A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 16 – Os colonos e os residentes urbanos.
Colonos
O EIA inclui uma volumosa contabilidade do estado precário de serviços públicos e privados na área hoje. A ideia de que a barragem trará melhores escolas, serviços de saúde e oportunidades de emprego foi promovida pelo programa Diálogo Tapajós, financiado pelo consórcio de barragem. Isto tem levado parte da população não indígena passar a apoiar o projeto da barragem. Trabalhos temporários, tais como serviços de barqueiros transportando os cientistas que estavam coletando dados para o EIA, também têm sido importantes incentivos. O mau estado dos serviços é um fato, mas a suposta melhoria é muitas vezes ilusória para os pobres na zona rural e especialmente para os povos indígenas (ver exemplo de Tucuruí: [1]).
Os colonos têm menos direitos do que os povos indígenas e “tradicionais”. Eles não precisam ser consultados sobre o projeto em si. As opções para aqueles que seriam removidos são explicadas abaixo:
“…os atingidos possuam as seguintes opções: (i) indenização total em dinheiro, (ii) indenização parcial em dinheiro, (iii) permuta por lote, (iv) autoreassentamento, e (v) permuta de casa.” ([2], Vol. 2, p. 78).
O efeito destrutivo da indenização em dinheiro tem sido visto muitas vezes no passado (e.g., [3-7]). As pessoas geralmente ficam sem dinheiro dentro de um curto espaço de tempo. A indenização em dinheiro é, muitas vezes, preferida por projetos de construção de barragem porque fornece a melhor garantia de que os desenvolvedores do projeto ficarão protegidos contra possíveis reclamações futuras pelas pessoas afetadas ou seus apoiadores.
Residentes urbanos
Nenhuma cidade seria inundada pelo reservatório, mas diversos “povoados” e “aldeias” seriam removidos. Essencialmente, os impactos sociais usuais a grandes obras, tais como prostituição, drogas, álcool e crime não são discutidos no EIA. Esses impactos são insinuados, citando uma declaração de um dos representantes Munduruku em uma reunião em Brasília:
“Roseni Saw trouxe a discussão fatos envolvendo hidrelétricas que já estão em operação e citou os pontos negativos gerados por empreendimentos desse porte, temendo que o mesmo possa acontecer na região: “os projetos que foram executados não tiveram resultados positivos… Muitos tinham suas terras e hoje estão mendigando. Houve aumento de roubo e prostituição …. O IBAMA está preocupado em multar as madeireiras, mas o maior crime é as hidrelétricas. O Governo tem suas propostas, mas nós também temos as nossas, que é a demarcação e homologação das nossas terras”. ([2], Vol. 22, p. 180).
Em 1973, este autor ficou no povoado de São Luiz do Tapajós, próximo do local hoje escolhido para a construção da barragem que leva seu nome. Isso foi na época de outro maciço projeto de desenvolvimento: a Rodovia Transamazônica (BR-230) (e.g., [8]). São Luiz do Tapajós era o povoado mais próximo do acampamento da Queiroz Galvão, a empresa de construção deste trecho da rodovia. Essa área era a “frente” da construção da rodovia naquele momento da história, e era evidente a força de impactos tais como aqueles mencionados por Roseni Saw [9].
NOTAS
[1] Fearnside, P.M. 1999. Social impacts of Brazil’s Tucuruí Dam. Environmental Management 24(4): 483-495. doi: 10.1007/s002679900248
[2] CNEC Worley Parsons Engenharia, S.A. 2014. EIA: AHE São Luiz do Tapajós; Estudo de Impacto Ambiental, Aproveitamento Hidrelétrico São Luiz do Tapajós. CNEC (Consórcio Nacional dos Engenheiros Consultores), São Paulo, SP. 25 Vols. + anexos. http://licenciamento.ibama.gov.br/Hidreletricas/São%20Luiz%20do%20Tapajos/EIA_RIMA/
[3] Cernea, M.M. 1988. Involuntary Resettlement in Development Projects: Policy Guidelines in World Bank-Financed Projects. (World Bank technical paper no. 80), The World Bank, Washington, DC, E.U.A: 88 p. Disponível em: http://elibrary.worldbank.org/doi/pdf/10.1596/0-8213-1036-4
[4] Cernea, M.M. 2000. Impoverishment risks, safeguards, and reconstruction: A model for population displacement and resettlement. In: M. Cernea & C. McDowell (eds.) Risks and Reconstruction. Experiences of Resettlers and Refugees. The World Bank, Washington, DC, E.U.A. 504 p.
[5] Oliver-Smith, A. (ed.). 2009. Development and Dispossession: The Crisis of Development Forced Displacement and Resettlement. SAR Press, London, Reino Unido. 344 p.
[6] Oliver-Smith, A. 2010. Defying Displacement: Grassroots Resistance and the Critique of Development. University of Texas Press, Austin, Texas, E.U.A. 303 p.
[7] Scudder, T. 2006. The Future of Large Dams: Dealing with Social, Environmental, Institutional and Political Costs. Routledge, London, Reino Unido. 408 p.
[8] Fearnside, P.M. 1986. Human Carrying Capacity of the Brazilian Rainforest. Columbia University Press, New York, NY, E.U.A. 293 p.
[9] Isto é uma tradução parcial de Fearnside, P.M. 2015. Brazil’s São Luiz do Tapajós Dam: The art of cosmetic environmental impact assessments. Water Alternatives 8(3): 373-396, disponível aqui. As pesquisas do autor são financiadas por: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (processos nº305880/2007-1, nº304020/2010-9, nº573810/2008-7, nº575853/2008-5), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) (processo nº 708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ13.03). O Greenpeace custeou despesas de viagem no Tapajós [10]. M.A. dos Santos Junior fez os mapas. N. Hamada e P.M.L.A. Graça contribuíram comentários. Agradeço especialmente aos Munduruku.
[10] Fearnside, P.M. 2015. Impactos nas comunidades indígenas e tradicionais. p. 19-29 In: R. Nitta & L.N. Naka (eds.) Barragens do rio Tapajós: Uma avaliação crítica do Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) do Aproveitamento Hidrelétrico São Luiz do Tapajós. Greenpeace Brasil, São Paulo, SP. 99 p. http://greenpeace.org.br/tapajos/docs/analise-eia-rima.pdf
Leia os artigos da série:
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 1 – Resumo da série
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 2 – O processo de licenciamento na teoria
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 3 – O processo de licenciamento na prática
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 4 – O deslocamento de populações indígenas
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 5 – O direito de “consulta” dos povos indígenas
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 6 – O bloqueio do reconhecimento da terra indígena
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 7 – A barragem e o enfraquecimento da FUNAI
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 8 – Os Munduruku desistem de uma FUNAI inexistente
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 9 – A perda de pesca
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 10 – A perca de locais sagrados dos Munduruku
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 11 – Áreas indígenas afetadas “indiretamente”
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 12 – O escândalo do “componente indígena” do EIA
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 13 – Barragem, hidrovia e falsas promessas
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 14 – Aos ribeirinhos negado o direito de consulta
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 15 – O EIA endossa grilagem de terras ribeirinhas
PHILIP M. FEARNSIDE
Philip M. Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis neste link.
VER MAIS EM: http://amazoniareal.com.br/a-hidreletrica-de-sao-luiz-do-tapajos-16-os-colonos-e-os-residentes-urbanos/
NOTA
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