O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da barragem de São Luiz do Tapajós ignora vários impactos socioeconômicos graves e minimiza outros. Este tratamento se encaixa em um padrão de tais relatórios, sendo elaborados para favorecer a aprovação do projeto pelas autoridades ambientais, não importando o quão grave sejam os impactos, ao invés de servir como uma base para a tomada de decisão racional e como uma ferramenta para proteger os moradores locais.
Isto precisa ser mudado para garantir que os proponentes e o processo de EIA sejam separados, por exemplo, tendo o dinheiro para preparar o EIA colocado em um fundo independente e a seleção e pagamento de empresas de consultoria e outros sendo feito sem a participação dos proponentes.
Os impactos ambientais e sociais, que são catalogados em um EIA, não tem essencialmente nenhuma influência sobre a decisão global de proceder com um projeto, como no caso de uma usina hidrelétrica, sendo que a decisão é feita antes que informações sobre impactos sejam coletadas e com base na atratividade financeira percebida. Este sistema precisa ser alterado para que a coleta de informação e o debate público ocorram antes da decisão.
A tomada de decisões e o processo de licenciamento fornecem um exemplo do “triângulo de ferro”, onde a interação de corporações, políticos e burocratas do governo resulta em projetos de infraestrutura que vão em frente, independentemente da magnitude dos seus custos monetários e não monetários.
O licenciamento da barragem de São Luiz do Tapajós também ilustra um processo contestado e mostra que o governo não é monolítico, contendo bastantes atores com diversos pontos de vista. É evidente o poder político muito maior dos atores pró-barragem
O exemplo de São Luiz do Tapajós serve como um aviso da fraqueza das proteções contra impactos sérios das dezenas de outras grandes barragens planejadas na Amazônia brasileira, bem como em outros países com sistemas similares de tomada de decisão.
Além de reforma dos processos de decisão e de licenciamento, incluindo o EIA, alterações legislativas são necessárias para remover a grande arma dos interesses de construção de barragens, o seja, a legislação que concede “suspensões de segurança” para anular quaisquer proteções legais ou constitucionais que impedem um projeto que é importante para a “economia pública”.
Atualmente, todas as necessidades para alterações de leis são restringidas pela dominação do Congresso Nacional brasileiro pelo bloco “Ruralista” que representa os grandes proprietários de terras e que se opõem às restrições ambientais de todos os tipos.
O resultado do drama que avança rapidamente no rio Tapajós, bem como em outros locais onde represas estão planejadas em toda a Amazônia brasileira, depende do embate que se realiza no chão nas áreas afetadas, particularmente a luta entre povos indígenas como os Munduruku e os três vértices do “triângulo de ferro” [1].
PHILIP M. FEARNSIDE
NOTAS
[1] Isto é uma tradução parcial de Fearnside, P.M. 2015. Brazil’s São Luiz do Tapajós Dam: The art of cosmetic environmental impact assessments. Water Alternatives 8(3): 373-396, disponível aqui. As pesquisas do autor são financiadas por: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (processos nº305880/2007-1, nº304020/2010-9, nº573810/2008-7, nº575853/2008-5), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) (processo nº 708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ13.03). O Greenpeace custeou despesas de viagem no Tapajós [2]. M.A. dos Santos Junior fez os mapas. N. Hamada e P.M.L.A. Graça contribuíram comentários. Agradeço especialmente aos Munduruku.
[2] Fearnside, P.M. 2015. Impactos nas comunidades indígenas e tradicionais. p. 19-29 In: R. Nitta & L.N. Naka (eds.) Barragens do rio Tapajós: Uma avaliação crítica do Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) do Aproveitamento Hidrelétrico São Luiz do Tapajós. Greenpeace Brasil, São Paulo, SP. 99 p. http://greenpeace.org.br/tapajos/docs/analise-eia-rima.pdf
Leia os artigos da série:
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 1 – Resumo da série
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 2 – O processo de licenciamento na teoria
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 3 – O processo de licenciamento na prática
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 4 – O deslocamento de populações indígenas
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 5 – O direito de “consulta” dos povos indígenas
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 6 – O bloqueio do reconhecimento da terra indígena
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 7 – A barragem e o enfraquecimento da FUNAI
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 8 – Os Munduruku desistem de uma FUNAI inexistente
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 9 – A perda de pesca
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 10 – A perca de locais sagrados dos Munduruku
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 11 – Áreas indígenas afetadas “indiretamente”
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 12 – O escândalo do “componente indígena” do EIA
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 13 – Barragem, hidrovia e falsas promessas
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 14 – Aos ribeirinhos negado o direito de consulta
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 15 – O EIA endossa grilagem de terras ribeirinhas
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 16 – Os colonos e os residentes urbanos
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 17 – Os atores na política de decisões sobre barragens
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 18 – Triângulo de ferro nas decisões sobre barragens
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 19 – Um sistema enviesado de avaliação de impacto
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 20 – As leis de suspensão de segurança
Philip M. Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis neste link.
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