O Brasil se orgulha de ter diminuído o desmatamento na Amazônia no começo deste século: a área derrubada no ano passado foi 78% menor do que em 2004, ainda que o número tenha voltado a crescer nos últimos anos. Mas o país pode estar subestimando a extensão do fenômeno em suas estatísticas oficiais, a julgar pela conclusão de um estudo americano. Os autores estimaram que, entre 2008 e 2012, a área desmatada não computada pelo governo foi de cerca de 9 mil quilômetros quadrados, ou uma vez e meia a área derrubada em 2015.
Um artigo recém-publicado na revista Conservation Letters alega que o padrão de desmatamento na Amazônia está mudando para se concentrar nas áreas não levadas em conta pelo Prodes, o sistema de monitoramento a partir de imagens de satélite adotado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A derrubada, afirmam os autores, tem acontecido principalmente em trechos menores de 6,25 hectares, a unidade mínima considerada pelo sistema, e em zonas de floresta secundária, que cresce em áreas que já tinham sido desmatadas. (Essas áreas são desprezadas pelo Prodes, que só mede a perda de floresta primária.)
Imagem de satélite da floresta amazônica no Mato Grosso. As áreas em azul correspondem ao desmatamento identificado pelo Prodes; os pontos amarelos e as áreas em preto correspondem a derrubadas não incluídas no cálculo oficial do desmatamento (foto: VanWey Lab / Brown University).
Para calcular o desmatamento que está ficando de fora das estimativas oficiais, os pesquisadores compararam os números do Prodes com os de outros sistemas de monitoramento, como o Global Forest Change (GFC), iniciativa que mapeia a cobertura vegetal em escala global. Uma das autoras do estudo, a demógrafa Leah VanWey, da Universidade Brown, explicou que o GFC calcula a percentagem de cobertura vegetal de uma determinada área e, por isso, permite calcular a derrubada de trechos não computados pelo Prodes.
“As florestas secundárias não são tão ricas ou diversas quanto as primárias, mas têm biomassa e liberam gases do efeito estufa quando são cortadas”, afirmou VanWey numa entrevista ao blog. A autora defendeu que a tecnologia de monitoramento seja aprimorada para se adequar aos padrões observados. “Precisamos de um sistema que contemple as novas realidades do desmatamento.”
O estudo foi recebido com críticas pela equipe do Inpe responsável pelo gerenciamento do Prodes. O especialista em sensoriamento remoto Dalton Valeriano reconheceu uma mudança no padrão do desmatamento na Amazônia, mas negou que ele esteja passando despercebido. Valeriano afirmou que o Inpe recorre a uma série de outros sistemas além do Prodes, e que desde 2011 monitora a derrubada de mata em áreas menores que 6 hectares e repassa a informação aos órgãos de fiscalização. “Isso invalida a ideia de que não estamos pegando desmatamento pequeno”, afirmou.
De acordo com o estudo da Conservation Letters, o desmatamento oculto não levado em consideração pelo Prodes também teria impacto no cálculo das emissões brasileiras que contribuem para o aquecimento global. Na prática, o país estaria lançando na atmosfera mais gases do efeito estufa do que informa em seu inventário nacional (a última versão foi divulgada em maio). O coordenador do inventário, Márcio Rojas da Cruz, contestou a alegação e afirmou que o cálculo considera, sim, a derrubada de floresta secundária. “O Prodes é importante, mas está longe de ser o único instrumento usado para estimar as emissões por desmatamento”, afirmou ao blog.
O especialista em sensoriamento Carlos Souza Jr., pesquisador do Imazon que não tem ligação com o governo e não participou do estudo, disse julgar plausível a hipótese de que o desmatamento na Amazônia esteja se deslocando para áreas de floresta secundária. Mas ressaltou que o estudo não deveria ter se limitado a examinar o papel do Prodes no controle do desmatamento. “Faltou contar a história completa dos esforços adicionais de monitoramento no Brasil”, afirmou.
Por: Bernado Esteves
Fonte: Revista Piauí
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