Os grupos indígenas brasileiros estão mais ameaçados hoje que há 30 anos, a demarcação de terras está estagnada, os governos do PT enfraqueceram a Funai e as iniciativas adotadas pelo governo de Michel Temer podem aprofundar ainda mais essa crise.
Quem faz o alerta é a Organização das Nações Unidas (ONU) que, em um informe publicado nesta quinta-feira (1º), aponta que até mesmo o número de assassinatos de líderes indígenas subiu de 92 em 2007 para 138 em 2014. “Hoje, os povos indígenas encaram riscos mais profundos que no momento da adoção da Constituição em 1988”, alerta a entidade. O informe foi produzido pela relatora da ONU para o Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz.
Ela esteve no Brasil em março deste ano, ainda sob o governo de Dilma Rousseff e constatou que o governo do PT deixou pendente cerca de 20 demarcações de terras que aguardam ratificação presidencial e ou declarações ministerial. Mas se o raio-x mostra um fracasso da política de proteção indígena no Brasil, ela também alerta para o fato de que propostas do novo governo não vão na direção esperada.
O governo brasileiro poderá responder ao informe no final de setembro, quando o relatório será oficialmente apresentado durante o Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra.
Segundo Victoria Tauli-Corpuz, o Brasil chegou a ser um dos líderes mundiais em demarcação de terras. Mas nos últimos oito anos, houve uma “alarmante ausência de progresso”. “Informações apontam para uma regressão preocupante na proteção dos índios”, afirmou. “No contexto político atual, as ameaças que enfrentam esses povos podem ser acentuadas e sua proteção a longo prazo sob risco”, disse.
Em seu informe, ela se diz “preocupada com o fato de que a crise política e econômica sirvam para tornar os problemas e direitos desses povos mais invisíveis e menos significativos”. Alertando para uma “discriminação estrutural” contra indígenas no Brasil, a ONU deixa claro que a decisão de Temer de acabar com o Ministério de Direitos Humanos está sendo acompanhada com preocupação.
Grupos indígenas teriam alertado sobre “potenciais implicações para seus direitos e outras medidas que estariam sendo consideradas sobre a demarcação de terras “. “A relatora compartilha das preocupações e medos sobre regressões em proteções legais e institucionais”, indicou. A mudança de estruturas do governo, segundo a ONU, não pode resultar em um golpe contra a proteção de direitos humanos.
“A relatora especial considera o fim do Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos uma regressão significativa no compromisso do Brasil em proteger direitos humanos”, indica o informe. “Isso pode ter um profundo impacto sobre os povos indígenas”, alertou a relatora, que também se diz preocupada com o futuro do Conselho Nacional de Direitos Humanos.
Ela afirmar estar “particularmente preocupada diante de informes de que o governo está considerando reverter as ratificações e declarações de terras indígenas implementadas por governos anteriores”. Isso poderia incluir Cachoeira Seca, no Pará, Piaçaguera, em São Paulo, e Pequizal do Naruvotu, no Mato Grosso.
A ONU também se diz consternada diante do questionamento que sua visita levantou em deputados, que pediram para saber quem estaria em sua missão ao Brasil. “A convergência desses e outros fatores podem ter um impacto negativo nos direitos dos povos indígenas”, insistiu. Ela apela para que o governo passe a dialogar com a ONU sobre a crise vivida pelos povos no Brasil.
Funai
Outra preocupação da ONU se refere aos cortes orçamentários na Funai, que tem sido “debilitada ao ponto que ela pode não mais ser capaz de cumprir seu mandato”. “No lugar de fortalecida, a Funai tem sido enfraquecida”, constata.
A entidade também questiona os critérios políticos da escolha do presidente da entidade e sua autonomia. “Medidas propostas recentemente para reduzir o orçamento da Funai vão contra os interesses dos povos indígenas. Se a entidade não for apoiada, corre-se o risco de regressões”, indicou a relatora, que afirma que visões discriminatórias e paternalistas podem ganhar terreno.
“Muitos avaliam o enfraquecimento institucional da Funai como um sintoma da resistência do Estado em ter uma nova relação com os povos indígenas”, indicou. No informe, a ONU apela para que o governo repense a decisão de cortar dinheiro para a Funai.
Demarcação
Para a ONU, a prioridade de Temer deve ainda ser a de concluir o processo de demarcação de terras, abandonado há anos. Sem uma definição sobre essa questão, o resultado tem sido o aumento da violência, afetando principalmente os Guarani-Kaiowá e Terena no Mato Grosso do Sul, os Pataxó e Tupinambá na Bahia, os Arara e Parakanã no Pará, e os Ka’apor no Maranhão.
No raio-x feito sobre o problema, a ONU estima que a estagnação ocorre por conta da “debilitação da Funai” e da “falta de vontade política no nível ministerial e presidencial”. Por conta disso, solicita ao governo que conclua de forma urgente a demarcação no Mato Grosso do Sul, Bahia, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, principalmente em áreas hoje ameaçadas por projetos extrativistas.
Dois desses projetos seriam de maior urgência para a relatora da ONU: a usina de Belo Monte e de São Luiz do Tapajós. Segundo a organização, as consultas com lideranças locais não resultaram em políticas que tenham levado em conta o ponto de vista das comunidades afetadas. Além disso, as medidas propostas para mitigar o impacto não seriam suficientes.
“A falta de consultas é altamente problemática, dada a tentativa do Congresso Nacional em enfraquecer as proteções dos direitos desses povos e de propostas por medidas legislativas que teriam impacto direto sobre os índios”, indicou. Uma dessas propostas seria a Emenda Constitucional PEC 215, que transformaria o reconhecimento do direito da terra e o novo código de mineração. A ONU também alerta sobre propostas para acelerar procedimentos de licenciamento de mega-projetos.
Violência
Na avaliação da entidade, o resultado do atual cenário é a explosão de violência em muitas zonas. O local mais perigoso para grupos indígenas é o Mato Grosso do Sul, mas também o Pará. Não apenas assassinatos são registrados, mas ainda prisões arbitrárias. Na Bahia foram registrados também padrões de ameaças e intimidações. Para a ONU, programas de defesa de ativistas de direitos humanos não têm conseguido chegar aos líderes indígenas.
A falta de confiança em agentes da polícia, segundo a ONU, vem ainda do envolvimento de forças de ordem em incidentes de violência. “Na maioria dos casos, a impunidade permite as práticas violentas contra essas povos”, disse.
Conclusões
Em um tom alarmante, a ONU conclui seu informe apontando que os povos indígenas brasileiros enfrentam “sérios desafios” e que isso é resultado da discriminação cada vez maior, da falta de demarcação de terras, das ameaças sofridas por líderes, assassinatos e um novo de projetos cada vez maior ao lado de terras protegidas.
Alertando para a falta de um consciência nacional da importância dos grupos indígenas, a ONU ainda alerta que o Brasil tem “uma dívida histórica” com essas tribos que sofreram “marginalização e discriminação desde a formação do estado”. Mas a entidade aponta que, hoje, essa situação não caminha para ser superada.
Por: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo
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