Escola enfrenta críticas de parte do agronegócio por homenagear povos do Xingu; para carnavalesco, ameaças aos índios são parte importante da história brasileira.

Fantasia de fazendeiro que gerou polêmica entre o agronegócio

“O índio luta pela sua terra, da Imperatriz vem o seu grito de guerra! Salve o verde do Xingu”, diz o samba-enredo da Imperatriz Leopoldinense, preparado para o Carnaval deste ano no Rio de Janeiro.

O tema “Xingu, o clamor que vem da floresta” foi criado pelo carnavalesco Cahê Rodrigues, 40, que trabalha há 5 anos com a escola, com o intuito de homenagear os indígenas da região e sua luta pela preservação da floresta e de sua cultura.

A música também critica o extrativismo insustentável, a hidrelétrica de Belo Monte e agradece aos irmãos Villas-Bôas, enquanto as alas mostram a exuberância da cultura indígena e os males que os afetam, como desmatamento, uso agressivo de agrotóxicos, queimadas e poluição.

Uma das fantasias, em especial, desagradou parte do setor do agronegócio.

Ela mostra um fazendeiro, com um símbolo de caveira no peito, a pulverizar agrotóxicos. Em nota de repúdio, a Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ) afirmou ser “inaceitável que a maior festa popular brasileira, que tem a admiração e o respeito da nossa classe, seja palco para um show de sensacionalismo e ataques infundados pela Escola Imperatriz Leopoldinense”. No dia seguinte, a Associação Brasileira dos Criadores de Girolando também se manifestou contra a Leopoldinense.

Embora a fantasia não seja uma crítica direta ao agronegócio, nem generalize o setor, é fato que o Brasil precisa rever suas políticas sobre agrotóxicos.

Mais da metade das substâncias usadas aqui é proibida em países da União Europeia e nos EUA, e os agrotóxicos atingem 70% dos alimentos, segundo um dossiê da Associação Brasileira de Saúde Coletiva. Em um ano, um brasileiro terá consumido cinco litros dessas toxinas, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer (INCA).

Responsáveis por 70 mil intoxicações agudas e crônicas anualmente em países desenvolvidos, os agrotóxicos também estão altamente associados à incidência de câncer e outras doenças genéticas, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Para elaborar o tema, o carnavalesco carioca estudou durante quase um ano os povos do Xingu, e passou quatro dias em uma oca, vivendo ao lado deles.

“Eu vi quanto o índio depende da floresta para sobreviver e quão forte é o contato com a terra, com o verde. Logo pela manhã, quando acordei, vi curumins brincando de correr atrás de borboletas, é a brincadeira preferida deles, e subindo em árvores para pegar uma fruta, descascar e comer com a mão. O índio é a própria natureza. E quando você agride a natureza, está agredindo diretamente a vida do índio”, conta Cahê.

O medo e a ameaça de uma nova invasão, de perderem seu espaço de direito, que os índios vivem quase diariamente também marcou Rodrigues. “Pude sentir na pele essa angústia, e a Imperatriz não está inventando nada, faz parte da história do Brasil”.

Para ele, a ABCZ e outras empresas que seguiram a crítica foram precipitadas. “Nunca foi intenção agredir o agronegócio diretamente. A ala que leva o título de “fazendeiros e agrotóxicos”, e aponta o uso indevido da substância que mata os peixes, polui os rios e agride a vida dos índios e a nossa. Estamos falando do caos que cerca a vida do índio”.

Em outra passagem, o samba-enredo diz “o belo monstro rouba as terras dos seus filhos”. Segundo o carnavalesco, é uma analogia à construção da usina hidrelétrica de Belo Monte e à desapropriação de terras de povos indígenas. Para a ABCZ, foi uma crítica a suas práticas: “Chamados de “monstros” pela escola, nós, produtores rurais, respondemos por 22% do PIB Nacional e, historicamente, salvamos o Brasil em termos de geração de renda e empregos”.

* Procurada pela reportagem de CartaCapital, a Associação Brasileira dos Criadores de Zebu não se manifestou até a publicação desta reportagem

Por: Ingrid Matuoka
Fonte: Carta Capital

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