COP13: ONU quer que biodiversidade entre nos temas da política pública e econômica.

O secretário-geral da 13ª Conferência das Partes da Convenção Sobre Diversidade Biológica (COP13) da ONU, o brasileiro Braulio Ferreira de Souza Dias, disse que é fundamental para a biodiversidade que os governos tratem suas políticas publicas e seus instrumentos econômicos adequadamente. Do contrário, há risco dos custos, inclusive económicos, serem maiores. O evento acontece em Cancún, no México, até sábado (17).

“Para o bem estar básico de toda a população, a biodiversidade é fundamental. Só que as pessoas sempre contaram com esse apoio da biodiversidade e ainda acreditam que podem contar para sempre. Mas não se dão conta que a ação humana atual está promovendo a destruição dessa biodiversidade por causa da produção não sustentável, exploração excessiva de recursos florestais. As decisões de consumo estão promovendo esses problemas. Se você compra demasiado está aumentando a demanda de extrair mais da natureza. O consumo não responsável é um dos grandes vilões”, disse Dias, em entrevista à veículos da imprensa brasileira, entre eles a Amazônia Real.

A 13ª Convenção Diversidade Biológica começou no último dia 2 de dezembro. Participam da COP13 representantes de 196 países e mais de 10 mil pessoas entre autoridades internacionais, delegados, pesquisadores e observadores. O governo brasileiro foi representado pelos ministros José Sarney Filho (Meio Ambiente) e Blairo Maggi (Agricultura), que participaram do evento na semana passada.

A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) é um tratado internacional multilateral firmado em 1992, no Rio de Janeiro, durante a Eco-92. Os países que assinam o tratado se comprometem em criar estratégias de conservação e uso sustentável da biodiversidade biológica, a partir da elaboração de projetos de conservação, o uso sustentável e a distribuição justa e equitativa dos benefícios econômicos provenientes dos recursos genéticos. A COP 12 aconteceu há dois anos, na Coreia do Sul. As próximas serão no Egito e na China.  Até 2015, 175 países assinaram o tratado.

“Os governos devem implementar, de forma mais consistente, os objetivos mais sustentáveis e mais coordenados entre os setores, e ser mais responsáveis em relação à biodiversidade. Assim, o custo de implementar a [proteção] da biodiversidade vai cair. Se os outros setores continuam destruindo a biodiversidade sobra para a área ambiental tentar consertar”, alertou Braulio Ferreira Dias.

Nesta quarta-feira (14) secretário-geral da COP 13 fez um balanço dos 12 dias de rodada de negociação e discussões, além dos resultados dos fóruns paralelos. As reuniões de negociações estão sendo discutidas nos Fóruns de Povos Indígenas, da Juventude, da Ciência e de Negócios.

A COP13 reúne três atividades conjuntas: a Convenção da Biodiversidade, a 8ª Conferência de Cartagena sobre Biossegurança, que debate o uso de transgênicos, e a segunda reunião do Protocolo de Nagoya, assinado em 2010, na COP10, no Japão. O Protocolo de Nagoya trata sobre regras de acesso de recursos genéticos e repartição justa de benefícios. Este protocolo, apesar da relevância para países com alta biodiversidade, ainda não foi assinado pelo governo brasileiro. Braulio Ferreira Dias afirmou que o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, declarou que o Brasil já sinaliza para a assinatura do Protocolo de Nagoya.

“O Brasil se comprometeu no esforço de atuar para evitar a extinção das espécies e prevenir invasão de espécies invasoras. Mas assinar [o protocolo] é importante para países ricos em biodiversidade e para as populações indígenas e comunidades tradicionais”, disse Dias.

“A três dias para o encerramento da COP13 – com ainda muitos fóruns de negociação a ser realizados -, Braulio Ferreira Dias disse que várias decisões importantes já foram tomadas nas rodadas de debates e plenárias, mas ainda há processos em negociação considerados mais “complexos”. Ele destacou o uso da biologia sintética, que ainda não tem um marco legal da COP e é um tema bastante controverso entre os países, o tratamento de bancos de dados de genoma e a promoção de uma melhor integração entre setores produtivos, turismo e proteção da floresta.

O secretário reconhece que meio ambiente e biodiversidade são temas ainda vistos de maneira secundária pela população mundial, que prefere preocupar-se com problemas considerados emergenciais, como emprego e segurança. 

“É importante destacar que biodiversidade promove a segurança alimentar. Com a mudança climática ela vai estar ameaçada em todo mundo. Como a agricultura vai se adaptar a essas mudanças? Se continuarmos a perder [a biodiversidade] não vamos adaptar a nossa agricultora. Além do mais, precisamos da medicina. Precisamos da biodiversidade. Mesmo no caso da indústria farmacêutica moderna que sintetiza princípios ativos, mas esses princípios foram extraídos e descobertos de organismos vivos. Novas curas de doença virão da biodiversidade. Na questão de água, odos dependem dela. O ciclo hidrológico depende da manutenção dos ecossistemas. Se destrói a floresta, esse ciclo se interrompe.” 

Para Dias, o financiamento da biodiversidade é uma questão básica em todos os países.

“A temática ambiental é sempre um dos menores orçamentos dos governos. Isso reflete que é importante, mas secundária mas não urgente. Os governos decidem priorizar outros temas”, disse Dias.

Não à toa que a maior parte dos recursos financeiros destinados à proteção dos ecossistemas mundiais, sobretudo em países em desenvolvimento (como o caso do Brasil), advém de transferência externa de recursos.

O Brasil, por exemplo, recebe recursos do Fundo Mundial do Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês), repassados para o governo por meio do Programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA). Em 2015, o governo anunciou que a GEF vai repassar US$ 65 milhões para ações de conservação, corte de emissões de carbono e gestão sustentável da terra.

Na COP12, dois anos atrás, os países ainda aprovaram as novas metas para mobilização de recursos financeiros. Conforme Dias, isso significa duplicar os recursos.

“O compromisso foi que os países ricos iriam duplicar as transferências de recursos para a biodiversidade dos países em desenvolvimento a partir de 2015. Todos os países concordaram. E todos os países precisam ampliar. Mas o Brasil tem vários mecanismos. Um deles é o Bolsa Verde, para a população pobre. Mas é fundamental para biodiversidade como os governos tratam sua politicas publicas e seus instrumentos econômicos”, afirmou.

 

Indígenas protegem os ecossistemas

Mais de 300 representantes indígenas de diferentes partes do mundo participaram entre os dias 9 e 11 deste mês de um fórum de discussões durante a COP13 sobre a importância de proteção aos direitos territoriais destas populações.

A participação do Brasil é pequena. A coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Sônia Guajajara, disse que houve representantes indígenas na COP13, (sem informar os nomes), mas não do movimento organizado, com discussões prévias. “Resolvemos não enviar ninguém. Não tínhamos nem tempo nem dinheiro”, disse ela à reportagem.

À Amazônia Real, a indígena mexicana Lia Lopez, uma das lideranças participantes da COP13, destacou a relevância dos conhecimentos tradicionais como parte das ações para proteção do ecossistema para as populações atuais e futuras. Lia López foi a relatora da declaração do congresso sobre conhecimento tradicional e diversidade biológica e cultural durante uma das plenárias da COP13.

“Nós como indígenas reconhecemos que somos parte da natureza, por isso conservamos e cuidamos. É parte de nossa diversidade e de nossa cosmovisão. Cuidamos do meio ambiente, através do aproveitamento e conservação dos recursos naturais. Aproveitamos sempre”, disse ela.

Integrante da Rede Indígena de Turismo do México, Lia López também destacou a contribuição das mulheres na manutenção e preservação dos conhecimentos ancestrais. “As mulheres indígenas, como possuidoras dos conhecimentos tradicionais, podem garantir o direito das futuras gerações. Como indígenas, queremos guardar tudo que nos rodeia. O território e a cultura”, disse.

Do documento final do encontro sobre conhecimentos indígenas, Lia López destacou o trecho no qual se reconhece o direito dos indígenas ao seu território e aos vínculos inseparáveis entre os sistemas culturais, os territórios, as comunidades e os costumes dos povos no acesso à diversidade biológica. “Isso é muito importante para o bem estar dos povos indígenas.”

O secretário-geral da COP13, Bráulio Ferreira Dias, afirmou que a Convenção da Biodiversidade dá espaço especial para os povos indígenas e comunidades tradicionais, com cláusulas nos quais os países se comprometem em proteger estas populações e a biodiversidade de seu território.

Segundo Dias, no documento divulgado ao final do Fórum dos Povos Indígenas, no último dia 11, mostrou-se que estas populações contribuem para cumprir cada uma das 20 Metas de Aichi para a Biodiversidade, estabelecidas na 10ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP-10), em 2010, na cidade de Nagoya, Província de Aichi, no Japão. As metas formam um Plano Estratégico de Biodiversidade para o período de 2011 a 2020. As Metas de Aichi são compostas por 20 proposições, nas quais os países que as assinaram se comprometeram em implementar até 2020. (veja aqui as metas).

“Ele [documento] mostra que os povos indígenas sempre souberam conservar a biodiversidade.”.

A relatora especial das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, declarou que os povos indígenas são os principais protetores das florestas.

“A maior parte das florestas protegidas está em terras indígenas. Os povos vivem em harmonia com a natureza e contribuem para a conservação da biodiversidade”, disse Victoria Tauli-Corpuz. Para ela, é preciso que os fóruns internacionais reconheçam a relevância do conhecimento tradicional dos povos indígenas como fundamental para proteção da biodiversidade. Victoria Tauli-Corpuz é indígena da etnia Kankanaey Igorot, das Filipinas.

Ela esteve no Brasil em março deste ano ouvindo lideranças e visitando comunidades ameaçadas por grandes projetos de desenvolvimento e ligados ao agronegócio. Ela esteve em Brasília, Pará, Bahia e Mato Grosso do Sul. Entre os indígenas com os quais ela conversou estão os Munduruku, ameaçados por hidrelétricas, e os Guarani-Kayowá, que há décadas são vítimas de ataques e confrontos na disputa por suas terras. Em setembro passado, a ONU divulgou o relatório sobre o resultado da visita, no qual dizia que os povos indígenas brasileiros sofrem, atualmente, a maior vulnerabilidade e ameaça a seus direitos desde a promulgação da Constituição de 1988.

Questionado por Amazônia Real, Braulio Ferreira Dias reconheceu que os povos indígenas do Brasil enfrentam ameaças e que essa situação se repete em outros países.

“Em todo o mundo, [os povos indígenas] têm sofrido desrespeito aos seus direitos. O Brasil teve um papel importante de ampliar o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas. No entanto, no momento está havendo riscos de retrocesso.”

 

15/12/2016 19:27

*A jornalista Elaíze Farias viajou a Cancún, no México, a convite da Earth Journalism Network (EJN), que está promovendo um programa de cobertura durante a COP13 da ONU.

VER FOTOS EM: http://amazoniareal.com.br/cop13-onu-quer-que-biodiversidade-entre-nos-temas-da-politica-publica-e-economica/