e pelo agronegócio viabilizado pelas hidrovias associadas a muitas das barragens (e.g., [4-7]).
As emissões de gases de efeito estufa pelas barragens incluem o dióxido de carbono oriundo da decomposição das árvores mortas pela inundação e a emissão de óxido nitroso e especialmente de metano da água nos reservatórios e da água que passa através das turbinas e vertedouros.
O crédito de carbono para barragens sob o mecanismo de desenvolvimento limpo do Protocolo de Quioto agora representa uma importante fonte adicional de impacto sobre o aquecimento global, porque praticamente todas as represas que foram concedidos créditos seriam construídas de qualquer maneira mesmo sem esta subvenção, significando que os países que compram o crédito podem emitir gases sem existir um genuíno deslocamento para neutralizar o impacto das emissões [8-10].
Os gases de efeito estufa das emissões das barragens são uma área onde a hipótese de desinformação surge como explicação para o discurso oficial. Hidrelétricas continuam a ser retratadas como uma energia “limpa” com emissões zero ou insignificantes muito tempo depois que isto é conhecido por ser falso.
Embora as emissões indicadas no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) de Belo Monte seriam insignificantes, esta barragem, juntamente com pelo menos uma outra que seria necessária a montante para fornecer água para as turbinas de Belo Monte na época da seca, teria um impacto negativo sobre o aquecimento global durante pelo menos 41 anos, com a magnitude do impacto sendo superior à emissão da Grande São Paulo durante os primeiros dez anos [11, 12]. Este impacto negativo é baseado na comparação com a mesma geração de energia com combustíveis fósseis.
Claro, o impacto relativo das barragens seria pior se comparado com medidas para aumentar a eficiência do uso da eletricidade ou de gerar com fontes como eólica e solar. A opção de simplesmente não gerar eletricidade, parte do que seria exportada para outros países na forma de lingotes de alumínio, daria o melhor resultado [15].
O que domina a vista do público é a ideia de que hidrelétricas produzem “energia limpa”, que é constantemente repetida pelo governo brasileiro e pelas indústrias hidrelétricas e de alumínio.[15]
NOTAS
[1] Fearnside P.M. (2014) Análisis de los principales proyectos hidro-energéticos en la región amazónica. Derecho, Ambiente y Recursos Naturales (DAR), Centro Latinoamericano de Ecología Social (CLAES) and Panel Internacional de Ambiente y Energia en la Amazonia, Lima, Peru, 55 pp. http://www.dar.org.pe/archivos/publicacion/147_Proyecto_hidro-energeticos.pdf
[2] Fearnside P.M. (1999) “Social impacts of Brazil’s Tucuruí Dam” Environmental Management, 24(4) 483-495. doi: 10.1007/s002679900248
[3] Leino T. & Lodenius M. (1995) “Human hair mercury levels in Tucuruí area, state of Pará, Brazil” The Science of the Total Environment, 175 119-125.
[4] Alencar A. (2016) “Cenários de perda da cobertura florestal na área de influência do complexo hidroelétrico do Tapajós” Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Belém, Pará, Brasil. 13 pp. http://ipam.org.br/bibliotecas/cenarios-de-perda-da-cobertura-florestal-na-area-de-influencia-do-complexo-hidroeletrico-do-tapajos/
[5] Alencar A., Piontekowski V.J., Charity S. & Maretti C.C. (2015) “Deforestation scenarios in the area of influence of the Tapajós hydropower complex” Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Belém, Pará. 3 pp. http://ipam.org.br/wp-content/uploads/2015/12/TapajosIPAM_2015.pdf
[6] Barreto P., Brandão Jr. A., Martins H., Silva D., Souza Jr. C., Sales M. & Feitosa T.. (2011) Risco de Desmatamento Associado à Hidrelétrica de Belo Monte. Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (IMAZON), Belém, Pará. 98 pp. http://www.imazon.org.br/publicacoes/livros/risco-de-desmatamento-associado-a-hidreletrica-de-belo-monte/at_download/file
[7] Fearnside P.M. (2001) “Environmental impacts of Brazil’s Tucuruí Dam: Unlearned lessons for hydroelectric development in Amazonia” Environmental Management, 27(3) 377-396. doi: 10.1007/s002670010156
[8] Fearnside P.M. (2013) “Carbon credit for hydroelectric dams as a source of greenhouse-gas emissions: The example of Brazil’s Teles Pires Dam” Mitigation and Adaptation Strategies for Global Change, 18(5) 691-699. doi: 10.1007/s11027-012-9382-6
[9] Fearnside P.M. (2013) “Credit for climate mitigation by Amazonian dams: Loopholes and impacts illustrated by Brazil’s Jirau hydroelectric project” Carbon Management, 4(6) 681-696. doi: 10.4155/CMT.13.57
[10] Fearnside P.M. (2015) “Tropical hydropower in the Clean Development Mechanism: Brazil’s Santo Antônio Dam as an example of the need for change” Climatic Change, 131(4) 575-589. doi: 10.1007/s10584-015-1393-3
[11] Fearnside P.M. (2015) “Emissions from tropical hydropower and the IPCC” Environmental Science & Policy, 50 225-239. doi: 10.1016/j.envsci.2015.03.002
[12] Fearnside P.M. (2016) “Environmental and social impacts of hydroelectric dams in Brazilian Amazonia: Implications for the aluminum industry” World Development, 77 48-65. doi: 10.1016/j.worlddev.2015.08.015
[13] Fearnside P.M. (2017) “Planned disinformation: The example of the Belo Monte Dam as a source of greenhouse gases”. In: Liz-R. Issberner & P. Lena (eds.) Brazil in the Anthropocene: Conflicts between Predatory Development and Environmental Policies. Routledge, Taylor & Francis Group, New York, E.U.A., pp. 125-142.
[14] Fearnside P.M. (2012) “Desafios para midiatização da ciência na Amazônia: O exemplo da hidrelétrica de Belo Monte como fonte de gases de efeito estufa” In: Fausto Neto A. (ed.) A Midiatização da ciência: Cenários, desafios, possibilidades, Editora da Universidade Estadual da Paraíba (EDUEPB), Campina Grande, Paraíba. pp. 107-123.
[15] Este texto é traduzido e atualizada de [13], que foi adaptado de [14]. As pesquisas do autor são financiadas pelo Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq: proc. 304020/2010-9; 573810/2008-7), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM: proc. 708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA: PRJ15.125).
Leia a última série: Hidrelétricas e o IPCC.
Philip M. Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis neste link.
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http://amazoniareal.com.br/desinformacao-no-eia-de-belo-monte-1-resumo-da-serie/
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