Parque nacional, gerido pelo ICMBio entre Mato Grosso, Amazonas e Rondônia, é modelo de gestão para UCs que interagem com terras indígenas.
No Parque Nacional dos Campos Amazônicos, todo dia é dia de índio. A unidade de conservação (UC), com quase 1 milhão de hectares, gerida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), entre os estados do Mato Grosso, Amazonas e Rondônia, é modelo de gestão para as UCs que interagem com terras indígenas (TIs). Nesse 19 de abril, quando se comemora o Dia do Índio, vale a pena conhecer um pouco do trabalho desenvolvido na unidade.
Tendo como vizinhas as TIs Tenharim do Igarapé Preto e Tenharim-Marmelos, que abrigam etnias pertencentes aos povos autodenominados Kagwahiva – “nós”, “a gente”, em tupi-guarani –, o parque mantém uma relação harmoniosa e colaborativa com os indígenas. “Uma relação de mão dupla, de ida e volta, em que um ajuda o outro”, diz Aline Polli, analista ambiental do ICMBio e chefe substituta da unidade.
No Campos Amazônicos, os índios têm voz ativa e forte representação no conselho consultivo, instância colegiada de participação da sociedade civil na administração do parque. Eles compartilham de todos os debates, de todas as decisões. Além disso, estão sempre presentes nas atividades promovidas pela unidade.
Já os gestores do parque visitam constantemente as aldeias para trocar informações, ouvir sugestões, desenvolver projetos de educação ambiental. Nos períodos de seca, orientam os indígenas sobre como fazer queimadas seguras, sem que causem incêndios florestais involuntários.
Todas essas ações convergem para a implementação da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), uma das muitas preocupações dos servidores do parque. Criada por decreto federal em 2012, a PNGATI, que tem o ICMBio como um de seus signatários, é o roteiro para gestores públicos e indígenas trabalharem juntos pela sustentabilidade. Cria as condições para que o Estado dialogue com esses povos em torno de objetivos comuns e conservacionistas.
E é isso o que fazem os gestores do parque. Entre 2012 e 2013, logo após a edição do decreto, e com o conselho atuante, servidores da UC, da Fundação Nacional de Apoio ao Índio (Funai) local e indígenas participaram de um amplo processo de discussão sobre a PNGATI.
Na sequência, eles percorreram aldeias dos Tenharins para conversar com os indígenas sobre os princípios norteadores dessa política. “Foi um processo de absorção das informações, de entendimento do que é essa política e de como inserir os indígenas no Mosaico da Amazônia Meridional (MAM)”, conta Aline que, junto com o chefe da unidade, Bruno Contursi, e a analista ambiental Cleide Rezende, forma a equipe do parque.
Após esse processo, a gestão da unidade de conservação passou a colecionar avanços no processo de implantação da PNGATI. De quebra, ganhou o respeito e a confiança dos Tenharins, certamente o ativo mais importante nesse tipo de trabalho.
Hoje, o parque funciona como uma espécie de mediador de conflitos entre os povos indígenas e os não indígenas, muito recorrentes na região, inclusive com o registro de mortes. “Já colocamos índios e madeireiros, juntos, frente a frente, para conversar nas reuniões do Conselho Consultivo. Com isso, ajudamos a resolver algumas disputas entre eles”, cita Aline. “No conselho, os indígenas se sentem seguros. Sabem que o colegiado é da sociedade civil, não é chapa branca, é um espaço neutro. Vai optar, sempre, por soluções equilibradas.”
No momento, os gestores promovem, em Santo Antônio do Matupi, distrito de Manicoré (AM), que concentra a maioria das madeireiras da região, um novo projeto que une temas ambientais à questão indígena. O Parque nas Escolas, como é chamado, consiste em palestras de sensibilização para estudantes sobre a conservação da biodiversidade local e a sua relação com a história e a cultura dos Tenharins.
“Incluímos esse último componente para atrair os não indígenas para a causa indígena, uma forma de estimular a convivência pacífica entre eles. Os Tenharins são um povo muito sofrido. As terras dos Tenharins-Marmelos foram cortadas pela rodovia Transamazônica nos anos 70. Nesse mesmo período, as terras dos Tenharin do Igarapé Preto viraram áreas de mineração da Paranapanema. A Funai só chegou por aqui nos anos 80”, relata Aline Polli.
Em retribuição ao trabalho dos gestores, os Tenharins fazem o que podem em defesa do parque. Há até uma brigada indígena vinculada ao PrevFogo/Ibama (foto abaixo) que, dependendo da situação, atua em conjunto com os brigadistas do parque.
Os gestores da UC são sempre convidados para os eventos sociais das aldeias vizinhas e se esforçam para garantir participação em todas as festas culturais e nas discussões com parceiros de outros órgãos em assuntos relacionados às duas TIs.
Nessa relação de entendimento mútuo, uma das maiores provas de carinho dada pelos índios ocorreu no ano passado. Durante a celebração da Mbotawa, a festa “cosmológica” da etnia, o principal ritual dos Tenharins, os indígenas homenagearam a unidade de conservação, que comemorava dez anos de criação.
Esse é o ritual mais importante dos Tenharins. Dura nada menos que seis dias seguidos É quando eles se casam, quando encerram o luto, quando celebram a vida. “Foi uma alegria para todos nós ver o parque ser homenageado por eles”, afirma, emocionada, Aline, uma entusiasta da perfeita harmonia entre o parque e os vizinhos indígenas.
Para ela, essa sintonia com os Tenharins é de “suma importância” não só para a gestão do parque, mas, também, para a imagem institucional do ICMBio na região, que passa a ser visto com simpatia pela população local. “Com a construção dessa relação de confiança com os indígenas, podemos contar com um time de defensores do parque, pessoas jogando do nosso lado. Os índios são, por essência, conservacionistas”, conclui a analista ambiental.
Elmano Augusto
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Comunicação ICMBio
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