Governo nega militarização e diz que ação é humanitária para atender os refugiados. Este ano migraram para Roraima e Amazonas 22.165 venezuelanos.

Imagem do acampamento desumano em Manaus (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real.)

Em meio à grave crise política no Brasil por conta das acusações contra o presidente Michel Temer (PMDB) por obstrução da Justiça, que resultaram em pedidos de impeachment para realização de novas eleições, está em curso pelo governo o primeiro Plano de Contingência para tratar a emergência do aumento no fluxo imigrantes da Venezuela para cidades da Amazônia brasileira, em decorrência do agravamento da situação política e econômica no país vizinho.

Segundo o Ministério da Justiça, a ação nas cidades de Pacaraima e Boa Vista, em Roraima, e também em Manaus, no Amazonas, contará com o apoio técnico da Agência da Organização das Nações Unidas para Refugiados, a Acnur.

Conforme levantamento da agência Amazônia Real, com base em dados da Polícia Federal em Roraima e do governo do Amazonas, entraram legalmente pela fronteira do extremo norte do país, de 1º de janeiro a 19 de maio últimos, 22.165 venezuelanos.

Desse total, 460 pessoas são indígenas da etnia Warao, que estão vivendo em situação de vulnerabilidade social na capital amazonense.

Desde 2014, os venezuelanos enfrentam a grave crise política e econômica no governo do presidente Nicolás Maduro, que provocou desemprego, escassez de alimentos, medicamentos e gerou um fluxo migratório sem precedentes nas relações fronteiriças entre os dois países.

Neste ano confrontos entre manifestantes e soldados da Guarda Nacional Venezuelana deixaram ao menos 52 jovens mortos e centenas de pessoas feridas, o que gerou protestos contra o presidente do país vizinho até em Manaus (Leia texto mais em baixo).

O Plano de Contingência do governo brasileiro foi anunciado na semana passada pelo ministro da Defesa, Raul Jungmann. Ele chegou a declarar à imprensa internacional que a ação na fronteira com a Venezuela teria aumento no reforço das tropas das Forças Armadas.

Segundo Jungmann, há a possibilidade de uma eventual participação de militares do Peru, Colômbia e até dos Estados Unidos em um exercício para combater crimes transnacionais, como o narcotráfico, armas e o contrabando.

Depois, o ministro negou a militarização da fronteira. “Há uma preocupação do ponto de vista da defesa, mas a preocupação maior diz respeito à parte humanitária”, afirmou Raul Jungmann.

A reportagem procurou o Ministério da Defesa para saber como está se desenvolvendo o Plano de Contingência na fronteira com a Venezuelana, mas, segundo o órgão, a ação está sendo coordenada pelo Ministério da Justiça e a Casa Civil da Presidência da República.

Sem barreira na fronteira 

Em resposta à Amazônia Real, o Ministério da Justiça informou que participa da elaboração de Plano de Contingencia a Acnur, por meio da Divisão de Emergência, Segurança e Fornecimento, e do Serviço de Gerenciamento da Capacidade para Emergência.

Segundo o ministério, entre os dias 16 e 17 de maio uma missão da Acnur visitou Boa Vista e Pacaraima, em Roraima. O objetivo da agência foi prestar apoio técnico à preparação para emergências e a elaboração de Plano de Contingencia em relação ao aumento do fluxo de venezuelanos.

O Ministério da Justiça negou que o Plano de Contingência tenha entre suas ações fazer uma barreira para impedir a entrada de refugiados.

“Não há intenção, por parte do governo federal, de construir nenhuma barreira na fronteira do Brasil com a Venezuela. O Ministério da Justiça trata o fluxo migratório como migração mista, compreendendo migração econômica e migração forçada (refúgio, busca por proteção internacional). O movimento tem se mostrado pendular, com sucessivas entradas e saídas do território brasileiro, não indicando um movimento que sinalize migração definitiva para o território brasileiro”, disse a assessoria de imprensa à Amazônia Real.

Com relação ao eventual reforço das forças militares na fronteira e pedido de apoio dos governos do Peru, Colômbia e Estados Unidos, a pasta afirmou à reportagem que “o Ministério da Defesa tem auxiliado com ações práticas, incluindo apoio ao Ministério do Desenvolvimento Social e as áreas de defesa civil e de assistência social”. “Não há intenção, por parte do governo federal, de solicitar apoio a Estados estrangeiros”, disse o MJ, que não divulgou a data do início do Plano de Contingência na fronteira devido ao sigilo da ação.

A Polícia Federal em Roraima disse à reportagem que de 1º. de janeiro a 19 de maio deste ano, 21.705 venezuelanos migraram legalmente para as cidades de Pacaraima e Boa Vista.

O número de solicitação de refúgio por parte de cidadãos da Venezuela teve um aumento sem precedentes nos últimos quatro anos: nove (em 2014), 234 (2015), 2.230 (2016) e 3.068 (de janeiro a 17 de abril), diz a PF em Roraima.

Procurado para falar sobre os pedidos de refúgio, o Ministério da Justiça informou que, de janeiro a 14 de abril deste ano, foram solicitados 61 refúgios no Amazonas e, 2.007 em Roraima. Segundo o órgão, os dados de pedidos de refúgio no ano de 2016 nos dois estados ainda estão sendo levantados.

A pasta afirmou que não deferiu as solicitações de refúgio para venezuelanos em Roraima e no Amazonas. A atribuição do deferimento é do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), ligado ao MJ.

No Brasil, o Conare disse que recebeu 209 solicitações de refúgio de venezuelanos em 2015, 829 pedidos (em 2014), 3.375 (em 2016) e, segundo o site G1, 8.231 solicitações foram feitas de janeiro a 2 de maio de 2017.

Menos deportações de Warao

Com o aumento de imigrantes na fronteira e a repercussão negativa sobre as deportações, a Polícia Federal em Roraima mudou o atendimento aos venezuelanos. Entre 2014 e 2016 a polícia realizou 532 deportações de venezuelanos da etnia indígena Warao. Foi chamada atenção por organizações dos direitos humanos.

Segundo a assessoria de imprensa, a  Superintendência da Polícia Federal  reforçou o efetivo de servidores para atendimento a estrangeiros interessados “em solicitação de residência temporária ou instituto do Refúgio.”

Explicou que está atuando com membros da Acnur, Universidade Federal de Roraima, Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH) e da sociedade civil na orientação e documentação dos estrangeiros em uma sala disponibilizada na Superintendência PF em Boa Vista.

“Os atendimentos estão sendo realizados no mesmo dia da solicitação, sem agendamentos e atualmente são atendidos aproximadamente 160 pessoas”, disse a assessoria de imprensa, que destacou: o procedimento de solicitação de residência temporária no Brasil está disponível aqui e no caso de solicitação de refúgio aqui.

Protestam em frente ao consulado

No domingo (21) em Manaus, como aconteceu em outras capitais brasileiras, venezuelanos protestaram contra o governo do presidente Nicolás Maduro e as mortes de ao menos 52 jovens em confrontos com a Guarda Nacional Venezuela este ano em regiões como Caracas, Trujillo, Mérida e Táchira, no oeste do país.

Um cartaz contendo os nomes dos 52 mortos, além de pequenos caixões de papelão, foram afixados na área externa do Consulado da Venezuela, localizado no bairro Nossa Senhora das Graças, na zona centro-sul de Manaus. O cônsul venezuelano no Amazonas, Faustino Torella, não se encontrava no local no momento do protesto.

“Hoje [21 de maio] completam 52 dias em que a população está indo para as ruas protestar contra o golpe de estado dado pelo presidente Nicolás Maduro. Nestes 52 dias, pessoas morreram diariamente em confronto com a polícia ou paramilitares, enviados para conter a população. É uma média de uma pessoa morta diariamente. Boa parte é de jovens”, disse o advogado Javier Lemos, 29, que há três anos mora em Manaus.

Segundo ele, a manifestação aconteceu também em várias capitais do Brasil e do mundo, como forma de chamar a atenção da opinião pública para o que vem ocorrendo na Venezuela. “O que pedimos neste momento para o nosso país são apenas dois canais humanitários, que são liberdade aos presos políticos e eleições diretas”, salienta Javier Lemos à Amazônia Real.

O advogado disse que um dos presos emblemáticos é o opositor e ex-prefeito de Caracas Leopoldo Lopez. Ele disse que, desde fevereiro de 2014, Leopoldo se encontra recluso na prisão militar de Ramo Verde.

Em setembro de 2015, ele foi condenado a 15 anos e nove meses de prisão, sob a acusação de promover protestos violentos contra o presidente Nicolás Maduro.

“Assim como Leopoldo há outras inúmeras pessoas que estão presas sem o direito a um julgamento e tratamento dignos. São civis julgados por tribunais militares, o que é um absurdo. Algumas pessoas, para não terem o mesmo destino, partiram para o exílio voluntário, saindo da Venezuela para outro país”, observa o advogado.

Sobre o grande fluxo migratório para Manaus, os participantes do protesto estimam que ao menos 30 mil venezuelanos estão morando na cidade.

Muitos fogem das perseguições políticas adotadas por Maduro contra seus adversários. Segundo o grupo, em 2010 havia apenas duas solicitações de refúgio para Manaus. Neste ano, ao menos duas mil pessoas teriam feito o pedido.

Os manifestantes também comentaram sobre a situação de vulnerabilidade social dos 460 índios Warao que vivem em Manaus. Muitos deles mendigam nos semáforos e estão abrigados em barracas de lona no entorno da rodoviária e embaixo do viaduto por falta de uma ação de acolhimento efetiva por parte do governo do Amazonas e da Prefeitura de Manaus.

“Estamos acompanhando a situação dos Warao sim. O que está acontecendo com eles é desumano, pois estão fugindo da fome, nada mais”, declara o grupo de manifestantes venezuelanos à agência Amazônia Real.

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