Subprocurador-geral da República diz que é preciso subverter a lógica dominante em Brasília de que ‘há muita terra para pouco índio’. 

“Índio é terra. E terra, para o índio, é Justiça”. É assim que o subprocurador-geral da República Luciano Mariz Maia resume a disputa territorial em torno da questão indígena no Brasil. 

Coordenador da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal, Maia afirma que o governo Michel Temer está empenhado em enfraquecer a Fundação Nacional do Índio (Funai) e que os interesses dos ruralistas estão no centro da questão. “É como se os setores mais importantes do agronegócio não estivessem conformados em estar no Ministério da Agricultura e sentissem a necessidade de ficar também à frente da Funai”, diz.

Nesta entrevista a CartaCapital, o subprocurador-geral defende, ainda, que o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) seja punido por suas declarações ofensivas contra indígenas e quilombolas, de caráter “indiscutivelmente racista”. “O esforço de um Brasil democrático depende não só do respeito à vontade da maioria, mas também do respeito aos direitos das minorias.”

CartaCapital: Que avaliação o senhor faz das políticas indigenistas do governo Temer?

Luciano Mariz Maia: Começaremos mencionando o seguinte: o momento para os índios no Brasil está muito difícil em razão da ascensão ao poder de pessoas com posições contrárias aos direitos dos índios. Nas três esferas de governo temos pessoas declaradamente contrárias aos direitos dos índios, desejando interferir para impedir a demarcação de terras indígenas e reduzir seus territórios. 

CC: O presidente da Funai, pastor Antonio Fernandes Toninho Costa, tem dito que os índios não podem ficar “parados no tempo” e que o órgão precisa “ensinar a pescar”. Como o senhor recebeu essas declarações?

LMM: Este não é um problema específico da Funai. A fundação é peça importante, mas não é a única peça dessa história. O atual governo está decidido a destruir a Funai, e faz isso por dentro e por fora. Por fora, permitindo que lideranças de sua base ataquem diretamente a Funai, e internamente, reduzindo os recursos e enxugando o corpo de funcionários de tal maneira que inviabiliza o processo de demarcação de terras indígenas. Por isso eu não me limito à figura do presidente da Funai.

Dito isso, agora eu tenho condições de entrar na fala do presidente da Funai, e aí temos algumas dificuldades. Vamos ensinar o índio a pescar nos rios que secaram pelo desmatamento? Vamos ensiná-los a pescar nos rios poluídos? Não podemos esquecer que os índios perderam os territórios onde costumavam realizar suas atividades produtivas e econômicas. O desenvolvimento populacional e econômico se deu tomando terras indígenas, expulsando índios, e eles passaram a ter necessidade de conviver com a monetarização das relações de troca.

Então há uma forma positiva de interpretar essa fala, pois é extremamente necessária uma política indigenista que empodere os índios. O papel do Estado é empoderar o índio. Os agentes econômicos modificaram a organização indígena e os submeteram, em um processo muito curto, a novas circunstâncias. Eu tive uma boa impressão quando estive com ele (presidente da Funai) e sugiro que ele seja mais bem assessorado.

CC: Mas se ele for assessorado por este governo pode não dar certo…

LMM: Exatamente. Na verdade eu estou tendo a prudência de fazer um alerta. O caminho que o discurso dele antecipa é um caminho de destruição dos índios, não é um caminho de afirmação dos direitos dos índios. E o propósito dele na agência governamental é fortalecer os índios e as suas comunidades. Ele precisa resolver de que lado está.

A terra, para o agronegócio, é um bem de produção de outros bens. O empresário do agronegócio com facilidade sai do Rio de Grande do Sul, por exemplo, para qualquer outra parte do País e produz onde encontrar terras produtivas. Os índios não saem de suas terras. Os rios e as matas fazem parte de suas vidas. As terras dos índios têm uma dimensão cultural diferente das outras.

CC: Então esse discurso contra os direitos dos indígenas está ligado à disputa pela terra?

LMM: Absolutamente ligado. É como se os setores mais importantes do agronegócio não estivessem conformados em estar no Ministério da Agricultura, mas sentissem a necessidade de ficar também à frente da Funai. Tentaram por muito tempo explodir o órgão a partir da CPI da Funai, mas não conseguiram. Agora há essa tentativa de esvaziar o seu quadro de pessoal e reduzir drasticamente o seu orçamento.

CC: Identificado em grampos da Operação Carne Fraca, o atual ministro da Justiça, Osmar Serraglio, já disse que terra “não enche barriga”. Como o senhor avalia essa declaração? .

LMM: A lógica dos parlamentares que conduzem a CPI da Funai e a lógica instalada no Ministério da Justiça é a de que há muita terra para pouco índio. É preciso reverter isso. Eles se sentem no direito de tirar o que é do outro. Isso é a negação completa de uma sociedade capitalista que defende a propriedade. O índio é o dono da terra. Então, primeira coisa: respeitem a terra do índio.

Segunda coisa: o índio não usa a terra do modo que o agronegócio usa. Você vai a Rondônia, a mancha verde que você encontra lá, de floresta, são as terras indígenas. O resto está devorado por pasto e soja. Índio é terra. E terra, para o índio, é Justiça. É dele. Então falta Justiça no Ministério da Justiça e às vezes falta Justiça no poder Judiciário.

Nós também estaremos atentos para ver como o Alexandre de Moraes, ministro da Justiça do governo Temer, se comportará como ministro do Supremo Tribunal Federal.

CC: Para concluir, gostaria que o senhor comentasse as declarações do deputado Jair Bolsonaro sobre indígenas e quilombolas em uma palestra no clube Hebraica do Rio de Janeiro.

LMM: Eu não tenho propriamente o desejo de valorizar a fala dele. Ele falou para uma plateia pequena e, de certa forma, somos nós que levamos essas falas para um ambiente maior, que é a mídia nacional. Mas há aspectos preocupantes na fala dele.

Há pessoas que ocupam cargos grandes e se apequenam quando querem diminuir os pequenos e simples –no sentido de que têm poucas riquezas materiais. Quando esses grandes atacam os pequenos e revelam sua pequenez, permitem que todos observem a grandeza dos pequenos.

O esforço de um Brasil democrático depende não só do respeito à vontade da maioria, mas do respeito aos direitos das minorias. É isso que qualifica uma democracia. A identidade de quilombolas e a identidade de indígenas são fortemente vinculadas ao espaço territorial. É espaço de resistência, é espaço de permanência contra as expulsões e a destruição.

A fala do deputado Bolsonaro é indiscutivelmente racista. O racismo se evidencia quando alguém pretende humilhar, desigualar alguém em razão de sua raça, de sua cor ou de seu pertencimento étnico.

CC: Preocupa saber que esse tipo de discurso encontra ressonância na sociedade?

LMM: Esse discurso tem encontrado ressonância pelo contexto da crise econômica que estamos vivendo. Em uma casa em que falta pão, todos brigam e ninguém tem razão. São algumas carências materiais que fazem com que um precise atribuir ao outro a razão de seus problemas. Dizem: ‘o índio tem muita terra e eu não tenho terra nenhuma, não tenho nem onde morar’. Esse processo de construção de inimigos é próprio de uma concepção racista.

Enquanto parlamentar, a ele deve ser assegurada a mais ampla liberdade de expressão no que diz respeito à fiscalização de políticas públicas em benefício da sociedade. Mas a Constituição não atribui a ele a prerrogativa de humilhar os mais humildes, com ar de zombaria.

CC: A fala do deputado provocou indignação. Fica a impressão de que ele diz o que quer, e nada acontece. Podemos esperar alguma punição a Bolsonaro?

LMM: Sim. Houve uma representação ao procurador-geral, e a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão agora busca identificar fundamentos jurídicos para que essa representação se converta na apresentação de uma denúncia ao Supremo Tribunal Federal pela prática do crime de racismo, para que ele vire réu.

A íntegra da palestra está disponível no blog do deputado Bolsonaro. Ele usa aquilo como propaganda de suas próprias ideias e, nessa propaganda, expressa a intenção de humilhar. Utiliza expressões que se aplicam a animais e usa de tom de deboche para provocar o riso. Isso é característico de quem pretende degradar e humilhar, elementos próprios à ideia de racismo.

Por: Débora Melo
Fonte: Carta Capital 

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