A ascensão de líderes políticos mundiais com visões contrárias às mudanças climáticas como resultado da ação humana preocupa os cientistas que participaram do debate Mudança Climática e seu Impacto sobre as Populações Tradicionais da Amazônia. O que esperar?, realizado na semana passada pela Amazônia Real no Instituto Cultural Brasil – Estados Unidos (ICBEU), em Manaus. Desde sua campanha em 2016, o novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, promete retirar o país dos principais acordos para reduzir as emissões dos gases do efeito estufa.
No Brasil o alerta vermelho também foi acionado ante o crescimento dos índices de desmatamento na Amazônia desde 2015, e a posse do presidente Michel Temer (PMDB), cuja tendência é seguir a agenda conservadora de seus apoiadores, que inclui grandes produtores rurais interessados em expandir seus negócios – tendo a floresta e as terras protegidas como um de seus principais alvos – e a pouca atenção à agenda ambiental e proteção do ecossistema e dos povos indígenas.
Para os cientistas, não restam dúvidas de que os compromissos firmados entre os países nos últimos encontros do clima da ONU (Organizações das Nações Unidas) para reduzir a emissão de gases poluentes, em especial o Acordo de Paris, estão sob ameaça com a posse de Donald Trump na Casa Branca.
A indicação feita por Trump dos novos chefes das agências e órgãos que tratam da questão ambiental e energética sinalizam sua intenção de desfazer as políticas deixadas por Barack Obama nestes dois segmentos.
“Com a indicação do Scott Pruitt, um cético convicto sobre a influência humana sobre clima, como chefe da Agência de Proteção Ambiental (EPA) do governo federal dos EUA, o presidente Trump sinaliza que não vai apoiar os acordos feitos. Ao contrário, pretende desfazer os acordos”, diz Foster Brown, que é doutor em ciências geológicas pela Universidade de Northwestern (EUA), professor e pesquisador da Universidade Federal do Acre e do Woods Hole Research Center.
Philip Fearnside avalia que a ocupação das chefias de órgãos importantes para este tema por pessoas que sempre se posicionaram contrárias às mudanças do clima como resultado da ação do homem coloca em risco avanços obtidos na última década.
“A posição do governo Trump sobre mudanças climáticas é um desastre para o mundo, incluindo tanto o Brasil como os Estados Unidos”, diz Fearnside, que é norte-americano de Berkeley, na Califórnia, mora na Amazônia há mais de 40 anos. É pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e um dos cientistas ganhadores do Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007.
Para o Brasil, na avaliação dos cientistas, as projeções também não são as melhores com o governo Temer. Os dados mais recentes sobre o aumento do avanço do desmatamento da Amazônia, o principal bioma do país, desde 2015 representam um retrocesso na luta pela proteção da floresta.
A desestruturação dos órgãos responsáveis por fiscalizar e combater o desmatamento contribui para este crescimento da devastação da Amazônia. Somado a isso, diz Philip Fearnside, há os projetos estatais de “desenvolvimento” – como a retomada das obras na BR-319, que liga Porto Velho (RO) a Manaus (AM) – que podem contribuir para ampliar a abrangência do “arco do desmatamento” a regiões hoje intocadas.
“Sempre existe a possibilidade de retrocesso, também de avanço, dependendo de vários fatores. O aumento de desmatamento registrado pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), porém, no período de agosto de 2015 a julho de 2016 é preocupante e pode sinalizar um período mais extenso de aceleração de desmatamento”, pondera Foster Brown.
Para a Amazônia os cientistas projetam o prolongamento dos períodos chuvoso e de estiagem – fenômenos já vivenciados atualmente pela população local.
“Já se observa um prolongamento do período de seca na parte sul da Amazônia. Expansão deste período cria mais estresse hídrico nos ecossistemas Amazônicos. A previsão baseada em modelos de circulação atmosférica indica que esta tendência de secas prolongadas pode crescer. Também há indicações de que o ciclo hidrológico global esteja se intensificando, sugerindo que chuvas vão ficar mais fortes também. Em outras palavras, a Amazônia do futuro pode ser significativamente diferente do que a Amazônia do passado”, ressalta o norte-americano Foster Brown.
Para o cientista Paulo Moutinho, doutor em ecologia, cofundador e pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) em Brasília, é bastante preocupante a posição do presidente Donald Trump, que promete não cumprir os acordos feitos por Barack Obama para redução das emissões dos gases do efeito estufa dos EUA.
“Não se trata apenas de reduzir recursos para a questão do clima, mas um posicionamento de descrédito do governo e pessoal do presidente quanto ao assunto. Isto passa um sinal de que a maior economia do mundo e a que mais emite gases de efeito estufa não está nem aí para o problema. Algo que dá margem para que outros governos, ou setores deste governo, incluindo o nosso aqui no Brasil, afrouxem ações de combate à mudança do clima”, disse.
Paulo Moutinho, lembra que o governo de George Bush também questionou fortemente a existência do papel do homem no agravamento da mudança do clima e encomendou da Academia Americana de Ciência um estudo científico para tentar responder à questão.
“A resposta deste estudo foi a confirmação do que os mais de 2000 cientistas do mundo agregados no IPCC vêm afirmando há vários anos. Cabe lembrar que decisões definitivas do governo americano quanto ao tema ainda não foram tomadas. A ciência e o posicionamento da sociedade americana e mundial têm um papel fundamental em convencer a administração Trump que, pelo menos, debate o assunto sob a luz das informações disponíveis e não em bases políticas apenas. Neste sentido, os estudo na região amazônica sobre clima e o papel daqueles que protegem florestas pode ajudar bastante neste debate”, disse
Leia outras perguntas feitas pela reportagem a Paulo Moutinho, que é também cientista associado ao The Woods Hole Research Center, nos EUA.
Amazônia Real – E no Brasil, com o governo mais à direita de Michel Temer, como o senhor avalia que as políticas para mitigar nossa contribuição no aquecimento global serão executadas, em especial o combate ao desmatamento na Amazônia? O senhor enxerga alguma perspectiva de retrocesso neste setor até o fim do governo Temer?
Moutinho – O Brasil só conseguirá fazer contribuições efetivas para a região e para o mundo, quanto à mitigação dos efeitos da mudança do clima, se o desmatamento de florestas nativas for definitivamente interrompido. E muito antes de 2030, ano que o governo estabeleceu para pôr fim ao desmatamento ilegal. É preciso entender que a continuidade do desmatamento poderá acelerar as mudanças regionais no clima, inclusive afetando a produção agropecuária do país. Todo o ataque que hoje é feito dentro do congresso nacional, muitas vezes com apoio da bancada do governo, à conservação florestal, à proteção de direitos daqueles que vivem da e na floresta, ou a redução de áreas protegidas, poderá resultar em um belo tiro no pé. Afinal a proteção de florestas e dos povos que as mantém prestam um serviço inestimável para o país e, em especial para o agronegócio. Conservar a floresta e utilizá-la de maneira sustentável é conservar um grande regador de parte importante da agricultura e pecuária do país.
Amazônia Real – Como a Amazônia pode ser impactada?
Moutinho – O impacto do desmatamento na Amazônia e, em alguma medida, combinado com os efeitos da mudança do clima global, poderá impactar o serviço de irrigação da região mantido pelas florestas da região. Por exemplo, florestas preservadas em áreas indígenas e de comunidades tradicionais representam uma grande bomba de água que mantém o regime de chuvas e abastece a agricultura. Sem florestas ou com a continuidade do desmatamento, a temperatura sobe e a chuva diminui. É mais ou menos o que está acontecendo na região do Xingu no Mato Grosso. De 2000 a 2010, por conta do desmatamento naquela região, a temperatura já aumentou mais de meio grau. Parece pouco, mas já é suficiente para, potencialmente, alterar o clima regional. Nas áreas sem florestas da bacia do Xingu a temperatura é 4-6 graus mais alta do que naquelas ainda com florestas. O cenário de quebra de safra de milho e soja que houve em 2015 e 2016, caso continue a devastação, pode ser algo comum no futuro e comprometer a produção de alimento e colocar em riscos particularmente aqueles povos, indígenas e tradicionais, que nos prestam o serviço inestimável de manter o clima funcionando. Neste sentido, manter a floresta em pé e valorizar o direito de povos indígenas e tradicionais na Amazônia não só é mais do que necessário, legítimo, digno e urgente. É também fundamental para a continuidade das atividades econômicas na região e fora dela no futuro de um mundo aquecido.
Amazônia Real – Quais as perspectivas a sociedade pode vir a ter caso os principais poluidores do mundo – e os países como um todo – venham a abrir mão de suas políticas de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas?
Moutinho – A perspectiva será não ter perspectivas. Os modelos climáticos do IPCC indicam alterações sérias no clima do planeta caso não se faça nada. Obviamente, como em qualquer cenário catastrófico, a corda se romperá do lado mais fraco. Aqueles com pouca capacidade de reagir e se adaptar sucumbirão, sejam eles comunidades, cidades ou países inteiros. O modelo atual de uso de recursos do planeta continua concentrando renda e terras na mão de poucos, sem uma preocupação com a capacidade de renovação destes recursos, algo que agrava ainda mais a capacidade de reação à situação. Precisamos mudar nossas escolhas como sociedade para o futuro. Caso contrário, o planeta perderá o seu “habite-se”.
O cientista Foster Brown é professor e pesquisador da Universidade Federal do Acre e do Woods Hole Research Center.
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http://amazoniareal.com.br/2017/03/
NOTA
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