Mais uma oficina em Manejo de Açaizais de Várzea aconteceu nos dias 23 e 24 de novembro de 2016, no município de Afuá (PA), localizado no arquipélago do Marajó, estado do Pará. A oficina faz parte de uma série de treinamentos organizados pelo Projeto Bem Diverso, que é executado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF). A iniciativa visa a conservação da biodiversidade com a utilização sustentável das florestas pelas populações tradicionais. A oficina que foi ministrada pelo pesquisador Silas Mochiutti da Embrapa Amapá, também contou com o apoio da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará (Emater-PA) e da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, da Prelazia do Marajó.

Segundo dados do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (2013), o município de Afuá apresenta Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de 0,489, um dos piores do Brasil. Frente a esta situação, a produção e comercialização de açaí se torna uma alternativa para a melhoria da qualidade de vida dessa região. Sendo assim, as oficinas visam melhorar e aumentar a produção de açaí por meio do manejo de açaizais nativos da várzea, técnica de mínimo impacto que mantem a diversidade da floresta e reduz os períodos de entressafra. Futuramente, o Bem Diverso também vai atuar na melhoria dos canais de comercialização e na articulação de políticas públicas que valorizam o preço pago aos produtores e que promovam acesso a créditos.

O “açaí do bébe” e o açaí da venda

De longe se avista a abundância dos açaizais de Afuá. A espécie comum na região é a Euterpe oleracea, que é típica das florestas de várzea do estuário amazônico. Mesmo ocorrendo praticamente o ano inteiro, a safra de açaí na região se concentra entre os meses de maio a agosto. Nessas áreas alagadas do arquipélago do Marajó, sujeitas aos efeitos da maré, o açaizeiro nativo se apresenta em touceiras, convive harmoniosamente com outras espécies frutíferas e madeireiras, e desfruta de um solo rico em nutrientes trazido todos os dias pelas águas dos rios.

O suco do açaí é conhecido na região como “vinho de açaí”, que na verdade se trata da polpa do fruto bem concentrada. E mesmo nos meses de entressafra, nunca falta o “açaí do bébe”, ou seja, o açaí que as famílias consomem para acompanhar as principais refeições do dia. “Todo mundo toma açaí na minha casa, a fruta faz parte da nossa vida. O vinho acompanha o camarão frito, o camarão de caldo, a carne, o peixe e tudo mais. Ele completa todo tipo de comida que comemos”, contou Idesine Pinheiro, participante da oficina e moradora do sítio Furo do Engenho.

O principal mercado para a venda do fruto in natura que sai de Afuá, é a cidade de Macapá, por conta da sua proximidade com as ilhas do Marajó. “Afuá chega a produzir 900 toneladas por dia” afirmou, Manoel de Narazé, presidente da AçaíCoop, cooperativa de produtores de açaí do Pará, com filial em Macapá. Para muitas famílias que trabalham com o extrativismo do açaí, a comercialização da fruta representa uma das principais fontes de renda. “A venda do açaí gera cerca de 30% da minha renda familiar, e ainda sobra uma boa quantidade para ser partilhada entre parentes e amigos”, informou, Manoel Silva do Monte, de 46 anos, do São João Batista de Afuá.

Leudon Almeida dos Santos, de 63 anos, da comunidade de Urucum, também concorda com a importância do açaí para a economia das famílias de Afuá, “eu acho que essa comercialização pode ser uma saída para ajudar o nosso desenvolvimento local”, afirmou

Oficinas de manejo para incremento da produção

As oficinas têm momentos de sala de aula e de práticas de campo. No primeiro, são discutidos assuntos como legislação ambiental para manejo e dinâmicas florestais da várzea amazônica. Já no segundo, dentro da várzea, os participantes delimitam uma parcela de açaizal. Logo depois realiza-se um inventário florestal das espécies contidas na área delimitada, a fim de definir quais devem ficar ou sair. Em seguida, acontece a limpeza da parcela, o que também inclui as touceiras de açaí. As palmeiras com melhor potencial de produção ficam. O passo final se dá com o plantio de mudas de açaizeiro em locais necessários. No caso da oficina de Afuá, a prática aconteceu no Sítio RR de Nelinho Araújo. A área trabalhada será uma unidade demonstrativa de observação para futuras oficinas.

De acordo com Silas Mochiutti, o manejo é basicamente permitir a entrada de luz solar nas áreas delimitadas, já que os açaizais nativos ficam dentro da mata fechada. “O manejo deve ser feito prioritariamente todos os anos, para que a área se torne produtiva, sem ter que derrubar a floresta para o plantio da espécie”, completou. O pesquisador relatou ainda que a seleção das touceiras de açaí permite que o açaizal fique mais baixo, o que facilita a retirada do fruto. “A ideia é que fique sempre o chamado ‘filhotão’, palmeira nova e produtiva. E com o açaizal mais baixo, fica menos arriscado para o peconheiro, retirar os cachos”, afirmou. Peconheiro é o escalador da palmeira de açaí que utiliza a peconha, um laço de corda ou fibra que se prende nos pés para auxiliar na subida do açaizeiro.

Nada se desperdiça no manejo. Dos açaizeiros cortados é possível retirar o palmito, que serve tanto para o consumo familiar, quanto para a venda. No segundo caso é necessária uma dispensa de licenciamento junto aos órgãos estaduais ambientais, que no estado do Pará, é realizada pela Secretaria de Meio Ambiente (Semas). O procedimento é simples e pode ser feito online.

O produtor Manoel Silva do Monte, contou que 50% do seu açaizal é nativo. O mesmo relatou que após as práticas da oficina passou a entender o porquê da baixa produtividade dessa área. “Eu não sabia como trabalhar nessa parte do meu açaizal que produz pouco, a maioria dos pés só dá o “sarel”, que é um cacho pequeno sem fruto que parece mais uma vassoura. Mas agora, já sei como fazer, entendi a importância da entrada de luz, de manter outros tipos de árvores, pois elas protegem o açaizeiro e este protege as outras espécies”, disse.

Cleudon Almeida dos Santos disse que a oficina foi uma grande troca de conhecimentos, entre o técnico e os extrativistas. Para ele, esse saber deve ser repassado para os outros produtores que não conhecem a técnica. “O curso foi muito gratificante, pretendo levar para outros ribeirinhos que não tem o conhecimento do manejo de açaizal e espero tirar bom proveito do trabalho que estamos fazendo aqui”, afirmou.

Saiba mais

Para conhecer com mais detalhes de como funciona a técnica do manejo de mínimo impacto de açaizais de várzea, a Embrapa elaborou a cartilha “Guia prático de Manejo de Açaizais para produção de frutos”. A publicação é parte do material didático usado nas oficinas e tem sido amplamente divulgada entre os extrativistas de açaí do arquipélago do Marajó. Para fazer download da mesma, clique AQUI.

Andreza Andrade (MTb 077/AM)
Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia / Projeto Bem Diverso – Oficina de capacitação promove o fortalecimento da produção de açaí no território do Marajó – Portal Embrapa