A cidade mais indígena do Brasil é também a que mais elegeu políticos de origem indígena nas últimas eleições municipais. São Gabriel da Cachoeira (AM) tem 92% de seu território classificado como terras indígenas, 76,6% de sua população autodeclarada indígena –pertencente a 23 etnias– e elegeu em outubro último sete vereadores e um prefeito provenientes dos povos nativos da região.
A partir de 1º de janeiro de 2017, o município –que junto ao português conta com três idiomas oficiais: o nheengatu, o tucano e o baníua– será comandado pelo índio tariano Clovis Moreira Saldanha, 44, conhecido na região como Clóvis Curubão. Ele terá, pelo Partido dos Trabalhadores, sua primeira experiência na política e, em seu mandato, também contará com uma bancada indígena: sete dos 13 vereadores eleitos são índios –dois deles são correligionários do PT, três compõem a coligação PSL/PMN/PV/PPS/PP e outros dois são da chapa PR/DEM/PMB.
Curubão faz parte de uma classe política formada por cidadãos originários dos povos nativos do Brasil que ainda busca um maior espaço. Nas eleições municipais deste ano, 28 indígenas se candidataram a prefeituras, dos quais cinco conseguiram se eleger. No Legislativo municipal, foram 167 eleitos em um universo de 1.531 postulantes ao cargo. Foi a primeira vez que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) detalhou informações sobre a questão étnica e racial em seu mapeamento.
As cidades que contarão com mandatários indígenas a partir de 2017, além de São Gabriel da Cachoeira (AM), são: Marcação (PB), com a potiguara Lili (PDT); Marechal Thaumaturgo (AC), com o ashaninka Isaac Piyãko (PMDB); Tacaratu (PE), com o pankararu Gerson (PSB); e Lajedo (PE), com o xucuru Rossine (PSD). A sexta cidade seria Jacundá (PA), mas o prefeito eleito Zé Martins (PMDB), ao contrário do que aponta seu registro no TSE, refutou à reportagem do UOL ter ascendência indígena. “Não tenho nada a ver com índio, foi um erro de registro”, afirmou.
Os indígenas também conseguiram emplacar vereadores em 107 municípios brasileiros. Dois deles, São Gabriel da Cachoeira (AM) e Marcação (PB), além de contarem com prefeitos indígenas eleitos, também terão expressivas bancadas de povos autóctones a legislar a partir do ano que vem. Entre os partidos com mais representantes eleitos estão o PT (19 vereadores), o PMDB (17) e o PSDB (13).
Gigante em extensão
São Gabriel da Cachoeira (AM) é a terceira maior cidade em extensão do Brasil (10.974.380 hectares, maior que a soma das áreas de Rio de Janeiro, Alagoas, Sergipe e Distrito Federal juntas) e tem em seu território sete diferentes terras indígenas: Alto Rio Negro, Balaio, Cué Cué/Marabitanas, Médio Rio Negro 1, Médio Rio Negro 2, Rio Téa e Yanomâmi.
Clovis Curubão (PT) foi eleito prefeito com 4.649 votos, ou 30,19% dos votos válidos do pleito municipal. O mandato de quatro anos à frente de São Gabriel da Cachoeira (AM) será a primeira experiência em um cargo público do comerciante. Política, no entanto, ele já faz. “Há tempos tenho trabalhado a temática da sustentabilidade dos povos indígenas desta municipalidade, em especial das comunidades mais interioranas, mais afastadas”, disse ao UOL o índio tariano.
O petista foi eleito após uma gestão controversa, marcada por acusações de corrupção, de Rene Coimbra (PCdoB), um ex-funcionário da Funai (Fundação Nacional do Índio) que teve 6,9% dos votos válidos na eleição municipal. Curubão afirma que os habitantes do município “pediram mudanças na forma de ouvir anseios e pessoas novas” e que sua eleição foi “um recado explícito da necessidade de mudanças na forma de fazer política neste município mais indígena do Brasil”.
A distância geográfica das comunidades indígenas da sede do município, para ele, será uma das dificuldades a serem enfrentadas na aplicação das políticas públicas para este segmento da população local. A geração de renda com estímulo de trabalhos relacionados a sustentabilidade é o maior desafio. “Nosso trabalho foi apoiado pela militância dos indígenas que querem novas propostas políticas de trabalho.”
Em sua proposta de governo enviada ao TSE, a palavra “indígena” aparece em três oportunidades: na intenção da busca por energias renováveis para os distritos e comunidades indígenas, na valorização da medicina tradicional indígena e na implementação e apoio aos jogos indígenas.
Pôr em prática o que se faz na aldeia
Rossine Blesmany dos Santos Cordeiro, 47, é da tribo xucuru, natural de Pesqueira (PE), mas fez sua carreira política na também pernambucana Lajedo. Reeleito para o cargo de prefeito, será o único a comandar uma cidade sem terras indígenas.
Sua vivência em aldeias e sua experiência como “gestor indígena”, para ele, é importante na “valorização do homem do campo” no município onde é, e continuará a ser, prefeito. “Como gestor, eu coloco em prática o que os índios fazem nas aldeias. Preservar a natureza e conseguir a subsistência da própria terra. Isso a gente vem colocando em prática há quatro anos em Lajedo”, afirmou.
“A coisa que eu mais uso na política é valorizar, dar condições ao povo do campo permanecer no campo. Trabalhar e sobreviver no campo. E sempre estar orientando que no campo você pode gerar renda sem prejudicar o meio ambiente”, completou.
Caminhos
De acordo com o Censo de 2010 do IBGE, a população indígena no Brasil é de 896.917 pessoas, o que corresponde aproximadamente a 0,47% da população total do país. Em todo o território nacional, existem, segundo a Funai (Fundação Nacional do Índio), 588 terras indígenas.
Proporcionalmente, o número de prefeitos e vereadores indígenas eleitos no último pleito é ainda menor: 0,08% entre os prefeitos e 0,28% entre os vereadores.
Para Ricardo Weipe, o Weipe Tapiba (PT), primeiro indígena eleito vereador em Caucaia (CE) e integrante do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), órgão vinculado à Presidência da República e responsável pela elaboração, acompanhamento e implementação de políticas públicas voltadas aos povos indígenas, “essa representação no Parlamento, no Poder Executivo dos municípios, ainda é muito pouca”.
Ele ressalta, porém, que a busca por um maior espaço na política “é um caminho que os povos indígenas têm utilizado para que a gente consiga ocupar espaço de protagonista que a gente tem na construção da história do Brasil”.
“A gente tem presenciado nos municípios, nos Estados e também no Congresso Nacional muitas medidas antidireitos indígenas, antipovos indígenas e aí as comunidades têm a estratégia de também participar dos pleitos eleitorais para que a gente consiga ter participação nos Parlamentos dos municípios e também conseguir alcançar o Poder Legislativo e o Congresso Nacional. O caminho é esse”, afirmou o índio tapeba.
Por: André Carvalho
Fonte: UOL
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