Grileiros vendem lotes por R$ 20 mil, transitam com armas e desmatam o território indígena. 

Indígenas Uru-Eu-Wau-Wau prendem invasores dentro da floresta. Foto Kanindé

Alvo da pressão das frentes de exploração ilegal de madeira no sul de Rondônia, a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau está invadida por ao menos 5.000 pessoas, responsáveis pela intensificação nos últimos quatro meses dos desmatamentos, garimpos e da pesca predatória dentro do território dos índios autodenominados Jupaú, os que usam jenipapo.

De acordo com relatos de defensores da questão indígena, que acompanham a situação, a invasão começou quando grileiros (pessoas que tomam posse de terras ilegalmente) abriram lotes de 100 hectares dentro da reserva indígena e passaram a comercializar por até R$ 20 mil com os invasores.

Áreas de floresta intactas, antes protegidas pelos índios Uru-Eu-Wau-Wau, estão sendo desmatadas e transformadas em cultivos de milho e soja, ou virando pasto para gado com apoio e financiamento de fazendeiros e políticos locais.

Com medo de confrontos, já que muitos dos invasores usam armas de fogo, os índios evitam se aproximar dos lotes abertos dentro da reserva, alguns distantes apenas 20 km das aldeias. Mas é constante o risco de conflitos. 

O cacique Djurip Uru-eu-wau-wau é presidente da Associação Jupaú, que representa as seis aldeias dentro do território tradicional: Alto Jamari, Limão, Aldeia Nova, Alto Jaru, Linha 621 e Linha 623. Em entrevista à Amazônia Real, ele disse que as lideranças denunciaram no mês de janeiro deste ano a invasão do território na Superintendência da Polícia Federal, mas o órgão que é responsável por fiscalizar e garantir a integridade das terras indígenas não agiu ainda no sentido de expulsar os invasores da reserva.

“Tem grileiro invadindo nossas terras. Estão demarcando com estacas, retiram a madeira e depois arrendam as terras. Estamos precisando de ajuda. Já procuramos o Ministério Público Federal, a Polícia Federal e Fundação Nacional do Índio mas ninguém procura resolver o problema”, afirma Djurip Uru-eu-wau-wau.

 

A reportagem teve acesso a uma carta circular enviada no dia 8 de dezembro pela Associação Jupaú ao Ministério Público Federal em Porto Velho. Nela, são relatados os problemas ocasionados pela ação dos invasores, intensificada desde o mês de outubro de 2016.

Os índios afirmam que espécies de árvores protegidas por lei como a castanheira e a itaúba são derrubadas e retiradas. “Os invasores usam motos para chegar até o local, mas sempre retornam para a cidade de Monte Negro após as práticas ilícitas na floresta”, diz trecho da carta.

O documento informa que pelo menos 100 km de ramais (estradas vicinais) foram abertos dentro do território indígena, com o principal acampamento dos invasores estando a pouco mais de 20 km da aldeia Alto Jamari. “Também há boatos da existência de um garimpo ilegal nas proximidades, além da movimentação de caminhões de madeira e tratores na área.”

Segundo os Uru-Eu, além da invasão das terras e exploração ilegal de madeira, entram na reserva caçadores e pescadores. Estes aproveitam a fartura de peixes de rios e igarapés dentro do território para praticar a pesca comercial.

Homologada em 1991 pelo ex-presidente Fernando Collor, a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau tem 1.867.117 hectares e abrange 12 municípios. É sobreposta ao Parque Nacional de Pacaás Novos, a maior unidade de conversação de Rondônia.

Levantamento realizado em 2014 pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) identificou 209 índios Uru-Eu-Wau-Wau vivendo no território tradicional, que abriga também os povos Amondawa e os Oro Win. Ainda há referências sobre a presença de índios não-contactados. Os Japaú falam a língua Tupi-Kawahib. 

Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), três grupos isolados já foram identificados no território Uru-Eu, entre eles os Yvyraparakwara e os Jururcy. 

Desmatamento agrário

A Terra Uru Eu Wau Wau tem árvores centenárias da floresta amazônica (Foto: Mário Vilela/Funai)

Como a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau está localizada numa das regiões de maior influência do agronegócio de Rondônia, após a exploração das espécies de árvores protegidas os invasores desmatam e usam o fogo para limpeza do terreno na reserva. Depois plantam milho, soja ou preparam o pasto para a entrada do gado.

 “Obtivemos informações de que há pessoas plantando milho dentro da terra indígena. A coisa já está bem avançada. Os índios estão preocupados com essa situação”, afirma Vicente Ferreira, técnico indigenista da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, que tem atuação com as populações indígenas de Rondônia.

Segundo Vicente Ferreira, as invasões são observadas desde 2014, mas em 2016 houve uma intensificação. “Agora a coisa está mais escancarada. Agravou-se uma coisa que era ruim diante da inoperância do Estado. Há tempos os índios vêm denunciando a situação e o Estado não toma providências”, diz o técnico da Associação Kanindé.

Vicente Ferreira diz que ainda não existe relatos de confrontos entre invasores e indígenas, até porque os próprios índios evitam contato.

“Por enquanto não há registro de mortes, de conflito armado. Mas há a situação de a qualquer momento ocorrer um encontro entre invasores e índios, e aí pode acontecer alguma coisa”, afirma ele.

A grande ameaça é para o grupo de índios isolados. Por conta do não contato e a não convivência com o homem branco, eles acabam por ficar mais suscetíveis à contaminação por doenças.

“Há várias referências da existência de índios não-contactados dentro da [terra] Uru-eu-wau-wau. Eles correm risco porque não têm contato nem com os não-índios e tampouco com os próprios uru-eu-wau-wau”, avalia Vicente Ferreira.

 

Ele diz que a destruição da floresta dentro da terra indígena ocasionará danos não somente para as populações indígenas, mas como também para as populações das 12 cidades, que ficam no entorno da reserva: Alvorada D’Oeste, Cacaulândia, Campo Novo de Rondônia, Costa Marques, Governador Jorge Teixeira, Guajara-Mirim, Jaru, Mirante da Serra, Monte Negro, Nova Mamoré, São Miguel do Guapore e Seringueiras. “São 23 nascentes de grandes rios de Rondônia dentro da terra indígena. Há as referências da existência de índios isolados e nós temos um parque nacional sobreposto à TI.” A unidade de conservação é o Parque Nacional de Pacaás Novos.  

Insegurança e homens armados

Imagem aérea da devastação provocada no território dos Uru Eu Wau Wau (Foto:Kanindé)

Amazônia Real apurou junto aos comerciantes da cidade de Governador Jorge Teixeira, em Rondônia, que nos lotes de terras abertos ilegalmente na reserva dos índios Uru-Eu-Wau-Wau há posseiros usando arma de fogo, o que trouxe um clima de insegurança para o território indígena. A estratégia dos invasores, segundo os comerciantes, é ocupar os lotes por um tempo, realizar alguma benfeitoria, e depois revender, criando um comércio clandestino no território dos Jupaú. 

A agência Amazônia Real procurou o Ministério Público Federal em Rondônia para que o órgão falasse sobre as providências tomadas para expulsar os invasores da TI Uru-Eu-Wau-Wau. Por meio da assessoria de imprensa, o procurador da questão indígena Daniel Lobo disse que já tinha conhecimento da situação, mas que não poderia prestar mais informações pois o caso está sob sigilo.  

A Funai também foi procurada para comentar o assunto, mas não respondeu às solicitações de entrevista da reportagem, assim como a assessoria de imprensa da Superintendência da Polícia Federal em Rondônia. 

A Terra Indígena Uru Eu Wau Wau é demarcada (Foto: Mário Vilela/Funai)

 

FONTE:  http://amazoniareal.com.br/   

http://amazoniareal.com.br/tem-grileiro-invadindo-nossas-terras-denunciam-indios-uru-eu-wau-wau-em-rondonia/