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No Brasil, os pobres, os indígenas, grupos em risco social, nunca tiveram direito a própria imagem ou a privacidade. Daí as milhares de fotografias, registros invasivos feitos em aldeias, periferias, nas ruas, que circulam de forma indiscriminada. Primeiro aperte o botão! Porque o que lhes é negado, a esse “outro” social, é justamente sua autonomia e subjetividade, gerir sua vida, logo gerir suas imagens.

As fotos feitas por Ricardo Stuckert, em um sobrevoo com avistamento de uma tribo indígena isolada no Acre, reencenam esse impasse sobre a ética das imagens em um mundo que produz uma “inclusão” visual e over exposição que não asseguram direitos, mas sem o quê questões decisivas permanecem invisíveis.

A Funai protestou e considerou as fotografias de Stuckert, feitas por acaso, mas publicadas e viralizadas em todas as mídias, “invasivas” e um “contato” forçado e sem preparação com a tribo.

A política da Funai é fazer contato somente nos casos em que a sobrevivência do grupo está em risco ou quando as tribos isoladas decidirem.

Mas de quem os indígenas estão isolados? Os novos contatos e avistamentos se intensificam porque as terras indígenas estão sendo comprimidas pelo desmatamento, pressão de madeireiros, mineradoras, prospecção de petróleo, tráfico de drogas, missionários.

Ou seja, o “isolamento” é uma abstração da Funai e os próprios indígenas são forçados a “fazer contato” em situações críticas, provocadas pelos brancos.

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Obviamente é preciso ter protocolos para um contato os grupos, pois nossa presença entre eles pode ser fatal, matando por contágio, vírus, açúcar, álcool. Nós somos a “doença”! As fotografias de Stuckert não matam.

A questão é que a Funai, o Ministério da Justiça, as corporações, os crentes no “progresso” são parte do problema dessa infinita remediação de um campo que sofre retrocessos terríveis. Neste momento Michel Temer ameaça colocar fim à demarcação das terras indígenas e mudar os atuais procedimentos por meio de um decreto desastroso.

Como lidar com a esquizofrenia dos que enxergam os índios como “commodities” de uma diversidade cultural brasileira exuberante, uma espécie de “reserva de humanidade”, mas destroem a base material dessa cultura que são suas terras?

Stuckert, o fotógrafo, e todos dentro do avião estavam, evidentemente, em relação desigual de poder diante de um grupo indígena avistado graças ao avião e a uma lente potente. Ninguém veria os índios não fosse a própria teleobjetiva. A tribo responde com flechas na direção da aeronave. Obviamente é um contato indesejado! Deveriam simplesmente seguir o voo sem nada registrar?

Essas fotos provam a brutalidade dos contatos, mas provam também que existe uma humanidade possível que rivaliza com o mundo em que vivemos. E que não podemos negar aos indígenas sua contemporaneidade, o direito de existir no presente.

IVANA BENTES é professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFRJ

Fonte: Folha de São Paulo

 

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