As estimativas das emissões das turbinas (incluindo as minhas) que usam dados sobre a concentração de CH4 na água à profundidade das turbinas com base em medições em amostras coletadas usando garrafas tradicionais de Ruttner têm subestimado estas concentrações, e consequentemente as emissões, quando a água é liberada abaixo da barragem.

A subestimativa é aproximadamente por um fator de dois. Isso ocorre porque parte do metano que é dissolvido na água sai da solução quando a garrafa Ruttner é trazida para a superfície e, consequentemente, a amostra de água extraída com uma seringa para análise química tem uma concentração de CH4 mais baixa do que a água na parte inferior do reservatório. O uso de outro tipo de garrafa, projetada para capturar e medir este metano, resultou em valores de concentração 116% mais elevados do que os valores para as amostras obtidas simultaneamente com garrafas Ruttner da água a 30 m de profundidade no reservatório de Balbina, no estado do Amazonas [1].

Extrapolação a partir de reservatórios não tropicais

Os reservatórios nos trópicos úmidos emitem muito mais metano do que aqueles em outras zonas climáticas [2, 3]. Muitas reivindicações de baixas emissões de hidrelétricas são baseadas em estudos fora dos trópicos úmidos.

No Brasil, importantes exemplos incluem o estudo de impacto ambiental (EIA) para a barragem de Belo Monte, que está em construção em uma área de floresta tropical no Rio Xingu, no Estado do Pará ([4], Vol. 5, p. 47; Ver [5]). Neste caso, a estimativa para futuras emissões do reservatório foi uma média de medição de fluxo por metro quadrado medido em dois reservatórios: Tucuruí e Xingó. No caso de Xingó, a represa está localizada no nordeste semiárido do Brasil e claramente tem emissões muito menores do que uma represa da Amazônia como Belo Monte [6]. 

NOTAS

[1] Kemenes, A., Forsberg, B.R., Melack, J.M. 2011. CO2 emissions from a tropical hydroelectric reservoir (Balbina, Brazil). Journal of Geophysical Research 116, G03004. doi: 10.1029/2010JG001465.

[2] Barros, N., Cole, J.J., Tranvik, L.J., Prairie, Y.T., Bastviken, D., Huszar, V.L.M., del Giorgio, P., Roland, F. 2011. Carbon emission from hydroelectric reservoirs linked to reservoir age and latitude.Nature Geoscience 4: 593-596. doi: 10.1038/NGEO1211.

[3] Demarty, M., Bastien, J. 2011. GHG emissions from hydroelectric reservoirs in tropical and equatorial regions: Review of 20 years of CH4 emission measurements. Energy Policy 39: 4197-4206. doi: 10.1016/enpol.2011.04.033.

[4] Brasil, Eletrobrás (Centrais Elétricas Brasileiras). 2009. Aproveitamento Hidrelétrico Belo Monte: Estudo de Impacto Ambiental. Fevereiro de 2009. Eletrobrás, Rio de Janeiro, RJ. 36 vols. [Disponível em: http://philip.inpa.gov.br/publ_livres/Dossie/BM/BELO%20MONTE.htm].

[5] Fearnside, P.M. 2011. Gases de efeito estufa no EIA-RIMA da hidrelétrica de Belo Monte.Novos Cadernos NAEA 14(1): 5-19.

[6] Isto é uma tradução parcial atualizada de Fearnside, P.M. 2015. Emissions from tropical hydropower and the IPCC. Environmental Science & Policy50: 225-239.http://dx.doi.org/10.1016/j.envsci.2015.03.002. As pesquisas do autor são financiadas por: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (processos nº305880/2007-1, nº304020/2010-9, nº573810/2008-7, nº575853/2008-5), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) (processo nº 708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ13.03).

A fotografia deste artigo mostra a barragem de Belo Monte (Foto: Regina Santos/Norte Energia)

Leia os artigos da série: Hidrelétricas e o IPCC 

Hidrelétricas e o IPCC: 2 – Barragens nos relatórios e diretrizes 

Hidrelétricas e o IPCC: 3 – Escolha enviesada de literatura 

Hidrelétricas e o IPCC: 4 – Barragens tropicais emitem mais 

Hidrelétricas e o IPCC: 5 – Emissões de gases nos inventários nacionais 

Hidrelétricas e o IPCC: 6 – As diretrizes de 2006

Hidrelétricas e o IPCC: 7 – Reservatórios como “áreas úmidas” 

Hidrelétricas e o IPCC: 8 – Turbinas e árvores mortas ignoradas

Hidrelétricas e o IPCC: 9 – Contagem incompleta a jusante

  

Philip M. Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis neste link

VER MAIS EM: http://amazoniareal.com.br/2017/03/ 

http://amazoniareal.com.br/hidreletricas-e-o-ipcc-10-concentracoes-subestimadas-de-metano/ 

 

 

 

Hidrelétricas e o IPCC: 10 – Concentrações subestimadas de metano