É bastante conhecida uma parábola que discute a aplicação de políticas públicas através da alusão a um rio. Conta-se que uma pessoa está sentada à beira de um rio, quiçá um pescador,  observando o movimento das águas e suas particularidades quando percebe uma pessoa lutando contra a correnteza sem sucesso, com risco de um afogamento iminente. 

Sem muito pensar, mergulha e nada até a pessoa com a finalidade de ajudá-la e efetuar o salvamento. A sensação do êxito é tão grande ao trazê-la para a margem do rio quanto o seu esforço. No momento seguinte, observa novamente a mesma cena com outra pessoa descendo o rio sem saber nadar e mergulha para o salvamento.

Ao chegar na margem verifica outra afogando-se… e outra… e outra… e sente que não tem capacidade de salvamento por si mesmo. Exausto, subitamente, chama por ajuda às pessoas da localidade e aos serviços de urgência e emergência disponíveis.

Os primeiros a atender esse chamado são pessoas simples da redondeza e capazes de oferecer as suas amadoras braçadas em favor do salvamento de desconhecidos.

Não demora a chegada de nadadores prontos ao salvamento com equipamentos, muitas vezes de alto custo, e veículos para os primeiros socorros necessários. Muitos foram salvos do afogamento!

Foi então que o rapaz que efetuou o primeiro salvamento preocupa-se com o que poderia estar ocorrendo rio acima, e vai verificar o que está acontecendo para que pessoas sadias que não sabem nadar estejam sendo jogadas no leito do rio, afogando-se e sendo levados pela correnteza.

Ao chegar na margem verifica outra afogando-se… e outra… e outra… e sente que não tem capacidade de salvamento por si mesmo. Exausto, subitamente, chama por ajuda às pessoas da localidade e aos serviços de urgência e emergência disponíveis.

Nessa parábola, o rio representa o distúrbio no processo saúde-doença e que provoca a necessidade de cuidados especializados em saúde. Cuidados que estão representados pelos esforços para salvar individualmente as pessoas “se afogando” rio abaixo.

A ideia de subir a margem do rio leva os profissionais em saúde a estudar como atingir um grande número de pessoas com uma medida capaz de evitar que elas sejam jogadas ao rio, já que não sabem nadar.

Os determinantes sociais da saúde estão em evidência nesta parábola, as chamadas “causas das causas”, e o seu combate deve ocorrer ao longo da margem do rio, sabendo-se que, quanto mais estivermos rio acima, maior será o volume populacional atingido para promoção de saúde e prevenção de doenças.

Quanto mais nos posicionamos rio abaixo, mais individualmente será a atenção à saúde, com grande demanda de atendimento clínico especializado e esforços significativos em recursos físicos, humanos e materiais.

Somado a este esforço indispensável, é de suma importância que a comunidade ribeirinha de Calama, na região amazônica, empodere-se no sentido de subir a margem do rio em favor de ações efetivas, em favor de medidas que atinjam a todos.

Esses esforços estão fortemente enlaçados à atenção primária à saúde, também conhecida por atenção básica, e, portanto, à Estratégia Saúde da Família.

Atenção à saúde também é fruto das lutas cotidianas da população, fator importante para a melhoria dos serviços de saúde disponíveis.

Um exemplo muito claro é a presença de uma unidade de saúde construída naquela comunidade. A Constituição Brasileira de 1988 passou a considerar a saúde como direito social de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas econômicas e sociais (artigo 196).

Atualmente, muitas políticas já existem e devem ser foco da liderança local, não somente para que haja profissionais de saúde atuando lá rotineiramente, mas que haja uma estratégia longitudinal de cuidado.

Um passo inicial interessante já foi dado com a inclusão do Programa de Agentes Comunitários de Saúde, primeira política institucionalizada pelo SUS para fortalecimento da atenção básica.

Um exemplo muito claro é a presença de uma unidade de saúde construída naquela comunidade. A Constituição Brasileira de 1988 passou a considerar a saúde como direito social de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas econômicas e sociais (artigo 196).

Esse programa se concretiza ao utilizar pessoas da própria comunidade para tal acompanhamento longitudinal, ao observar os determinantes sociais da saúde da comunidade e também de seus integrantes, favorecendo, assim, a manutenção da saúde, mas também prevenindo doenças, num autêntico trabalho de promoção de saúde das famílias e de baixo custo.

Obviamente, a presença de profissionais de saúde de forma planejada durante todo o ano é condição de suma importância para a mencionada saúde daquela população.

Assim, a medida de curto prazo seria importar recursos humanos especializados para a atenção básica, o que, com dificuldades e de forma intermitente, tem se efetivado através do programa federal Mais Médicos, mas ainda assim não há uma equipe mínima de saúde da família completa, com  médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem, e ainda com cirurgião-dentista, auxiliar em saúde bucal e agentes comunitários de saúde, e que poderia atingir toda a população ativamente.

A médio/longo prazo, à parte as dificuldades na área da educação, o incentivo à formação de profissionais de saúde filhos do distrito de Calama pode ser uma estratégia a ser considerada, pois atualmente os jovens daquela localidade ribeirinha têm acesso à educação em duas escolas que oferecem ensino infantil, fundamental e médio, o que poderia proporcionar longitudinalidade às atividades de prevenção de doenças, promoção, proteção e recuperação da saúde.

O Projeto FOB-USP em Rondônia tem sido sensível a essas necessidades ao prover atendimento clínico em odontologia e em fonoaudiologia, ao orientar um ambiente mais apropriado à manutenção da saúde. No entanto, essas ações precisam ser ampliadas em outros aspectos da atenção à saúde rio acima.

Roosevelt da Silva Bastos- FOB

Roosevelt da Silva Bastos é professor da Universidade de São Paulo na FOB-Bauru

 

 

 

VER MAIS EM:  Os desafios para subir a margem em Calama, Rondônia  

http://jornal.usp.br/artigos/os-desafios-para-subir-a-margem-em-calama-rondonia/