O valor do tempo é, talvez, o fator mais fundamental que leva à subavaliação da importância para o aquecimento global das emissões de hidrelétricas. Uma ampla gama de opiniões existe sobre a questão de quanto valor, se houver algum, deve ser dada ao tempo na apreciação do valor dos gases de efeito estufa que são emitidos ou impedidos de serem emitidos. Se uma tonelada de carbono emitida hoje tem o mesmo valor que uma tonelada emitida um século ou mais no futuro é fundamental para decidir o que fazer sobre o aquecimento global, especialmente para as decisões sobre barragens. 

O valor é atribuído ao tempo de duas maneiras. Uma é definir um horizonte de tempo após o qual nenhuma consideração é dada (por exemplo, que o horizonte de tempo de 100 anos para o potencial de aquecimento global utilizado no âmbito do Protocolo de Quioto). Isto significa que adiar uma emissão, parte do impacto é empurrada para além do final do horizonte de tempo e é anulada. Quanto mais longo o horizonte de tempo, menos o valor dado ao tempo. A outra maneira é dar um peso diminuindo aos custos e benefícios (nesses casos, as emissões e as emissões evitadas) a cada ano no futuro [1].

O meio mais comum de ponderação é através da aplicação de uma taxa de desconto a cada ano, onde o peso atribuído diminui por uma percentagem fixa a cada ano futuro sucessivo. Tanto um horizonte de tempo como uma taxa de desconto maior que zero podem ser usados juntos. Existem várias alternativas para horizontes temporais e ponderação de preferência temporal [2, 3]. O valor atribuído ao tempo é uma decisão ética e política, não um resultado científico. No entanto, um valor presumido para o tempo está presente em todas as comparações de emissões, mesmo que esta hipótese não seja admitida explicitamente.

As opiniões sobre a taxa de desconto adequada para emissões variam enormemente. Por um lado, há os que advogam um valor de zero ao longo de um período de 100 anos ([4]; ver [5, 6]) e mesmo os que dariam um valor de zero ao longo de um período infinito, como implícita no apelo de Greenpeace para permanência do sequestro de carbono em escalas de tempo “geológicas”. Por outro lado, há economistas que advogam por um valor igual ao desconto utilizado para decisões financeiras, ou seja, em torno de 10% ao ano em termos reais (e.g., [7]).

Este autor defende o equivalente a uma taxa de desconto da ordem de 1-2% ao ano [2], ou seja, um valor pequeno, mas diferente de zero. Um valor diferente de zero para o tempo para o aquecimento global não depende de uma perspectiva egoísta para a geração atual ou em traduzir todos os impactos em termos monetários: o aquecimento global deverá resultar em muitas mortes humanas, que é uma forma inteiramente separada de impacto comparado às perdas monetárias, e adiar o aquecimento por um determinado número de anos salva vidas durante o período em que foi postergado [8] [9].

 

NOTAS

[1] Fearnside, P.M., Lashof, D.A., Moura-Costa, P. 2000. Accounting for time in mitigating global warming through land-use change and forestry. Mitigation and Adaptation Strategies for Global Change 5: 239-270. doi: 10.1023/A:1009625122628.

[2] Fearnside, P.M. 2002. Time preference in global warming calculations: A proposal for a unified index. Ecological Economics 41: 21-31. doi: 10.1016/S0921-8009(02)00004-6.

[3] Fearnside, P.M. 2002. Why a 100-year time horizon should be used for global warming mitigation calculations. Mitigation and Adaptation Strategies for Global Change 7: 19-30. doi: 10.1023/A:1015885027530.

[4] Kirschbaum, M.U.F. 2006. Temporary carbon sequestration cannot prevent climate change. Mitigation and Adaptation Strategies for Global Change 11: 1151-1164. doi: 10.1007/s11027-006-9027-8.

[5] Dornburg, V., Marland, G. 2008. Temporary storage of carbon in the biosphere does have value for climate change mitigation: a response to the paper by Miko Kirschbaum. Mitigation and Adaptation Strategies for Global Change13: 211-217. doi: 10.1007/s11027-007-9113-6.

[6] Fearnside, P.M. 2008. On the value of temporary carbon: A comment on Kirschbaum. Mitigation and Adaptation Strategies for Global Change 13: 207-210. doi 10.1007/s11027-007-9112-7.

[7] van Kooten, G.C., Grainger, A., Ley, E., Marland, G., Solberg, B. 1997. Conceptual issues related to carbon sequestration: Uncertainty and time. Critical Reviews in Environmental Science and Technology 27(special): S65-S82. doi: 10.1080/10643389709388510.

[8] Fearnside, P.M. 1998. The value of human life in global warming impacts. Mitigation and Adaptation Strategies for Global Change 3: 83-85. doi: 10.1023/A:1009640412108.

[9] Isto é uma tradução parcial atualizada de Fearnside, P.M. 2015. Emissions from tropical hydropower and the IPCC. Environmental Science & Policy50: 225-239. http://dx.doi.org/10.1016/j.envsci.2015.03.002. As pesquisas do autor são financiadas por: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (processos nº305880/2007-1, nº304020/2010-9, nº573810/2008-7, nº575853/2008-5), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) (processo nº 708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ13.03).

  – http://amazoniareal.com.br/hidreletricas-e-o-ipcc-12-ignorando-o-valor-do-tempo/    

http://amazoniareal.com.br/

Leia os artigos da série: Hidrelétricas e o IPCC 

Hidrelétricas e o IPCC: 2 – Barragens nos relatórios e diretrizes 

Hidrelétricas e o IPCC: 3 – Escolha enviesada de literatura 

Hidrelétricas e o IPCC: 4 – Barragens tropicais emitem mais 

Hidrelétricas e o IPCC: 5 – Emissões de gases nos inventários nacionais 

Hidrelétricas e o IPCC: 6 – As diretrizes de 2006

Hidrelétricas e o IPCC: 7 – Reservatórios como “áreas úmidas” 

Hidrelétricas e o IPCC: 8 – Turbinas e árvores mortas ignoradas

Hidrelétricas e o IPCC: 9 – Contagem incompleta a jusante 

Hidrelétricas e o IPCC: 10 – Concentrações subestimadas de metano 

Hidrelétricas e o IPCC: 11 – Potencial de Aquecimento Global desatualizado

 

Philip M. Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis neste link