No estudo “Vulnerabilidade à Mudança do Clima”, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) analisou as doenças contraídas pela população do Amazonas nos períodos de secas e enchentes extremas e as relacionou com as taxas de desmatamento e queimadas nesses períodos no estado, que tem a maior cobertura vegetal da Floresta Amazônica atualmente.

Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)

A pesquisa também procurou fazer uma análise de como as pessoas estarão suscetíveis a serem impactadas pelas doenças ante as alterações climáticas (no regime de chuvas e na temperatura) em um cenário futuro entre os anos de 2041 a 2070.

A vazante (também chamada de seca) na bacia do Rio Amazonas e seus afluentes é um fenômeno natural que acontece todos os anos, entre os meses de junho a outubro, assim como a enchente (ou cheia), que ocorre de novembro a maio.

Segundo a pesquisa “Vulnerabilidade à Mudança do Clima”, nos eventos climáticos severos, como estiagem prolongada e altas temperaturas no período da vazante, as doenças de veiculação hídrica abatem mais a população, como a diarreia e a desidratação.

Já no período chuvoso e da enchente no Amazonas, os mosquitos vetores se proliferam aumentando os casos de doenças como dengue, malária e leishmaniose. Outra infecção comum nesta época é da leptospirose, ocasionada pelo contato do homem com água contaminada pela urina do rato e que, se não tratada, pode provocar a morte.

O objetivo do estudo, que foi publicado em setembro,  é subsidiar a implementação do Plano Nacional Brasileiro de Adaptação às Mudanças Climáticas, sob a responsabilidade do governo federal, e orientar as políticas dos governos estaduais visando à proteção da população em seus territórios, diz a Fiocruz.

Júlia Alves Menezes, pesquisadora da Fiocruz em Minas Gerais, e que coordenou os estudos sobre o Amazonas, afirma que para subsidiar o estudo foram utilizadas informações de pesquisas de diferentes instituições, incluindo os componentes ambientais, sociais, demográficos, epidemiológicos e climáticos. Segundo ela, o índice de exposição da população aos impactos da mudança climática global foi composto por um índice de cobertura vegetal e um índice de desastres naturais.

Os dados da cobertura vegetal, continua a pesquisadora, foram retirados do Prodes (Projeto de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, sediado em São Paulo. “E levou em conta o percentual de mata nativa que foi desmatada em cada um dos 62 municípios do Amazonas no período pesquisado [2003 a 2015]”, disse Menezes.

A pesquisadora afirma que no índice de desastres naturais o estudo considerou a suscetibilidade do município, o número de pessoas em risco por esse ciclo de fumaça (das queimadas) e também de chuvas da série histórica.

“E para ocorrência [da vulnerabilidade] nós consideramos o desflorestamento, enchentes e incêndios florestais que ocorreram em cada município e o número de mortes por esses eventos”, afirmou Júlia Alves Menezes.

A alta do desmatamento

O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), órgão da ONU, diz que as alterações nas chuvas, nos ventos e na temperatura no planeta pode ter causas naturais, mas há 90% de certeza de que ela é consequência da atividade humana. A pesquisa afirma que o desmatamento da Floresta Amazônica, por exemplo, aumenta a emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE) no mundo. O GEE influencia no aumento da temperatura média da superfície da Terra, chamado de aquecimento global, segundo o IPCC.

A taxa de desmatamento anual na Amazônia, entre os meses de agosto de 2014 a julho de 2015, foi divulgada nesta semana pelo Prodes. As áreas desmatadas na região somaram 6.207 quilômetros quadrados, um crescimento de 24% em relação ao período anterior. Neste mesmo período o Amazonas apresentou um crescimento na taxa de desmatamento de 42%, passando de 500 km2 para 712 km2.

O estudo “Vulnerabilidade à Mudança do Clima”, da Fiocruz, não fez uma análise direta sobre como o desmatamento e as queimadas alteram o clima e influenciam no desenvolvimento das doenças, mas apontou para fatores que podem afetar a saúde das pessoas. “Nós não fizemos essa relação direta [entre alterações do clima e doenças]. O que fizemos foi analisar algumas características do presente, como doenças, pobreza, disposição e cobertura florestal, e associar isso com o cenário climático”, disse Júlia Alves Menezes.

“Podemos dizer, sim, que as doenças estão associadas às mudanças climáticas, principalmente as doenças vetoriais que estão associadas a questões como aumento de temperatura e redução ou aumento do nível das chuvas”, completou ela.

A falta d´água

A pesquisadora Júlia Menezes lembra que uma das consequências da seca extrema no Amazonas é o esvaziamento dos poços artesianos, dificultando o acesso à agua potável. A população passa a buscar água em lugares longínquos e, muitas das vezes, o líquido está impróprio para o consumo e também contaminado por vetores.

“A probabilidade de se fazer uso desta água e ela não estar boa para o consumo, ser uma água insalubre, é muito maior. Na época de seca a gente consegue perceber, não estou falando só do Amazonas, o aumento de casos de doenças de veiculação hídrica”, afirma Júlia Menezes.

Ingerir água imprópria pode ter como um das consequências o desenvolvimento da hepatite, doença bastante comum nos estados da Amazônia.

Ao longo de 2016, a agência Amazônia Real publicou reportagens que relataram uma crise hídrica em cidades margeadas pelos rios da Bacia Amazônica. Populações ribeirinhas e de centros urbanos ficaram desabastecidas de água potável nos períodos da seca. A estiagem, segundo os cientistas entrevistados, teve relação com o fenômeno climático El Niño, que ganhou o nome de Godzilla por sua forte intensidade.

O intenso El Niño afetou no começo do ano o município de Presidente Figueiredo (distante 101 Km de Manaus). Lá, o abastecimento nas comunidades ribeirinhas foi por meio de caminhões-pipa da Defesa Civil. Nas mais distantes, onde não era possível nem mesmo essa assistência oficial, algumas famílias tiveram que deixar suas casas e migraram para o perímetro urbano do município.

29 anos de clima extremo

Segundo o estudo da Fiocruz, o Amazonas apresenta vulnerabilidade intermediária, índice que leva em consideração a população, o atendimento da rede de saúde, a infraestrutura e sua capacidade de resposta a desastres naturais, como a presença de Defesa Civil e Corpo de Bombeiros, nos 62 municípios ante os impactos das alterações no clima no cenário entre os anos de 2041 a 2070 para secas e enchentes.

Neste cenário, o estudo da Fiocruz projeta que na região nordeste do estado, que inclui a Região Metropolitana de Manaus (a capital e cidades como Presidente Figueiredo, Iranduba e Manacapuru, entre 18 no total), o incremento na temperatura será de até 5º. C. Assim como nas cidades da Calha do rio Purus: Lábrea, Boca do Acre e Pauini, no sul do estado.

Já na região sudeste, o estudo apresentou uma vulnerabilidade alta para os dias consecutivos secos (CDD) – este parâmetro indica a possibilidade de estiagens; para Atalaia do Norte, na fronteira com o Peru, com uma variação de 27,1% até 36,6% -o que aponta para períodos maiores sem chuva. É nesta região que vivem índios considerados isolados na Terra Indígena Vale do Javari.

A região Central e do Rio Negro (que compreende as cidades de São Gabriel da Cacheira e Santa Isabel do Rio Negro) foram as que apresentaram as menores alterações de CDD com um aumento da temperatura de até 3,5º C.

Na análise da redução das chuvas no cenário de extremo climático futuro do Amazonas, a Fiocruz indicou no estudo que na maior parte do estado poderá apresentar uma diminuição percentual da quantidade de chuvas. Isso significa que haverá mais secas extremas e prolongadas.

Conforme o estudo “Vulnerabilidade à Mudança do Clima”, a região sudeste do Amazonas será o mais prejudicada pela falta de chuvas com uma redução anual de 25,3% em Parintins, por exemplo. No sul do estado, Canutama aparece com índice de 14,3%.

Na região norte do Amazonas, por exemplo em Santa Isabel do Rio Negro, o estudo da Fiocruz aponta que haverá aumento das chuvas, com índice de 4,9%. A cidade enfrentará mais enchentes com transbordamentos dos rios e lagos, que causam danos sociais e econômicos às populações urbanas e ribeirinhas. No entanto, conforme a pesquisa, estaria menos adaptada para lidar com as mudanças do clima devido à inexistência de infraestrutura de saúde, como leitos hospitalares, o plano de contingência de desastres e a presença da Defesa Civil no município.

–  VER FOTOS EM: http://amazoniareal.com.br/fiocruz-diz-que-mudanca-climatica-compromete-saude-da-populacao-no-amazonas/  (disponível em: outubro 2016)

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