O EIA presume que o rio e seus recursos, tais como peixes, permanecerão essencialmente inalterados, implicando que os Munduruku e pescadores não-indígenas ribeirinhos não têm motivos para se preocuparem com seus meios de subsistência, pois estes não serão afetados. O EIA assegura-nos:
“Consideram-se …. A baixa expectativa de que altere significativamente as condições naturais dos ambientes aquáticos” ([1], Vol. 3, p. 170).
Observe que o EIA pressupõe também que os ecossistemas terrestres não serão afetados pela barragem e que, implicitamente, não há nenhuma necessidade de medidas para prevenir perdas destes ecossistemas e os consequentes impactos socioeconômicos. O EIA afirma:
“Meio físico: as condições diagnosticadas indicam grande estabilidade no cenário atual com redução da taxa de desmatamento …” ([1], Vol. 3, p. 170).
“Espera-se redução das taxas de abertura de áreas desflorestadas” ([1], Vol. 3, p. 171).
“Não se registrou projetos de aberturas de novas rodovias na escala da bacia” ([1], Vol. 3, p. 171).
A reconstrução da BR-163 aparentemente está sendo ignorada por definição por não ser considerada uma rodovia “nova”. Entre os maiores impactos do desmatamento seria a degradação dos ecossistemas aquáticos. No entanto, o EIA nos assegura que nenhuma degradação é provável como resultado do desmatamento:
“Os impactos incidentes sobre o meio físico, a alteração da comunidade aquática apresenta potencial para interagir e influenciar (intensificando, na maioria dos casos) outros impactos, tais como: alteração da comunidade aquática e alteração dos estoques pesqueiros (biótica). Conquanto, atualmente as condições atuais permitem estimar que a condição mantenha-se estável em função da baixa pressão exercida pela ocupação antrópica …” ([1], Vol. 3, p. 172).
A área ao longo da rodovia BR-163 tem sido um dos focos de desmatamento na Amazônia nos últimos anos (e.g., [2]). Esta área está adjacente ao lado leste da proposta TI Sawré Muybu. Um estudo pelo Instituto do Homem e o Meio Ambiente da Amazônia (IMAZON) projeta um desmatamento substancial associado com todas as barragens do Tapajós [3, 4].
PHILIP M. FEARNSIDE
NOTAS
[1] CNEC Worley Parsons Engenharia, S.A. 2014. EIA: AHE São Luiz do Tapajós; Estudo de Impacto Ambiental, Aproveitamento Hidrelétrico São Luiz do Tapajós. CNEC (Consórcio Nacional dos Engenheiros Consultores), São Paulo, SP. 25 Vols. + anexos. http://licenciamento.ibama.gov.br/Hidreletricas/São%20Luiz%20do%20Tapajos/EIA_RIMA/
[2] Victor, A.; C. Souza Jr. & A. Veríssimo. 2014. Forest Transparency, Brazilian Amazon, July 2014. Instituto do Homem e Meio Ambiente na Amazônia (IMAZON), Belém, Pará. 10 p. http://imazon.org.br/PDFimazon/Ingles/forest_transparency/SAD-July2014.pdf
[3] Barreto, P., A. Brandão Jr., S.B. Silva & C. Souza Jr. 2014. O risco de desmatamento associado a doze hidrelétricas na Amazônia. p. 147-173 In: de Sousa Júnior, W.C. (ed.). Tapajós: hidrelétricas, infraestrutura e caos: elementos para a governança da sustentabilidade em uma região singular, 1a. ed. ITA/CTA, São José dos Campos, SP. 192 p. http://www.bibl.ita.br/download/Tapajos_Ebook.pdf
[4] Isto é uma tradução parcial de Fearnside, P.M. 2015. Brazil’s São Luiz do Tapajós Dam: The art of cosmetic environmental impact assessments. Water Alternatives 8(3): 373-396, disponível aqui. As pesquisas do autor são financiadas por: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (processos nº305880/2007-1, nº304020/2010-9, nº573810/2008-7, nº575853/2008-5), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) (processo nº 708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ13.03). O Greenpeace custeou despesas de viagem no Tapajós [5]. M.A. dos Santos Junior fez os mapas. N. Hamada e P.M.L.A. Graça contribuíram comentários. Agradeço especialmente aos Munduruku.
[5] Fearnside, P.M. 2015. Impactos nas comunidades indígenas e tradicionais. p. 19-29 In: R. Nitta & L.N. Naka (eds.) Barragens do rio Tapajós: Uma avaliação crítica do Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) do Aproveitamento Hidrelétrico São Luiz do Tapajós. Greenpeace Brasil, São Paulo, SP. 99 p. http://greenpeace.org.br/tapajos/docs/analise-eia-rima.pdf
VER MAIS EM:
Leia os artigos da série:
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 1 – Resumo da série
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 2 – O processo de licenciamento na teoria
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 3 – O processo de licenciamento na prática
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 4 – O deslocamento de populações indígenas
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 5 – O direito de “consulta” dos povos indígenas
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 6 – O bloqueio do reconhecimento da terra indígena
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 7 – A barragem e o enfraquecimento da FUNAI
A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 8 – Os Munduruku desistem de uma FUNAI inexistente
Philip M. Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis neste link.
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