Segundo Charles Clement, desde o início da influência portuguesa a Amazônia é uma colônia e não mudou até hoje, apesar da Independência do Brasil.
“Não acredito que o desenvolvimento da Amazônia esteja indo no caminho apropriado”, assim se manifestou o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTIC) Charles Clement, durante palestra “Domesticação da floresta e subdesenvolvimento da Amazônia”, na manhã desta quarta-feira (29), na 45ª Reunião do Grupo de Estudos Estratégicos Amazônicos (Geea) do Inpa.
A história da domesticação da floresta seria o foco da palestra de Clement, baseado no artigo recentemente publicado na revista Science, que mostra a que floresta foi modificada pelos povos pré-colombianos, porém, o pesquisador recebeu o desafio do secretário-executivo do Geea, Geraldo Mendes, para falar sobre como a floresta domesticada cabe na história do desenvolvimento da Amazônia.
Para falar sobre este assunto, o pesquisador fez uma revisão da história do Brasil a partir da conquista europeia. Segundo o pesquisador, desde o início da influência portuguesa a Amazônia é uma colônia. “E isso não mudou até hoje, apesar da Independência do Brasil, apesar da “integração” propagada durante era militar e que os governos atuais falam”, diz Clement. “Mas, que ainda somos colônia é muito claro”, destaca o pesquisador.
Como exemplo dessa condição de colônia, o pesquisador cita o setor energético, que é desenhado para aproveitar os recursos hidrícos da Amazônia para gerar energia elétrica e exportá-la para o sul do país. “Os paulistas ficam felizes em receber nossa energia elétrica. No futuro, eles também ficarão mais felizes quando constuírem canais para levar água, porque sofrerão novamente uma estiagem”, afirma.
Clement também falou sobre as espécies hiperdominantes, como o açaí, o patauá, o buriti e o cacau. O açaí tem mercado em expansão ao redor do mundo, mas as outras ainda estão na floresta. Ele explica que a nível mundial, o cultivo mais importante que vem da Amazônia é o cacau, matéria-prima do chocolate e que todo mundo aprecia.
O pesquisador explica que sempre existiu cacau desde a época dos índios. Durante a época colonial, os portugueses incentivaram a plantação da fruta na Amazônia, sendo que no início do século 20 foi levada para a Bahia. “E, por estar mais perto dos poderes centrais, recebeu mais apoio do que na Amazônia, criando-se o Centro de Pesquisas do Cacau em Itabuna para apoiar a tecnificação do cultivo”, explica.
Clement lembra que embora Comissão da Lavoura Cacaueira (Ceplac) sempre apoiou o plantio de cacau na Amazônia, e devido ao fato de estar perto do centro de poder gera mais apoio político. Como consequência, o cacau expandiu na Bahia muito mais do que aqui na região. “E perdemos cacau igual como perdemos o guraraná e uma série de outras coisas”, diz.
O pesquisador afirma, porém, que, hoje, na Amazônia, está começando uma nova fase de cacau e em alguns lugares, como na Bolívia, no Peru, em breve no rio Madeira e no rio Solimões, há populações de cacau cujas sementes são transformados em chocolates de ótima qualidade, os famosos chocolates gourmet. “Esta é a nova onda de chocolates da Amazônia que está ligada à comunidades do interior, que estão produzindo direto para exportação, e nem passa por Manaus, indo direto para Londres e Nova Iorque”, destaca.
Quanto ao açaí, o pesquisador explica que é uma fruta que continua tendo uma boa expansão. No Pará, a plantação está parecendo uma monocultura de açaí e é altamente tecnificada, diferente do que acontece no Amazonas, onde ainda é extrativista.
Clement explica que o açaí do Amazonas é diferente ao do Pará, com uma qualidade superior em algumas coisas, o que chama atenção no mercado externo, além de ter um pequeno diferencial no preço. “Há diversas indústrias no interior do Estado que estão organizadas e processando a produção extrativista do Amazonas”, diz.
A nova matriz econômica-ambiental do Estado também foi citada pelo pesquisador. Segundo ele, os governos sempre falaram que é preciso ter desenvolvimento no interior, porque tudo o poder econômico está concentrado no Polo Incentivado de Manaus (PIM). Clement afirma que o interior apresenta um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) baixo pelo simples fato de não possuir uma atividade econômica.
Para ele, o governo não sabe o que fazer, sendo muito mais fácil incentivar a agricultura e a fruticultura. O pesquisador também diz que há planos de diferentes governos que vêm com nova roupagem, mas na realidade são todos iguais, a exemplo do Terceiro Ciclo, de Amazonino Mendes, a Zona Franca Verde, de Eduardo Braga, a Amazônia Rural, de Omar Aziz, e agora a Nova Matriz Econômica Ambiental, de José Melo.
“Tudo isso é falta de ideias e de investimento em Ciência e Tecnologia para o desenvolvimento e também falta de investimento em infraestrutura, que permita que esse desenvolvimento inovativo seja levado para o interior, que é muito caro e longe”, diz o pesquisador. “O sistema de transporte é capenga, o sistema de escoamento e armazenamento não existe e é preciso ser criado”, diz.
O economista Oziris Silva um dos participantes da palestra, concorda com o pesquisador e confirma sua convicção de que a exploração predatória da Amazônia decorre da falta de ação governamental. “Não é a BR-319 que causará o desmatamento da Amazônia, mas, sim, a falta de políticas públicas para criar novas opções de desenvolvimento com a floresta em pé”, diz.
Sobre o Geea
O Geea é um grupo multidisciplinar de pessoas interessadas na Amazônia, no desenvolvimento sustentável da região e na promoção do ser humano. É formado por cientistas, professores, empresários, poetas. Religiosos e gestores que se reúnem a cada três meses para debater um temas previamente escolhido e apresentado por uma autoridade no assunto.
Segundo o secretário-executivo, Geraldo Mendes, o Geea está completando dez anos de existência. “A 45ª reunião e a palestra do pesquisador do Inpa Charles Clement se enquadram nesse contexto”, diz.
Por Luciete Pedrosa – Ascom Inpa
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