Mais de 450 imensos marcos foram descobertos no Acre, no norte do Brasil, revelando os últimos vestígios de uso da terra de sociedades antigas, antes que a folhagem densa da floresta amazônica os ocultasse séculos atrás. Por enquanto, ninguém sabe exatamente para que os locais misteriosos eram usados. 

No entanto, um novo estudo sugere que esse “Stonehenge” da Amazônia são evidências de sociedades indígenas habitualmente alterando a paisagem amazônica por centenas de anos antes da chegada dos europeus nas Américas.

Os nativos e a floresta

Os marcos, chamados de geoglifos, cobrem aproximadamente 13 mil quilômetros quadrados e começaram a aparecer na década de 80 no Acre, uma vez que áreas de floresta do estado foram devastadas para fins agrícolas.

“O fato de que esses locais ficaram escondidos por séculos sob floresta madura realmente desafia a ideia de que as florestas amazônicas são ecossistemas imaculados”, disse a arqueóloga Jennifer Watling, da Universidade de São Paulo.

Watling e sua equipe analisaram amostras de solo retiradas de dois desses locais, a fim de reconstruir cerca de 6.000 anos de história da floresta ao redor dos marcos.

Ao analisar fósseis microscópicos de plantas chamados fitolitos no solo, os cientistas puderam estimar a extensão histórica da vegetação antiga. Já os níveis de carvão vegetal indicaram o histórico de desmatamento por meio da queima da floresta.

As primeiras alterações de paisagem

As amostras mostraram que a floresta era dominada por bambu há pelo menos 6.000 anos. As leituras de carvão vegetal revelaram que os seres humanos se mudaram para a área em torno de 4.000 anos atrás – nesse ponto, as palmeiras começaram a aparecer em maior número.

O pico da queima de florestas para limpar terras ocorreu entre cerca de 2.300 e 1.400 anos atrás – época na qual as primeiras terraplanagens foram feitas. Trincheiras parecem ter sido escavadas em vários momentos entre os séculos I e XV, com valas de até 11 metros de largura e 4 metros de profundidade.

Embora a forma e a extensão desses locais já tivessem sido determinadas por meio de observações aéreas, os pesquisadores nunca entenderam o propósito original desses marcos.

 

Stonehenge amazônico

É improvável que os locais tenham sido aldeias, uma vez que a escavação não apresenta quantidades significativas de artefatos culturais. O layout também sugere que os sítios não foram construídos por razões defensivas.

Em vez disso, a análise do solo sugere que as áreas foram usadas para encontros rituais de algum tipo, e podem ter sido visitadas esporadicamente pelas sociedades da época.

“É interessante notar que o formato dos geoglifos, com uma vala externa e recinto de parede interna, são o que classicamente descrevem sítios ritualísticos como o Stonehenge”, explicou Watling.

Não se engane: os índios não desmatavam a Amazônia

Enquanto os antigos moradores das florestas que cavaram as valas podem ter usado fogo para limpar as florestas, os pesquisadores sugerem que eles não queimaram despreocupadamente grandes extensões de vegetação – mas sim seletivamente limparam pequenas parcelas de terra.

A finalidade era provavelmente criar espaços e mercados comuns onde colheitas valiosas como palmas eram negociadas, além de outros produtos rendidos pela floresta.

“Apesar do enorme número e densidade de geoglifos na região, podemos estar certos de que as florestas do Acre nunca foram devastadas tão extensamente, ou durante tanto tempo, como foram nos últimos anos”, Watling afirmou em um comunicado à imprensa.

Os pesquisadores acham que esses mercados eram temporários, com grama e árvores recuperando rapidamente seções queimadas de floresta tropical uma vez que as pessoas se mudavam.

Temos que aprender com eles

Se a hipótese estiver correta, é mais um forte contraste com o desmatamento desenfreado e nocivo que tem ocorrido na Amazônia em tempos mais recentes – quase 20% da floresta brasileira desapareceu em pouco mais de quatro décadas.

Embora as descobertas sugiram que o desmatamento na Amazônia é algo que os seres humanos têm feito há milênios, também mostram que alterar espaços verdes para o ganho humano não precisa ser um processo nocivo ou permanente, se for feito com cuidado.

Nesse sentido, os pesquisadores esperam que seu estudo sirva como um exemplo para melhor administrar e cuidar da floresta tropical hoje.

“Nossa evidência de que as florestas amazônicas têm sido administradas por povos indígenas muito antes do contato europeu não deve ser citada como justificativa para o uso de terra destrutivo e insustentável praticado hoje. Deve servir para destacar a engenhosidade de regimes de subsistência passados que não levaram à degradação florestal e a importância do conhecimento indígena para encontrar alternativas mais sustentáveis de uso da terra”, resumiu a pesquisadora.

Fonte: HypeScience

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