O vazamento de óleo atingiu o abastecimento em três aldeias dos índios Apiakás, Kayabi e Munduruku.
Desde que o rio Teles Pires foi contaminado por um vazamento de óleo na segunda semana de novembro, a falta de água potável passou a provocar medo e dificuldades para o cotidiano das famílias indígenas de três aldeias da Terra Indígena Kayabi, que fica no norte do Mato Grosso na divisa com o Pará.
Os indígenas que têm o rio Teles Pires como a mais importante fonte de sobrevivência, pedem uma solução imediata para o caso. As mães estão com receio dos filhos serem contaminados por algum tipo de produto químico nos banhos que costumam tomar às margens das aldeias Mayrowi, da etnia Apiakás, Coelho e Kururuzinho, ambas dos índios Kayabi.
Os índios mais velhos lamentam a agressão ao manancial, que também é símbolo de vida para o povo Munduruku. Além do consumo, banho e lazer, a água do rio Teles Pires é utilizada em todas as atividades produtivas como a caça, pesca e as roças na terra indígena, onde vivem mais de 900 pessoas, e está localizada entre os municípios de Apiacás (MT) e Jacareacanga (PA).
De acordo com investigação do Ministério Público Federal (MPF) em Mato Grosso, o vazamento de óleo foi detectado após o dia 10 de novembro, quando a empresa Energia São Manoel S.A. fez a remoção de uma ensecadeira (um dique temporário usado para manter a água fora do local de construção) e a abertura do vertedouro a jusante (depois da barragem) do rio Teles Pires, atividades que fazem parte das obras de construção da usina hidrelétrica de São Manoel.
No relatório de vistoria – do qual a Amazônia Real teve acesso – o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) ainda não apontou o responsável pelo acidente ambiental, mas apresentou três suspeitas: “algum vazamento oriundo de balsas garimpeiras que operam na região, um material da ensecadeira que estivesse contaminado ou algum vazamento no momento da abertura das comportas da usina hidrelétrica São Manoel.”
O relatório de vistoria do Ibama diz que a mancha de óleo foi observada em sobrevoos de helicóptero realizados na região a jusante da usina hidrelétrica São Manoel, primeiro até a proximidade da aldeia Mayrowi, dos índios Apiakás. Depois se estendendo até o entorno da aldeia Coelho, a cerca de 10 km do eixo da barragem. A mancha também foi observada em um trecho da aldeia Kururuzinho.
O acidente ambiental no rio Teles Pires completou um mês, e as famílias indígenas Kayabi continuam sendo abastecidas por galões de água mineral e cestas básicas fornecidas pela responsável pelas obras da hidrelétrica, a Energia São Manoel. A medida faz parte do plano de contingência para mitigar os danos causados à população atingida pelo vazamento de óleo.
O líder Taravy Kayabi diz que sua aldeia, a Kururuzinho, é uma das mais afetadas com o vazamento de óleo. O lugar fica a 500 metros da usina São Manoel. Para ele, oferecer água mineral é muito pouco diante da gravidade do caso. “Nós estamos desesperados. Crianças não têm liberdade para tomar banho no rio. Nós somos seres humanos, nós não somos porcos para banhar na lama”, afirmou.
Mas Taravy afirma que vai continuar exigindo que a Energia São Manoel mantenha o envio regular dos galões de água para a aldeia até que a situação esteja completamente normalizada. “Tomar banho, lavar roupa e vasilha no rio sujo a gente dá um jeito. Mas beber a água dele não tem jeito, não.”
Diante do impacto socioambiental que o vazamento de óleo causou às aldeias, o líder indígena cobra providências das autoridades do Mato Grosso. Taravy destacou, em entrevista à Amazônia Real, que sua aldeia vive diretamente do que o rio Teles Pires oferece. “O rio, na verdade, não é importante só para os índios, mas sim para toda a humanidade. Acontece que o homem branco está destruindo tudo”, lamentou.
Taravy Kayabi disse que os índios que vivem nas aldeias afetadas pela contaminação de óleo, cerca de 300 pessoas, estão passando por dificuldades para se alimentar. O peixe é a principal base alimentar destas comunidades. O arroz e o feijão são comprados em mercados das cidades mais próximas, como Alta Floresta e Paranaíta. Elas estão distantes a 869 e 798 quilômetros, respectivamente, de Cuiabá.
O líder Kayabi contou que nas duas últimas semanas está sendo difícil de pescar no Teles Pires. Ele afirma que o óleo no rio ainda não se dissipou por completo, e que os danos ao meio ambiente, principalmente com a morte de peixes, continuam. “A poluição está matando os peixes. Os que a gente consegue pegar vêm cheio de óleo. A gente acaba comendo assim mesmo por causa da necessidade de se alimentar, mas eu tenho medo que esses peixes prejudiquem a saúde do meu povo, sobretudo das crianças”, afirmou.
Segundo Taravy Kayabi, mesmo com a contaminação, os índios da região continuam usando o rio para tomar banho, lavar alimentos, roupas e vasilhames. “A gente sabe que é arriscado, mas não tem para onde correr. Dependemos do Teles Pires.”
Em reunião na última segunda-feira (5), no Ministério Público Federal, em Brasília, lideranças indígenas das etnias Kayabi presentes denunciaram a empresa Energia São Manoel como a responsável pelo vazamento de óleo no rio Teles Pires. A denúncia foi feita diante de representantes do MPF, da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Ibama.
A Coordenação Regional Norte do Mato Grosso da Funai, que atende aos povos da TI Kayabi, informou à reportagem que enviou uma equipe às aldeias e que aguarda o relatório final do Ibama, que vai apontar de quem é a responsabilidade pela poluição do rio.
Ibama encontrou óleo
No relatório de vistoria do Ibama do qual a Amazônia Real teve acesso, consta que o órgão fez a Operação Karaemã, na Terra Indígena Kayabi, entre os dias 13 e 15 de novembro, para investigar a origem do vazamento de óleo no rio Teles Pires. O documento afirma que a empresa Energia São Manoel providenciou a realização de análise laboratorial da água coletada no trecho a 10 km do eixo da barragem, tanto a montante (região da nascente) quanto a jusante (vazante) do manancial.
Conforme o documento de fiscalização do Ibama, no dia 10 de novembro, a São Manoel promoveu a abertura da ensecadeira (barragem) a montante do rio Teles Pires. No dia 11 ocorreu a abertura do vertedouro. No dia 12 a empresa abriu a ensecadeira a jusante. No dia 12, fiscais da Operação Karaemã observaram a mancha de óleo durante um sobrevoo de helicóptero na região a jusante da barragem da hidrelétrica São Manoel.
Segundo o relatório do Ibama, a mancha de óleo no rio Teles Pires foi vista desde a barragem da usina de São Manoel em três pontos das proximidades da Terra Indígena Kayabi: no entorno da aldeia Mayrowi, a cinco quilômetros a jusante do eixo da barragem, estendendo-se até o entorno da aldeia Coelho; e por um trecho do entorno da aldeia Kururuzinho.
O Ibama diz que em novos sobrevoos, realizados nos dias 15 e 18 de novembro, a fiscalização não observou mais “qualquer mancha de óleo na superfície da água” na área montante e jusante da barragem no rio Teles Pires.
O documento diz, ainda, que em visita à aldeia Coelho, dos índios Kayabi, no dia 18 de novembro, “o cacique e outros indígenas afirmaram que haviam apenas visto algumas manchas de óleo na superfície da água, sem notarem odores, nem observarem mortandade de peixes ou outros animais”. O relatório não cita os nomes dos índios entrevistados.
Já o MPF, em Mato Grosso, divulgou uma nota à imprensa com a foto de um boto morto, além de relatos dos indígenas Kayabi de que “o vazamento de óleo no rio Teles Pires levou risco ao abastecimento de água em diversas aldeias indígenas localizadas às margens do rio e à ictiofauna da região.”
Procurado pela reportagem, o Ibama disse que a próxima fase investigativa, após o sobrevoo, será a elaboração de relatório para saber de onde partiu o vazamento e o volume de óleo despejado no rio. A análise, segundo o órgão, será concluída até o final desta semana. O órgão também diz que vai notificar a Energia São Manoel para apresentar relatórios investigativos internos e os resultados de análises das amostras de água recolhida no rio Teles Pires entre os dias 13 e 16 de novembro.
No único pronunciamento que fez à imprensa, a empresa Energia São Manoel diz que “detectou no dia 13 de novembro uma mancha de óleo no rio Teles Pires, mas esclarece que a situação da bacia já está normalizada”. Prossegue o comunicado oficial informando que: “está analisando as causas do ocorrido e segue o monitoramento periódico da região.” A empresa diz que fornecerá água mineral às aldeias por 30 dias.
Demarcação e obras
Com 1.053 hectares, a Terra Indígena Kayabi, onde vivem índios Kayabi, Apiakás e Munduruku, foi homologada em 2013 pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
Em 2014, o Ibama concedeu a licença de instalação para a construção da Usina Hidrelétrica São Manoel no rio Teles Pires, localizada na divisa do Mato Grosso com o Pará. Segundo a licença, o eixo da barragem situa-se a cerca de 1,2 km a montante [nascente] do rio Apiacás, entre os municípios de Paranaíta (MT) e Jacareacanga (PA). O rio Teles Pires deságua no São Luiz do Tapajós, outra região ameaçada por projetos de hidrelétricas.
A obra da usina de São Manoel é um empreendimento do consórcio formado pelas empresa estatais EDP Brasil S.A e Furnas Centrais Elétricas, além da chinesa CTG (China Three Gorges Corporation). A usina vai gerar 700 megawatts de energia e terá o início de suas operações em 2018. Os investimentos previstos são de R$ 2,2 bilhões, conforme o site da Energia São Manoel.
O EIA-Rima (Estudo e Relatório de Impacto Ambiental) da usina foi elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) com participação do consórcio das empresas Leme e Concremat. No EIA-Rima, a EPE diz que para não impactar diretamente a Terra Indígena Kayabi “o estudo de engenharia recomendou a instalação da barragem da hidrelétrica de São Manoel a 1 quilômetro acima do encontro do rio Apiacás com o Teles Pires”.
Rito e crença
Os indígenas das etnias Kayabi, Munduruku e Apiakás possuem conexão muito forte com o rio Teles Pires, tanto pelo aspecto socioeconômico, quanto pelo espiritual. Segundo as tradições Kayabi, na região de Sete Quedas, habita a Mãe dos Peixes, além de outros espíritos ancestrais dessa etnia. O local é sagrado para rituais e cerimônias como o rito de passagem do menino que sai da adolescência para a vida adulta. “As autoridades não iriam gostar nem um pouco se nós construíssemos nossas aldeias em cima de suas propriedades e cemitérios”, comparou Taravy Kayabi.
Keka Werneck, colaboração para a Amazônia Real Amazônia Real
AS FOTOS ESTÃO DISPONÍVEIS EM: http://amazoniareal.com.br/contaminacao-das-aguas-do-rio-teles-pires-provoca-medo-no-territorio-kayabi/
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