A ação que localizou e registrou o grupo ocorreu no mês de setembro deste ano, em parte da Terra Indígena (TI) Yanomami, no estado de Roraima, e foi realizada pela Frente de Proteção Etnoambiental Yanomami e Ye’Kuana (FPEYY) da Funai.
O sobrevoo na região teve o objetivo de realizar um levantamento sobre a atual situação dos índios isolados e do território yanomami, bem como monitorar as atividades ilícitas que ocorrem lá dentro, com foco no garimpo ilegal e nas invasões da terra resultantes da expansão da fronteira agrícola no estado.
Essa não foi a primeira vez que os índios isolados, chamados de Moxihatëtëa por seus inimigos Yanomami, foram avistados. “O grupo é monitorado pela Funai, via satélite e por sobrevoo, desde 2011, ano em que o órgão obteve as primeiras fotos de suas malocas. As fotos tiradas este ano pela Fundação são, sem dúvida, as melhores e mais reveladoras no que diz respeito às características desse grupo indígena, mas não são as primeiras”, afirma o coordenador de Proteção e Localização de Índios Isolados da Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados (CGIIRC) da Funai, Fabrício Amorim.
Segundo o coordenador, as atitudes dos Moxihatëtëa revelam que o grupo quer se manter isolado, pois todas as suas ações se dão no sentido de evitar contatos sistemáticos com a sociedade não indígena. “É possível, no entanto, que eles tenham contatos esporádicos e não permanentes com outros grupos de Yanomami”, acrescenta.
Durante o sobrevoo à maloca dos Moxihatëtëa, foi possível visualizar indicativos de que o grupo está aparentemente bem. Os indígenas produzem roças de banana e o número de tapiris permanece o mesmo desde que o grupo passou a ser monitorado pela Funai, apontando para uma possível estabilidade do número de famílias.
Atividades ilícitas
No entanto, por meio sobrevoo da área também foi constatada a presença de atividades ilícitas no interior da terra indígena. Foram avistadas diversas pistas de pouso clandestinas, acampamentos e a presença de balsas para extração de ouro, que confirmam a atividade garimpeira ilegal na região.
A cada ano, são realizadas diversas operações de combate ao garimpo nas terras indígenas mais afetadas por esse ilícito, entre elas a Terra Indígena Yanomami. As operações contam com a participação da Funai, Ibama, Polícia Federal, entre outros órgãos com competência para atuar nessas situações.
A última na TI Yanomami foi a Operação Curare VII, realizada em outubro desse ano, pelo Exército Brasileiro, que combateu o garimpo ilegal nos rios Uraricuera e Mucajaí, com acompanhamento integral da FPEYY. Segundo dados divulgados pelo Exército, foram destruídos no interior da TI: 18 balsas de garimpo ilegal, oito motores usados na garimpagem, seis geradores e quatro compressores de ar que davam suporte à atividade. Além disso, foram realizadas quatro patrulhas fluviais, em que foram apreendidos 123 g de ouro e detido um não indígena no interior do território.
Os Moxihatëtëa
Esse grupo foi localizado pela FPEYY e a Hutukara Associação Yanomami (HAY), em junho de 2011, durante uma atividade de reconhecimento aéreo. No sobrevoo foi observada a presença de uma maloca coletiva pertencente a um sub-grupo Yanomami considerado desaparecido desde a segunda metade dos anos 1990.
Este grupo é tradicionalmente conhecido pelos seus antigos vizinhos e inimigos Yanomami de língua yanomae/yanomama do oeste e do sul como Moxi hatëtëma thëpë. A designação remete ao fato de que esses índios manteriam o prepúcio do pênis (moxi) preso entre dois barbantes (hatëtë) amarrados na cintura.
Os Moxihatëtëma Thëpë pertencem ao subgrupo Yanomami de denominação Yawaripë, que, em geral, foram contatados nas décadas de 1950 e 1960. Os Yawaripë estão entre os mais impactados pela construção da BR-210 (Perimetral Norte) na década de 1970, que levou a óbito cerca de 40% dos indígenas que viviam na região, em consequência de doenças contagiosas.
Nos anos 1990, os Moxihatëtëma circulavam ocasionalmente nas regiões dos rios Catrimani, Mucajaí e Apiau. Nessa época, se ouvia falar de ataques armados contra eles por garimpeiros e de conjecturas sobre o possível desaparecimento do grupo devido às doenças e à violência. Alguns contatos esporádicos foram relatados no decorrer da década, mas apenas em 2011 se teve a comprovação de que não haviam desaparecido.
Política de proteção a povos isolados no Brasil
A maior concentração de povos isolados conhecida no mundo está no Brasil. O Estado brasileiro, por meio da Funai, reconhece a existência de 103 registros, sendo 26 confirmados. As ações de localização de grupos isolados executadas pela Funai vêm revelando que esse número pode aumentar ainda mais nos próximos anos, caso haja um efetivo fortalecimento e continuidade dessa política.
Nas décadas de 1970 e 1980, o avanço das frentes de expansão econômica, especialmente na Amazônia Legal, impôs aos povos indígenas isolados o contato forçado com a sociedade envolvente, provocando grandes perdas populacionais e, às vezes, até o extermínio de grupos inteiros em decorrência, sobretudo, de surtos epidêmicos contraídos após os primeiros contatos.
Desde o final da década de 1980, no contexto da Constituição de 1988, tendo como referência as críticas de sertanistas e especialistas à prática de “atração de índios isolados”, a Funai adotou como premissa e institucionalizou a atual política de proteção e promoção dos direitos dos povos indígenas isolados. Com base numa importante reunião – em 1987 – entre sertanistas e especialistas sobre a questão, foram publicadas três portarias, que instituiu um setor na Funai para atuar exclusivamente na questão da política para povos indígenas isolados; regulamentou o Sistema de Proteção aos Índios Isolados (SPII) e estabeleceu diretrizes de trabalho . A partir de então, a Funai substituiu o paradigma de ação indigenista vigente – que tinha a atração e o contato como medida de proteção – pelo respeito à autodeterminação desses povos de se manterem voluntariamente isolados.
Texto: Clarissa Tavares – Ascom. FUNAI
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