Em Alto Boa Vista, cidade que tem mais tratores do que ônibus, toda a elite local, formada por políticos, funcionários públicos, pequenos empresários e produtores, teve algum envolvimento direto nos desdobramentos recentes. A economia do município levou um tombo com o fim do Posto da Mata e a consequente saída dos produtores. Segundo Leuzipe Domingues Gonçalves (PMDB), prefeito da cidade, a arrecadação encolheu quase 80%.
O laticínio Piracanjuba, que também foi retirado do Posto da Mata, produzia uma média diária de 40 mil litros de leite. Antes de 2012, a prefeitura de Alto Boa Vista tinha em seus cadastros cerca de 200 mil cabeças de gado, 90% dentro da terra indígena. Atualmente são pouco mais de 14 mil.
A operação que retirou da área os não indígenas foi feita sem nenhum planejamento do governo federal. Os moradores pobres, abandonados pelos grandes produtores que foram embora, terminaram desamparados.
“Primeiro foi feita a retirada, para só depois promover o assentamento. Realmente o governo errou”, admite Alexandre Croner de Abreu, da Funai.
Segundo o Incra, 271 famílias foram cadastradas no órgão para serem reassentadas, mas, como não havia uma área definida entre 2012 e 2013, muitas se mudaram por conta própria para municípios e povoados da região ou foram abrigadas em escolas de Alto Boa Vista. De acordo com a prefeitura local, o município passou a gastar mais com assistência social e atendimento psicológico.
Somente em 2014 decidiu-se por uma área rural em Alto Boa Vista para reassentar as famílias retiradas da terra indígena. Chamado de Casulo, o reassentamento é um exemplo do descaso do poder público com as famílias. O investimento do Incra foi de R$ 310.400, mas no local não há saneamento, água ou energia. O órgão informou em nota que no Casulo há 97 famílias assentadas, mas a reportagem contou apenas sete casas construídas – algumas pelo próprio morador, sem contar com a ajuda do Estado.
É o caso do agricultor Jerônimo Lourenço da Silva, 77 anos, que vive só na área desde que ela foi aberta, em 2014. “Fui tapeado por muito tempo. Os grandes produtores seguravam os pequenos para fazer a vontade deles”, lamenta o agricultor, que viveu por 12 anos na área indígena. Vários posseiros disseram à Justiça que eram ameaçados pelos latifundiários caso eles quisessem sair das terras dentro da Marãiwatsédé.
Jerônimo conta ter chegado ao Posto da Mata em 2000, quando, afirma, adquiriu um pequeno pedaço de terra, de 16 alqueires, em troca de seis vacas prenhes. “Fizeram muitas travessias com a gente no Posto da Mata. Nossa ignorância era grande. Eu mesmo tive oportunidade de sair para outro assentamento, mas os produtores não deixavam ninguém sair de lá. Parecia uma escravidão”, diz resignado.
Nos últimos dois anos, Jerônimo viveu num barraco de madeira, levantado por ele, com uma cama improvisada, fogão e objetos de seu trabalho na roça, cuidada por ele – há frutas, legumes e raízes como mandioca, além das galinhas que ficam soltas pelo terreno. Na segunda semana de julho, quando a reportagem da Pública o visitou, ele tinha acabado de se mudar para um barracão de tijolos, de dois ambientes (sem banheiro e cozinha), que ele construiu no lote com a ajuda de amigos. A luz vem de um gato improvisado, e a água, ainda inexistente no bairro, ele pega dos caminhões da prefeitura que visitam o bairro semanalmente.
Em nota, o Incra afirmou que há processos em tramitação para obter dois imóveis rurais no município de Vila Rica, ao norte de Alto Boa Vista, para reassentar as demais famílias cadastradas.
“Para você ver como é o povo: foi Fernando Henrique Cardoso quem homologou a área, mas todo mundo põe a culpa na Dilma”, diz Leuzipe, prefeito de Alto Boa Vista, ao comentar o ressentimento local contra a ex-presidente, a mandatária que menos terras indígenas homologou no país desde a redemocratização.
Leuzipe foi um dos produtores atraídos para a área, chegando à região em 1994, após ter comprado o direito de posse de três posseiros. “Eram uns 400 hectares de uma terra onde ficava a fazenda Suiá-Missu”, conta. Ao deixar o local, vendeu suas 429 cabeças de gado. “Infelizmente só sobrou uma multa”, diz sobre a cobrança do Ibama, no valor de R$ 828 mil, por ele ter desmatado a área.
pesar do ressentimento com o PT, a ação de retirada, cumprida pelo governo Dilma, foi autorizada pelo STF após parecer da Procuradoria-Geral da República. Segundo o pedido, os xavantes, por mais de 20 anos, “resistiram pacificamente ao esbulho de suas terras, sempre confiantes no Judiciário”, enquanto os invasores “reagiram de forma violenta ao primeiro sinal de execução do acórdão que lhes foi desfavorável”.
O ex-ministro do STF Carlos Ayres Britto, que concedeu a liminar determinando a retirada dos não indígenas, afirmou que, por mais de 50 anos, os xavantes sofreram com “atos de reconhecida má-fé por parte dos invasores”.
O advogado Luiz Alfredo Abreu, que é irmão da senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) e defende mais de 800 pessoas que moravam na área, todas ligadas à Aprosum, afirma que a decisão do Supremo foi uma “jogada do PT, que contou com a mão da Igreja”. “Esse Ayres Britto é um indigenista de carteirinha”, diz o advogado, que considera um absurdo o fato de os ex-ocupantes não terem sido indenizados ao sair da área.
Como a Justiça reconheceu que a ocupação da área foi de má-fé, nenhum ex-morador teve direito a reparação. “Havia todo tipo de gente no Posto da Mata, mas muitos eram bons”, ressalta o advogado. “As pessoas que saíram de lá tinham posse ou título da terra. Quer dizer que isso não vale nada? Cadê a segurança jurídica? Espero que possamos reverter isso no STF”, completa.
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FONTE: http://apublica.org/
NOTA
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