Um sistema enviesado de avaliação de impacto ambiental constitui outra barreira, conforme ilustrado pela barragem de São Luiz Tapajós. O sistema atual, em que os relatórios são contratados e pagos diretamente pelos proponentes dos projetos, representa um viés estrutural inerente que garante relatórios favoráveis à aprovação dos projetos (e.g., [1]).
A maior barreira é interferência executiva com a agência de licenciamento ambiental (IBAMA). Casos documentados incluem as barragens de Santo Antônio e Jirau no rio Madeira, onde a equipe técnica do IBAMA produzido pareceres formais opondo-se à aprovação da licença prévia e da licença de instalação, mas foram anuladas por meio da substituição do chefe do departamento de licenciamento e, mais tarde, com a promoção da mesma pessoa para ser o “Presidente” de todo o IBAMA, onde aprovou a licença de instalação [2].
No caso de Belo Monte, a equipe técnica foi formalmente contra a aprovação da licença de instalação, mas o parecer contrário ao licenciamento foi anulado através da substituição do “Presidente” do IBAMA [3]. Esses eventos ilustram as contradições entre os objetivos que são alegados por instâncias diferentes dentro do governo, alguns componentes sendo mais poderosos do que outros. Esses eventos indicam também que o licenciamento é um processo contestado, o que claramente representa um padrão geral.
Uma barreira importante para a eliminação de vieses no sistema de avaliação de impacto ambiental através de mudanças na legislação é o controle de fato do Congresso Nacional pela bancada “ruralista” que representa os grandes proprietários de terras. A extensão da influência deste bloco foi dramaticamente revelada em maio de 2011, com a primeira votação na Câmara dos Deputados sobre a revisão (esvasiamento) do Código Florestal Brasileiro.
A Câmara dos Deputados votou em uma proporção de sete para um contra o meio ambiente e os interesses da esmagadora maioria do eleitorado. A representação na Casa é proporcional à população, e 85% da população brasileira é urbana, ou seja, sem nenhum interesse financeiro em permitir o desmatamento, por exemplo, ao longo dos cursos d’água e em encostas íngremes. Pesquisas de opinião tomadas imediatamente após a votação indicaram 80% da população sendo contra qualquer mudança no Código Florestal [4].
A aparente explicação para o resultado encontra-se no poder financeiro de plantadores de soja e de outros interesses de agronegócio e pecuária. A bancada “ruralista” tem consistentemente usado sua influência para enfraquecer regulamentos ambientais de todos os tipos, significando que qualquer legislação proposta para apertar as exigências do EIA seria susceptível de receber alterações dando legislação final o efeito oposto [5, 6].
NOTAS
[1] Fearnside, P.M. & R.I. Barbosa. 1996. Political benefits as barriers to assessment of environmental costs in Brazil’s Amazonian development planning: The example of the Jatapu Dam in Roraima. Environmental Management 20(5): 615-630. doi: 10.1007/BF01204135
[2] Fearnside, P.M. 2014. Brazil’s Madeira River dams: A setback for environmental policy in Amazonian development. Water Alternatives 7(1): 156-169. http://www.water-alternatives.org/index.php/alldoc/articles/vol7/v7issue1/244-a7-1-15/file
[3] Fearnside, P.M. 2012. Belo Monte Dam: A spearhead for Brazil’s dam building attack on Amazonia? GWF Discussion Paper 1210, Global Water Forum, Canberra, Austrália. 6 p. http://www.globalwaterforum.org/wp-content/uploads/2012/04/Belo-Monte-Dam-A-spearhead-for-Brazils-dam-building-attack-on-Amazonia_-GWF-1210.pdf (acessado 13 de junho de 2015).
[4] Lopes, R.J. 2011. Datafolha indica que 80% rejeitam corte de proteção a matas. Folha de São Paulo 13 de junho de 2011. www1.folha.uol.com.br/ambiente/929142-datafolha-indica-que-80-rejeitam-corte-de-protecao-a-matas.shtml (acessado 15 de junho de 2015).
[5] Fearnside, P.M. & W.F. Laurance. 2012. Infraestrutura na Amazônia: As lições dos planos plurianuais. Caderno CRH 25(64): 87-98. doi: 10.1590/S0103-49792012000100007
[6] Isto é uma tradução parcial de Fearnside, P.M. 2015. Brazil’s São Luiz do Tapajós Dam: The art of cosmetic environmental impact assessments. Water Alternatives 8(3): 373-396, disponível aqui. As pesquisas do autor são financiadas por: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (processos nº305880/2007-1, nº304020/2010-9, nº573810/2008-7, nº575853/2008-5), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) (processo nº 708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ13.03). O Greenpeace custeou despesas de viagem no Tapajós [7]. M.A. dos Santos Junior fez os mapas. N. Hamada e P.M.L.A. Graça contribuíram comentários. Agradeço especialmente aos Munduruku.
[7] Fearnside, P.M. 2015. Impactos nas comunidades indígenas e tradicionais. p. 19-29 In: R. Nitta & L.N. Naka (eds.) Barragens do rio Tapajós: Uma avaliação crítica do Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) do Aproveitamento Hidrelétrico São Luiz do Tapajós. Greenpeace Brasil, São Paulo, SP. 99 p. http://greenpeace.org.br/tapajos/docs/analise-eia-rima.pdf
Leia os artigos da série:
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 1 – Resumo da série
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 2 – O processo de licenciamento na teoria
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 3 – O processo de licenciamento na prática
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 4 – O deslocamento de populações indígenas
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 5 – O direito de “consulta” dos povos indígenas
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 6 – O bloqueio do reconhecimento da terra indígena
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 7 – A barragem e o enfraquecimento da FUNAI
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 8 – Os Munduruku desistem de uma FUNAI inexistente
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 9 – A perda de pesca
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 10 – A perca de locais sagrados dos Munduruku
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 11 – Áreas indígenas afetadas “indiretamente”
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 12 – O escândalo do “componente indígena” do EIA
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 13 – Barragem, hidrovia e falsas promessas
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 14 – Aos ribeirinhos negado o direito de consulta
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 15 – O EIA endossa grilagem de terras ribeirinhas
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 16 – Os colonos e os residentes urbanos
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 17 – Os atores na política de decisões sobre barragens
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 18 – Triângulo de ferro nas decisões sobre barragens
PHILIP M. FEARNSIDE
Philip M. Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis neste link.
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