Neste 21 de março comemora-se o Dia Internacional das Florestas, e, um dia após, o Dia Mundial da Água (22). Estas datas foram criadas pela Organização das Nações Unidas (ONU), em seu papel de zelar pela segurança, direitos humanos e paz mundial. Como toda data comemorativa, é um dia para celebrar, mas, especialmente, para conscientizar e destacar a importância do objeto comemorado. 

Muito provavelmente, não seja uma coincidência que o dia das florestas e da água sejam comemorados seguidamente. A relação entre estes dois elementos é vital e inseparável. E esse será exatamente o tema que trato aqui: a intrincada conexão entre florestas e água, e, especialmente, o nosso papel de cidadãos como seus guardiães.

Neste texto, baseio-me nos resultados das mais recentes pesquisas científicas sobre o tema, parte importante delas produzidas pela Embrapa Amazônia Oriental e parceiros, em particular pelos pesquisadores do Núcleo de Meio Ambiente, Florestas e Desenvolvimento Territorial (Mafort).

A Amazônia é uma região repleta de superlativos, como é familiar a todos. A bacia do rio Amazonas é a maior do mundo, por ela passa um quinto da água doce do planeta. E não para por aí. A floresta amazônica corresponde ao maior bloco de floresta tropical contínua do mundo com seus mais de 5 milhões de km2. E só para completar, seus ecossistemas contribuem com a maior biodiversidade do planeta, responsável por cerca de um quarto da biodiversidade global.

Somente em relação às plantas, estima-se que existam cerca de 16 mil espécies na Amazônia (1). Digo estima-se porque o total não é ao menos conhecido ao certo, tamanha a sua grandiosidade. Para ilustrar um pouco mais, na Amazônia Oriental, encontraram-se 50 espécies de peixes em um único trecho de 150 m de curso d´água de pequeno porte, os chamados igarapés, como são conhecidos aqui na região. Pasmem, este número é o que se encontra em países inteiros como Noruega e Dinamarca (2)

É comum ouvirmos estes predicados majestosos com frequência em se tratando de Amazônia, não é verdade? E com frequência tal, a ponto de provavelmente induzir à banalização e até pouca reflexão sobre seu significado e possíveis implicações. Mas, há muitas descobertas que ultrapassam pouco os círculos dos cientistas e é exatamente sobre estes achados que eu gostaria de focar aqui.

Para começar, é importante falar que existe um debate de que as florestas da Amazônia sofrem risco de colapso e morte (em inglês, se fala em Amazon dieback, die=morte, back= retrocesso), caso secas severas continuem aumentando neste século (3). Indo além, existe a probabilidade de testemunharmos uma espécie de espiral de destruição, no qual mais secas levarão a menos florestas que levarão a mais secas e então, menos florestas, e assim sucessivamente (4)

Alguns ainda duvidam das mudanças climáticas, apesar do acúmulo crescente de evidências científicas. Mas, a realidade é que as estações secas estão cada vez mais secas e as estações chuvosas cada vez mais chuvosas. Pesquisas em Rondônia demonstraram que os desmatamentos diminuíram a quantidade de nuvens e chuvas à montante da direção dos ventos (5). Por outro lado, é unânime o reconhecimento da importância da água, seja para o consumo humano ou para irrigação das culturas, dentre uma multitude de outros usos. Então, garantir a água nossa de cada dia requer, entre outros, o cuidado com as florestas. E vamos entender aqui, de forma breve, o porquê. 

A ciência vem revelando uma intrínseca relação entre florestas e água na Amazônia, sobre a qual todos devemos e merecemos estar conscientes. A principal é que as florestas promovem uma verdadeira reciclagem das chuvas. Este fenômeno não é uma novidade, foi antecipado há mais de três décadas atrás, mas apenas recentemente vem sendo detalhado e enfatizado. 

Um estudo acaba de demonstrar que as florestas retornaram 37% dos 2300mm de chuva que caiu em 2013 na Amazônia Central (6). A transpiração das plantas foi responsável por lançar cerca de 850mm da água da chuva para a atmosfera. As árvores mais altas da floresta tiveram um papel preponderante, aquelas que emergem nas copas, atingindo 30m de altura ou mais, muitas vezes conhecidas como “rainhas da floresta”. Estes tipos de árvore foram responsáveis por 70% do fluxo de água transpirado, o que correspondeu a pouco mais de um quinto da chuva anual que voltou para a atmosfera. 

As grandes árvores são verdadeiras “bombas de água” que puxam a água desde as camadas mais profundas do solo e a transportam até a atmosfera. Acontece que as secas afetam justamente o mecanismo de transporte de água ao longo da planta, especialmente das árvores maiores. Isto foi demonstrado em um experimento, na região de Caxiuanã, na Amazônia Oriental, no qual uma área de floresta foi coberta há mais de uma década para acompanhar os efeitos da falta de água sobre a floresta (7)

Os impactos das florestas sobre as chuvas vão muito além da esfera local. As chuvas em grande parte da América do Sul dependem do fluxo de umidade que atravessa a Bacia Amazônica, saindo do Oceano Atlântico até os Andes, voltando em direção do sul. Um estudo recente avaliou (8), por meio de modelos, os impactos dos desmatamentos sobre esse fluxo de umidade. Concluiu-se que uma redução de 30 a 50% nas florestas seria capaz de causar redução de 40% das chuvas sobre as áreas de florestas remanescentes.

O mais preocupante é que os efeitos das secas não vêm sozinhos, eles são ampliados e retroalimentados pelas queimadas, exploração predatória de madeira e fragmentação das florestas. Trata-se da “espiral da destruição” que mencionei acima. Então, a questão é que todos estes distúrbios se somam para exercer um papel, proporcionalmente em termos de área, tão devastador quanto o desmatamento para a biodiversidade das florestas (9), assim como um impacto considerável sobre os grandes ciclos biogeoquímicos, como é o caso da água.

Tomadas em conjunto, todas as evidências científicas aqui apresentadas convergem para a imensa responsabilidade que temos em cuidar das florestas, dos seres que a habitam e em zelar pelas fontes de água. A responsabilidade é imensa para os habitantes da Amazônia, em particular, consideradas as riquezas e singularidades existentes nessa região sob nosso domínio.

Há quem pondere que as florestas da Amazônia já foram manejadas pelas civilizações indígenas antigas. As evidências para tal consistem no rastro da distribuição atual de plantas potencialmente domesticadas nestas florestas, como a pupunha e o açaí(10). Entretanto, essas evidências não podem ser usadas como justificativa para o uso indiscriminado das florestas. Todos os efeitos combinados de secas, distúrbios e desmatamentos atualmente, além do ritmo de devastação acelerado e das estratégias de manejo da sociedade moderna, certamente têm um potencial infinitas vezes mais devastador hoje em comparação ao passado.

A agricultura e a pecuária necessitam das chuvas, portanto, das florestas, para se manterem produtivas e viáveis; a produção de madeira pressupõe florestas resilientes, ou seja, capazes de crescer e se sustentar (11). Assim, cuidar das florestas torna-se uma prioridade de todos, em particular daqueles que praticam manejo florestal ou que tiram seu sustento da terra.

A ciência tem um papel fundamental em informar a tomada de decisão, especificamente sobre os custos e benefícios das ações para a sociedade. As pesquisas têm avançado rapidamente e vêm informando(12) sobre a urgência necessária em adotar técnicas de manejo com mínimo impacto, boas práticas agropecuárias e sobretudo garantir a conservação das florestas e das águas, em nome do bem-estar coletivo presente e futuro. Esse deve ser um pacto renovado entre todos nós a cada dia, e em especial no dia mundial da água e das florestas. 

Joice Ferreira*

*Pesquisadora e coordenadora do Núcleo Florestas, Meio Ambiente e Ordenamento Territorial (Mafort) da Embrapa Amazônia Oriental

Referências:

1. Ter Steege, H., Pitman, N. C., Sabatier, D., Baraloto, C., Salomão, R. P., Guevara, J. E., … Ruschel, A. ….& Monteagudo, A. (2013). Hyperdominance in the Amazonian tree flora. Science, 342(6156), 1243092.http://science.sciencemag.org/content/342/6156/1243092

2. Leal, C. G., Pompeu, P. S., Gardner, T. A., Leitão, R. P., Hughes, R. M., Kaufmann, P. R., … & Mac Nally, R., Ferreira, J, Barlow, J. (2016). Multi-scale assessment of human-induced changes to Amazonian instream habitats. Landscape Ecology, 31(8), 1725-174 http://link.springer.com/article/10.1007/s10980-016-0358-x

3. Malhi, Y., Aragão, L. E., Galbraith, D., Huntingford, C., Fisher, R., Zelazowski, P., … & Meir, P. (2009). Exploring the likelihood and mechanism of a climate-change-induced dieback of the Amazon rainforest. Proceedings of the National Academy of Sciences, 106(49), 20610-20615. http://www.pnas.org/content/106/49/20610.full

4. Zemp, D. C., Schleussner, C. F., Barbosa, H. M., Hirota, M., Montade, V., Sampaio, G., … & Rammig, A. (2017). Self-amplified Amazon forest loss due to vegetation-atmosphere feedbacks. Nature Communications, 8, 14681.
http://www.nature.com/articles/ncomms14681?WT.ec_id=NCOMMS-20170315&spMailingID=53627908&spUserID=MTg4NDQ1ODI0OTAxS0&spJobID=1122548494&spReportId=MTEyMjU0ODQ5NAS2

5. Khanna, J., Medvigy, D., Fueglistaler, S., & Walko, R. (2017). Regional dry-season climate changes due to three decades of Amazonian deforestation. Nature Climate Change. http://www.nature.com/nclimate/journal/v7/n3/full/nclimate3226.html

6. Kunert, N., Aparecido, L. M. T., Wolff, S., Higuchi, N., dos Santos, J., de Araujo, A. C., & Trumbore, S. (2017). A revised hydrological model for the Central Amazon: The importance of emergent canopy trees in the forest water budget. Agricultural and Forest Meteorology, 239, 47-57.
http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0168192317300825

7. Rowland, L., da Costa, A. C. L., Galbraith, D. R., Oliveira, R. S., Binks, O. J., Oliveira, A. A. R., … &…Vasconcelos, S. Ferreira, L. V. (2015). Death from drought in tropical forests is triggered by hydraulics not carbon starvation. Nature, 528(7580), 119-122.
http://www.nature.com/nature/journal/v528/n7580/abs/nature15539.html

8. Boers, N., Marwan, N., Barbosa, H.M. J., & Kurths, J. (2017) A deforestation-induced tipping point for the South American monsoon system. Sci. Rep. 7, 41489; doi: 10.1038/srep41489.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5264177/

9. Barlow, J., Lennox, G. D., Ferreira, J., Berenguer, E., Lees, A. C., Mac Nally, R., … & Parry, L.,…, Oliveira-Junior, R.C.,…Venturieri, A., Gardner, T. (2016). Anthropogenic disturbance in tropical forests can double biodiversity loss from deforestation. Nature, 535(7610), 144-147.
http://www.nature.com/nature/journal/v535/n7610/abs/nature18326.html

10. Levis, C., Costa, F. R., Bongers, F., Peña-Claros, M., Clement, C. R., Junqueira, A. B., … & Castilho, C. V. (2017). Persistent effects of pre-Columbian plant domestication on Amazonian forest composition. Science, 355(6328), 925-931.
http://science.sciencemag.org/content/355/6328/925

11. Rutishauser, E., Hérault, B., Baraloto, C., Blanc, L., Descroix, L., Sotta, E. D., Kanashiro, M., Ferreira, J., Mazzei, L…. Ruschel, A…. & de Oliveira, L. C. (2015). Rapid tree carbon stock recovery in managed Amazonian forests. Current Biology, 25(18), R787-R788.
http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0960982215008684

12. Ferreira, J., Pardini, R., Metzger, J. P., Fonseca, C. R., Pompeu, P. S., Sparovek, G., & Louzada, J. (2012). Towards environmentally sustainable agriculture in Brazil: challenges and opportunities for applied ecological research. Journal of Applied Ecology, 49(3), 535-541.
http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1365-2664.2012.02145.x/full

 

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