Povos indígenas e tradicionais afetados têm o direito de “consulta”. O Brasil é signatário da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) [1]. “Consulta” é muito diferente de uma audiência pública, sendo que significa que as pessoas consultadas têm uma voz na decisão real, ou seja, se deve ou não construir a barragem, em vez de fazer sugestões sobre mitigação ou compensação para um projeto que já foi decidido (ver: [2]). A Convenção afirma:

“… eles devem participar na formulação e na implementação de planos e programas para o desenvolvimento nacional e regional, que podem afetá-los diretamente” (OIT Convenção 169, Artigo 7.1).

A OIT tem clarificado que isto não dá aos povos indígenas o poder de veto sobre projetos de desenvolvimento, mas exige uma voz real nas decisões iniciais:

“A Convenção requer que os procedimentos estejam em operação através dos quais os povos indígenas e tribais tenham uma chance realista de afetar o resultado – ela [a Convenção] não requer que o consentimento deles às medidas propostas seja necessário.” [2].

No entanto, outros questionam como o “consentimento” pode significar qualquer coisa que não seja o direito de dizer “não” (e.g., [3]).

O texto principal do EIA menciona a OIT-169 de passagem ([4], Vol. 2, p. 86), mas deixa de afirmar a necessidade de consulta nestes termos. O anexo sobre o “componente indígena”, que foi adicionado ao EIA vários meses depois do restante do relatório ter sido concluído, reproduz o texto de OIT-169 ([4], Vol. 22, Anexo Geral, p. 28-31).

No entanto, a discussão no texto centra-se apenas sobre a necessidade de meios culturalmente adequados para realizar a consulta, sem nenhuma indicação de que o resultado pode ser um fator decisivo em permitir que o projeto de construção da barragem prosseguisse. As disposições da Convenção OIT-169 foram transformadas em lei brasileira através do Decreto No. 5.051 de 19 de abril de 2004 [5]. Os Mundurukus não foram consultados sobre os projetos de barragem [6].

NOTAS

[1] ILO (International Labor Organization). 1989. C169 – Indigenous and Tribal Peoples Convention, 1989 (No. 169). http://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:C169

[2] ILO (International Labor Organization). 2005. Contribution of the ILO. International Workshop on Free, Prior and Informed Consent and Indigenous Peoples (New York, 17-19 January 2005). PFII/2005/WS.2/4. United Nations Department of Economic and Social Affairs, Division for Social Policy and Development, Secretariat of the Permanent Forum on Indigenous Issues, New York, NY, E.U.A. http://www.un.org/esa/socdev/unpfii/documents/workshop_FPIC_ILO.doc

[3] Esteves, A.M., D.Franks & F. Vanclay. 2012. Social impact assessment: The state of the art. Impact Assessment and Project Appraisal 30(1): 34-42. doi: 10.1080/14615517.2012.660356

[4] CNEC Worley Parsons Engenharia, S.A. 2014. EIA: AHE São Luiz do Tapajós; Estudo de Impacto Ambiental, Aproveitamento Hidrelétrico São Luiz do Tapajós. CNEC (Consórcio Nacional dos Engenheiros Consultores), São Paulo, SP. 25 Vols. + anexos. http://licenciamento.ibama.gov.br/Hidreletricas/São%20Luiz%20do%20Tapajos/EIA_RIMA/

[6] Isto é uma tradução parcial de Fearnside, P.M. 2015. Brazil’s São Luiz do Tapajós Dam: The art of cosmetic environmental impact assessments. Water Alternatives 8(3): 373-396, disponível aqui. As pesquisas do autor são financiadas por: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (processos nº305880/2007-1, nº304020/2010-9, nº573810/2008-7, nº575853/2008-5), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) (processo nº 708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ13.03). O Greenpeace custeou despesas de viagem no Tapajós [7]. M.A. dos Santos Junior fez os mapas. N. Hamada e P.M.L.A. Graça contribuíram comentários. Agradeço especialmente aos Munduruku.

[7] Fearnside, P.M. 2015. Impactos nas comunidades indígenas e tradicionais. p. 19-29 In: R. Nitta & L.N. Naka (eds.) Barragens do rio Tapajós: Uma avaliação crítica do Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) do Aproveitamento Hidrelétrico São Luiz do Tapajós. Greenpeace Brasil, São Paulo, SP. 99 p. http://greenpeace.org.br/tapajos/docs/analise-eia-rima.pdf

 

 

PHILIP M. FEARNSIDE

Leia o primeiro artigo da série:

A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 1 – Resumo da série

A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 2 – O processo de licenciamento na teoria

A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 3 – O processo de licenciamento na prática

A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 4 – O deslocamento de populações indígenas

 

Philip M. Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis neste link.

 

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