Apesar do ministro de Saúde Ricardo Barros ter restituído a autonomia financeira e orçamentária aos Distritos Sanitários indígenas (Dseis), as organizações indígenas intensificaram nesta terça-feira (25) os protestos contra portaria no. 1.907. Já estão ocorrendo protestos no Amazonas, Amapá, Pará, Paraíba, Mato Grosso, Rondônia, Roraima e Santa Catarina. Nesta quarta-feira (26), há previsões de mais mobilizações.

As lideranças dizem que foram enganadas pelo ministro Ricardo Barros. No lugar de revogar a portaria 1.907 ele publicou uma outra portaria, mantendo as duas em vigor. Sendo assim, permanece a anterior, que tirou da Sesai a gestão da saúde indígena.

“O Ministério da Saúde fez uma portaria [a que restabeleceu a autonomia dos Dseis] para nos enganar, para enganar os povos indígenas do Brasil. Estamos muito chateados com o ministro. Queremos a revogação da portaria 1.907”, disse Dário Vitório Kopenawa Yanomami, coordenador de política pública da Hutukara Associação Yanomami, que protocolou no Ministério Público Federal, em Boa Vista, Roraima, um pedido de uma ação contra o ministro Ricardo Barros.

Ricardo Barros baixou a portaria no. 1.907 no dia 17 de outubro. Ela substitui a portaria no. 475 de 16 de março de 2011, que criou a Sesai. Como consequência, o secretário da Sesai, Rodrigo Rodrigues, tirou a competência dos Distritos Sanitários Indígenas (Dseis) de ordenar despesas.

Na segunda-feira (24), o ministro assinou nova portaria de no. 2.141 restabelecendo a gestão financeira e orçamentárias aos distritos. Na nota à imprensa divulgada por sua assessoria, o Ministério da Saúde dizia que seriam restituídos aos Dseis a competência de “requisitar, em objeto de serviço, passagens e transporte por qualquer via ou meio, de pessoas, cargas e bagagens”.

Mas no texto da portaria publicada no Diário Oficial da União desta terça-feira (25) a decisão foi diferente. Diz que a “requisição de serviços, passagens e transportes” só poderá ser encaminhada e autorizada pelo Secretário-Executivo do Ministério da Saúde.

Mario Nicácio, coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR), da etnia Wapichana, afirmou que as lideranças não se convenceram com a atitude de Barros. “A gente quer a revogação da portaria 1.907 e não apenas a publicação de outra. Tem que revogar na sua totalidade. Essas duas portarias são inconstitucionais. As duas tentam extinguir a Sesai e municipalizar a saúde indígena. Se elas continuarem, vão prejudicar tudo. Desde a logística à compra de medicamentos e atendimentos”, afirmou.

No Amazonas, os protestos continuam em Atalaia do Norte (a 1.338 quilômetros de Manaus), onde índios dos povos Matís, Mayuruna, Marubo, Kanamary, entre outros, ocupam a sede do Distrito Sanitário. A Associação dos Povos Indígenas do Vale do Javari divulgou uma carta exigindo total autonomia aos coordenadores dos Dseis.

“Sem uma assistência diferenciada, visto a realidade das comunidades do Vale do Javari, haverá um aumento significativo das doenças e mortes dos indígenas do Dsei”, diz trecho da nota. Na Terra Indígena Vale do Javari, na fronteira do Amazonas com o Peru, vivem mais de 5 mil indígenas, inclusive etnias de índios sem contato com a sociedade nacional.

Em Humaitá (distante a 702 km de Manaus), a manifestação foi na sede da Casai (Casa de Saúde Indígena). As lideranças das etnias Parintintin, Jiahui, Torá, Mura, Apurinã, Pirahã, Munduruku e Juma prometem bloquear a rodovia BR-230 (Transamazônica) no trecho entre o Amazonas e Rondônia. “Essa mobilização não tem dia para terminar. Vai até quando o governo revogar essa portaria. Essa portaria pode acabar com os povos indígenas”, disse Nilcélio Jiahui.

Em Itaituba, no Pará, indígenas Munduruku em protesto contra a portaria 1.907 interditaram um trecho de acesso a balsa do município na manhã desta terça-feira. O porto dá acesso à rodovia BR-163 (Pará/Mato Grosso). Já em Macapá (AM), índios de diversas etnias ocuparam o Distrito Sanitário.

Estão ocupados também os Distritos Sanitários Indígenas (Dseis) Amapá/Norte do Pará, em Macapá (AP), Guamá/Tocantins, em Belém (PA), e Rio Tapajós, em Itaituba (PA), Araguaia, em São Félix do Araguaia (MT), Vilhena, em Vilhena (RO), Base Boitex e Interior Sul, em Chapecó, (SC). A Rodovia SC-283, em Chapecó, está interditada por indígenas. Os dois Dseis do povo Kayapó, tanto no Pará quanto no Mato Grosso, também estão ocupados.

Os protestos também envolvem manifestações contra a PEC 241, que prevê perdas para a educação na gestão do presidente Michel Temer (PMDB),

Coiab faz protesto em Manaus 

Na manhã desta quarta-feira (26), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) vai realizar uma manifestação com uma caminhada pelas ruas da zona centro-sul de Manaus. Índios de várias etnias prometem ocupar o Distrito Sanitário Indígena (Dsei) de Manaus, que funciona na sede da Secretaria Especial Indígena (Sesai).

“Será uma grande mobilização para exigir a revogação da portaria 1.907. Não queremos uma nova portaria como foi publicada hoje. Já se vem falando nos bastidores da Sesai que ela será extinta, e que a saúde indígena pode ser municipalizada. A Sesai foi uma luta do movimento indígena. Mas a cada golpe que o governo pensa em nos dar, nós ficamos mais unidos. Querem nos deixar na invisibilidade, mas estamos de prontidão”, disse Nara Baré, coordenadora da Coiab.

O Dsei/Manaus abrange 19 municípios do Amazonas, atendendo uma população de 26.400 índios. No Amazonas, há cinco Dseis. Segundo Nara, os indígenas do Baixo Amazonas estão se preparando para ocupar o Dsei, localizando em Parintins.

“Faremos uma manifestação não apenas dos indígenas, mas dos servidores do Dsei e da Sesai. Nesta terça algumas salas do Dsei/Manaus já foram fechadas. A coordenação vai manter 30% dos funcionários para emergência. Isso que estamos fazendo é para revogar a portaria 1.907”, afirmou Nara Baré.

Para Marivelton Barroso, da etnia Baré e diretor da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), a publicação de uma nova portaria não é suficiente. “Tem que ter a revogação da 1.907 e não fazer meia vírgula. Por isso, os manifestos não vão parar”, afirmou.

A Foirn é a principal organização indígena da região do Alto Rio Negro, no norte do Amazonas, onde mais de 80% da população é indígena. Barroso conta que a área sofre com altos índices de malária e, devido à dificuldade de acesso às aldeias (apenas via fluvial) e de comunicação, a região exige que as demandas sejam atendidas em tempo ágil e hábil, sem depender da burocracia. Nesta terça-feira, a Foirn divulgou nota repudiando a porta.

Portaria é inconstitucional

A Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6ª CCR), em Brasília, encaminhou ao Ministério da Saúde uma nota técnica que a Portaria nº 1.907 prejudica os avanços na gestão do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena. “Ao dispensar a consulta aos povos indígenas, o governo federal também violou à Constituição Federal e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.”

A Amazônia Real entrou em contato com assessoria de imprensa do Ministério da Saúde para saber se a portaria 1.907 será revogada ou se continuará em vigor. Ou se a Portaria 2.141 vai substituí-la. Também indagou do Ministério da Saúde a respeito da reação dos indígenas sobre a nova portaria publicada nesta terça-feira, mas a assessoria não respondeu até o momento.

Veja fotos dos protestos na Amazônia em : http://amazoniareal.com.br/portaria-1-907-indios-dizem-que-foram-enganados-por-ministro-da-saude-e-protestos-se-intensificam/

  –  26/10/2016 00:12