A presença de indígenas na 13ª Conferência das Partes da Convenção da Diversidade Biológica (COP13) da Organização das Nações Unidas (ONU) chamou a atenção dos participantes e da imprensa no Moon Palace Hotel, um sofisticado resort em Cancún, no México. Mas os índios foram apenas observadores, sem direito a espaço nas fechadas rodadas de negociações. Puderam, no máximo, fazer recomendações e apelos pedindo proteção para o uso de seus conhecimentos tradicionais sobre os recursos naturais. 

COP 13 encerrou na madrugada deste domingo (18), após 16 dias de discussões e negociações de delegados de 196 países para decidir tratados internacionais de temas sobre proteção da biodiversidade no mundo. Foram decididas metas para serem adotadas pela própria Convenção e pelos Protocolos de Cartagena (Colômbia) e pelo Protocolo de Nagoya (Japão). Entre os temas estão integração da biodiversidade com atividades produtivas, segurança alimentar, proteção de florestas e estratégias para impedir extinção de espécies.

Os 350 indígenas de várias partes do mundo participantes da COP13 realizaram um fórum internacional paralelo entre os dias 9 e 11 de dezembro; deste encontro foi elaborado um documento final, com recomendações. Mas eles reclamaram do pouco espaço que tiveram e do papel secundário dado a seu conhecimento. Como reação, fizeram dois protestos: um na quinta-feira (15) e outro na sexta (16) a noite, nos corredores do Moon Palace.

Aproveitaram para lembrar que seus territórios são os únicos do planeta onde as árvores, a água e os animais estão protegidos, exigindo assim que outros setores também cumprissem as metas firmadas para a proteção da biodiversidade. Esses compromissos, resumidos das Metas de Aichi, visa proteger a biodiversidade e melhorar os benefícios sociais.

O próprio secretário-executivo da COP13, Braulio Ferreira Dias, reconheceu que a maioria das metas, que vigorarão até 2020, ainda não foi cumprida. As Metas de Aichi para a Biodiversidade foram estabelecidas na 10ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP-10), em 2010, na cidade de Nagoya, província de Aichi, no Japão. As metas formam um Plano Estratégico de Biodiversidade para o período de 2011 a 2020.

Um dos indígenas mais críticos foi Felipe Gomez, da etnia Maya Kiche, da Guatemala. Para Gomez, convenções da ONU como a COP da Biodiversidade ou a COP do Clima, precisam considerar o conhecimento dos povos originários associado ao uso sustentável dos recursos naturais.

 

Exclusão e discriminação
“Essa conexão, essa relação, esses elementos dos quais dependem nossas vidas, tudo que existe – sol, estrelas, lua, montanhas, florestas –, deles dependem a existência dos seres humanos. Depende a existência dos animais e dos vegetais. Mas temos um problema sério da ciência. A ciência não entende, separa a racionalidade do sentimento e do pensamento dos seres humanos. Não entende a ciência moderna que o conhecimento e os saberes têm a ver com a vida que vivemos e existimos na natureza. Por isso é urgente também discutir, debater e repensar a ciência. É urgente que o mundo cientifico entenda que os povos indígenas não são contra as possibilidades de existência. Somos contra a eliminação progressiva da vida. Essa é a razão pela qual no mundo os indígenas têm vivido”, disse Felipe Gomez, logo após um dos protestos.Segundo Felipe Gomez, o modelo econômico das empresas, das indústrias de diferentes setores e dos governos não entende e nem incorpora a concepção dos indígenas de conexão entre os seres humanos e os elementos da natureza.

O indígena guatemalteco relatou sobre a experiência que teve na COP13, observando o trabalho dos delegados e os temas discutidos, tais como biotecnologia, grandes obras e projetos econômicos de turismo. “Mas aonde vai isso?”, questionou.

“Muitos participantes da COP caminham por todo lado, fazem apresentações bem interessantes, mas não abordam a problemática que existe na realidade. Eu quero fazer uma chamada aos representantes dos governos da COP. Tem que aprender a aceitar que existem várias coisas para mudar em seus países. Tem que aceitar que há exclusão, que há discriminação, que as leis respondem a outros interesses. Esses governos têm a oportunidade de mudar, de transformar, de repensar, de buscar que tudo aponta para a vida”, alertou.
“Aqui [COP13] podemos falar sobre a realidade dos países. A situação da Bolívia, por exemplo, muitos acreditam que está tudo bem. Não é isso. Mas esse tipo de conferência são apenas negócios e os governos decidem sozinhos. Essas decisões são de cima para baixo. Não reflete o desejo de todos. O certo seria articular com todos os segmentos”, disse Rosario Barradas à Amazônia Real. Ela também criticou o pouco espaço dos indígenas, lembrando que eles são os únicos dos que participam das convenções da ONU a conservar integralmente a biodiversidade.Rosario Barradas, do povo Cuqui, na Bolívia, na sua primeira participação em uma convenção da ONU, ficou desapontada com o espaço secundário dado aos indígenas. Ela contou que a COP13 é importante para dar visibilidade aos povos indígenas, mas que isso não basta.

Rosario Barradas esteve nos dois protestos de quinta e sexta-feira. Promovido pelo Consórcio TICCA, uma rede internacional de organizações indígenas, o protesto utilizou música, performance teatral e vários cartazes carregados pelos indígenas com frases em referência a algum projeto de grande impacto ambiental.

Ela falou, por exemplo, do projeto de barragem do governo Evo Morales. Rosario se refere à hidrelétrica Bala e Chepete, que deverá causar a remoção de mais de 50 comunidades indígenas e rurais e afetar diretamente o Parque Nacional Madidi, causando sérios danos ao ecossistema. Rosario Barradas contou que os indígenas pedem consulta prévia sobre o projeto, mas o governo de Morales não atende.

“As ameaças ao nosso território são as construções de megabarragens que o governo da Bolívia quer construir para gerar energia para o país e para o Brasil. Essa barragem [Bala e Chepete] está sendo construída sem consulta, vai contaminar os rios e destruir a biodiversidade. Ela também deslocará povos indígenas. É um atentado contra a vida não apenas nos territórios indígenas, mas nos parques de proteção da natureza. É uma situação que a maior parte do mundo, até na América do Sul, não conhece”, disse Rosario.

Em seu fórum paralelo e em reuniões de grupo de trabalho, os índios também lutaram pela inclusão da palavra “livre” –sem as aspas – no documento final da Convenção, no trecho que se refere à consulta prévia e informada no acesso ao conhecimento tradicional e a projetos de grandes obras que afetam seus territórios.

Os protestos na COP
Julian López, do povo Nayeri, do México, contou que os indígenas estão preocupados com o acesso ao seu conhecimento e aos seus recursos sem consulta. Ele disse que os indígenas querem decidir como desejam viver.Para os índios, a inclusão das aspas condiciona a palavra “livre” a uma mera sugestão aos países signatários da COP13, sem que seja um compromisso firmado. A proposta não foi consenso durante a reunião de grupo de trabalho da sexta-feira (17) da qual participaram delegados com direito a voto. Sem aprovação, os índios se retiraram da discussão de grupo e fizeram um protesto.

“Quando os outros decidem sobre nossos bens comuns, tiram-nos esse direito de decidir o que queremos para nós e para as futuras gerações. Nosso território é importante. Mas queremos decidir como queremos viver nele. Porque convivemos com a mãe-terra durante muitos anos. Tem havido uma harmonia entre a mãe natureza e nós que a habitamos. Para nós nossos bens comuns não são negociáveis”, disse. Para López, a transformação de um território tradicional em negócio retira das populações que nele vivem o sentimento de pertencimento e de convivência.

“Queremos existir como povo, com nossa própria identidade. Queremos melhorar. Sim queremos progresso, sim queremos desenvolvimento, mas um desenvolvimento em que nós decidimos, sem perder nossa identidade. O desenvolvimento de nossa cultura, de nossa própria existência”, afirmou.

A defesa da floresta
“Os ocidentais dizem que nós temos conhecimentos tradicionais. Não são tradicionais. É uma ciência. As plantas são eficientes, são curativas, são medicinais. Não é simples conhecimento tradicional.”Juan Chaves Muñoz, liderança do povo Shipipo, era uma das principais vozes da participação peruana indígena na COP13. Muñoz lamentou que o conhecimento indígena tenha sido subestimado no evento das Nações Unidas.

Muñoz disse que há um milênio os indígenas vêm defendendo a floresta e este fato seria suficiente para provar que as populações nativas sabem como protegê-la. “Temos vivido mil anos na floresta. Dentro dela está nossa alimentação, nossa riqueza cultural, nossas medicinas. Nossos médicos, os xamãs tomavam Ayauasca (bebida curativa e espiritual com efeitos alucinógenos de diferentes populações indígenas do Brasil e Peru, na fronteira da Amazônia) e entravam na terra, na água e no espaço. Viemos de tão longe participar desse congresso mundial e queremos deixar uma mensagem. Se as florestas existem é porque nós indígenas existimos. Os que querem seguir vivendo e defender contra as mudanças climáticas têm que ouvir nossa proposta para defender as florestas do mundo.”

 

A garantia de direitos

O capítulo dedicado aos direitos dos povos indígenas da COP13 foi divulgado neste domingo (18), em um sumário elaborado pela organização. O sumário diz que a COP13 tomou medidas significativas para garantir que os conhecimentos tradicionais referentes à conservação e uso sustentável são protegidos e seu uso deve ser incentivado com o consentimento dos povos indígenas e comunidades locais.

O documento não fala sobre a adoção da palavra “livre” sem aspas, mas diz que os trabalhos sobre um glossário de termos e conceitos-chave a serem utilizados para os trabalhos da Convenção sobre conhecimento e questões relacionadas vão prosseguir.

Na última plenária da COP13, o secretário-executivo da Convenção, o brasileiro Braulio Ferreira Dias, disse que os indígenas são “os maiores aliados das metas da biodiversidade”. Esta foi a última conferência de Braulio Ferreira Dias como secretário-executivo da COP. Em janeiro de 2017 ele deixa o cargo para, no lugar, assumir a romena Cristiana Pasca Palmer, atual ministra do Meio Ambiente de seu país.

 

 

*A jornalista Elaíze Farias viajou a Cancún, no México, com bolsa da  Earth Journalism Network (EJN), para um programa de cobertura da COP13 da ONU.

 

AS FOTOS E O CONTEÚDO COMPLETO PODEM SER VISTOS EM: http://amazoniareal.com.br/cop13-indigenas-exigem-mais-espaco-de-decisao-nas-convencoes-da-onu/

 

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