Comunidades da Terra Indígena Mamoadate estão preocupadas com os impactos de uma estrada que pretende ligar os municípios de Iñapari e Puerto Esperanza, no Peru.

Os moradores das comunidades dos povos Jaminawa e Manchineri que vivem na Terra Indígena Mamoadate, localizada na fronteira com o Peru, formularam uma declaração onde se colocam contrários à abertura de uma estrada que ligará os municípios peruanos de Iñapari e Puerto Esperanza. O documento foi formulado no dia 26 de setembro de 2016, na aldeia Betel, na Terra Indígena Mamoadate, durante a III Oficina de monitoramento e vigilância, realizada pela Comissão Pró Índio do Acre.

Na oficina estavam presentes mais de 50 lideranças, professores, agentes agroflorestais dos povos Jaminawa e Manchineri, além de representantes das organizações indígenas peruanas Organización Regional AIDESP Ucayali (ORAU), Federación Nativa del Río Madre de Dios y Afluentes (FENAMAD) e da Plataforma de organizaciones indígenas para la protecion de los Pueblos Indígenas en Aislamiento Voluntario y en Contacto Inicial.Juntos, construíram uma aliança estratégica para lutar contra uma via que benefeciará o escoamento ilegal da madeira, cortando uma das regiões de floresta mais conservadas do mundo. A estrada, defendida há anos por um padre da igreja católica e por um congressista do grupo parlamentar Fuerza Popular do Peru, também afetará de forma grave e irreversível diversos grupos de índios isolados, entre eles os Mashco-Piro, que vivem das atividades de caça e coleta entre os territórios peruano e brasileiro.

No dia 19 de agosto de 2016, o parlamentar Carlos Tubino apresentou ao Congresso da República do Peru o projeto de lei N° 75/2016-CR, que declara a estrada como necessidade pública e de interesse nacional. A proposta não é nova, foi apresentada pelo mesmo congressista da bancada fujimorista, em 2012. Entretanto, foi arquivada pelo Congresso após receber informes de oposição de diversas instituições do Estado peruano e da sociedade civil, indicando que “a estrada afetaria o Parque Nacional Alto Purus, área natural protegida mais extensa do Peru, e os territórios de povos indígenas isolados e de diversas Comunidades Nativas”.Uma moção do Congresso Mundial da Natureza, realizada em setembro de 2016, no Havaí, pede ao Congresso da República do Peru para arquivar definitivamente o projeto. Na moção, apresentada pela União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN), observa que, para materializar o projeto, o Peru violaria os importantes compromissos internacionais, como a Convenção sobre a Diversidade Biológica (1992), assinado por 192 países membros da Organização das Nações Unidas (ONU), e os recentes compromissos climáticos nacionais recentes do Acordo de Paris (2015).  

Em dezembro de 2015, durante a I Oficina sobre monitoramento e vigilância, no Centro de Formação dos Povos da Floresta, em Rio Branco, as lideranças Jaminawa e Manchineri apontaram como principais ameaças aos seus territórios e modos de vida, a estrada Puerto Esperanza-Iñapari, no Peru, e um projeto de construção de um ramal de interesse do madeireiro Jorgenei da Silva Ribeiro, no Brasil, que atravessa a Reserva Extrativista Chico Mendes, e passa no entorno da TI Mamoadate.Mobilizados, as lideranças Jaminawa e Manchineri foram até a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão, do Ministério Público Federal (MPF), e entregaram um documento afirmando que “o ramal vai provocar grandes desmatamentos nas vizinhanças da terra indígena”. Em abril de 2016, o MPF recomendou a suspensão do processo de licenciamento ambiental do ramal junto ao Instituto de Meio Ambiente do Acre (IMAC).

Maria Emília Coelho *

* Coordenação de Comunicação da CPI-Acre   

Confira a seguir a íntegra da Declaração da TI Mamoadate 

Declaração da Terra Indígena Mamoadate  

Nós, representantes dos povos Jaminawa e Manchineri, que vivemos na Terra Indígena Mamoadate, no estado do Acre, no Brasil, em aliança com as organizações indígenas peruanas Organización Regional AIDESP Ucayali (ORAU), Federación Nativa del Río Madre de Dios y Afluentes (FENAMAD) e a Plataforma de organizaciones indígenas para la proteción de los Pueblos Indígenas en Aislamiento Voluntario y en Contacto Inicial, aqui reunidos na aldeia Betel, para a realização de uma oficina sobre monitoramento e vigilância territorial, realizada com a Comissão Pró-Índio do Acre, no dia 26 de setembro de 2016, declaramos nossa posição contrária à abertura de uma estrada que ligará os municípios de Iñapari e Puerto Esperanza, no Peru. 

Ao construir de forma participativa o plano de gestão da Terra Indígena Mamoadate, através de sucessivas oficinas envolvendo as suas 16 aldeias, e que definiram estratégias de monitoramento e vigilância da terra, detectamos duas principais ameaças ao nosso território e modos de vida: um projeto de construção de um ramal de interesse madeireiro, no Brasil, e o projeto viário Puerto Esperanza-Iñapari, no Peru.Para frear o projeto de contrução do ramal madeireiro, que passa no entorno da Terra Indígena Mamoadate, atravessando a Reserva Extrativista Chico Mendes, fomos, em dezembro de 2015, até a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão, do Ministério Público Federal (MPF) do Acre, entregar um documento denunciando que “o ramal provocaria grandes desmatamentos nas vizinhanças da terra indígena”. Em abril de 2016, o MPF recomendou a suspensão do processo de licenciamento ambiental do ramal junto ao Instituto de Meio Ambiente do Acre.   

Em relação ao projeto Puerto Esperanza-Iñapari, no Peru, também continuaremos lutando, junto com os nossos parceiros de ambos os lados da fronteira, para impedir a contrução dessa estrada que passará muito próximo aos limites da Terra Indígena Mamoadate, afetando todos os recursos naturais do nosso uso tradicional, a flora, a fauna e as águas das cabeceiras dos rios binacionais Acre, Iaco e Chandless, que usamos para a nossa sobrevivência. 

Também estamos muito preocupados com os impactos da estrada sobre os nossos modos de vida, porque irá trazer graves consequências para a nossa cultura e organização social, ao favorecer o escoamento ilegal da madeira, entre outras atividades ilícitas em curso na região da fronteira, atualmente, como o narcotráfico, a caça e pesca ilegais e os garimpos de ouro.A estrada atravessará áreas naturais protegidas e territórios indígenas garantidos por leis, em uma das regiões de floresta mais conservada do mundo, impactando o Parque Nacional Alto Purus, a Reserva Comunal Purus e a Comunidade Nativa Bélgica, no Peru; além da Terra Indígena Cabeceira do Rio Acre, a Estação Ecológica do Rio Acre, e o Parque Estadual Chandless, no Brasil.

Os diversos grupos de índios isolados, entre eles os Mashco-Piro, que vivem das atividades de caça e coleta entre os territórios peruano e brasileiro, também serão afetados de forma grave e irreversível. Através de uma aliança estratégica entre as organizações indígenas brasileiras e peruanas, vamos lutar para a garantia dos direitos desses povos e para o reconhecimento e a proteção do Corredor Territorial de Pueblos en Aislamiento y Contacto Inicial Pano, Arawak e outros, localizado nesta região da fronteira entre os departamentos de Madre de Dios, Cusco e Ucayali e o estado do Acre.

Se o projeto for realizado, o governo do Peru violará a legislação nacional e importantes compromissos internacionais, como a Convenção sobre a Diversidade Biológica (1992), os recentes compromissos climáticos do Acordo de Paris (2015), além dos instrumentos de direitos humanos dos povos indígenas e tradicionais, como Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, e a recente Declaração da Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre os Direitos Indígenas (2016).

Reafirmando o compromisso em realizar nosso plano de gestão, no tocante ao monitoramento e vigilância de fronteiras e à proteção ambiental, solicitamos às autoridades competentes providências no sentido da supensão desse projeto de estrada, que representa uma grande ameaça para a sobrevivência dos povos indígenas que vivem na fronteira Brasil-Peru.  

Aldeia Betel, Terra Indígena Mamoadate, 26 de setembro de 2016

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