Em Manaus, alimentos que chegavam em quatro dias demoram agora o dobro do tempo e podem ficar mais caros. Em Rio Branco, poços secaram e existe risco de racionamento. Mais raso, o rio Madeira, de Rondônia ao Amazonas, está com a navegação limitada durante a noite.
Motivo de orgulho nacional, exaltada na abertura da Olimpíada na última sexta-feira (5), a Amazônia, em sua região sul, sofre um recorde histórico de estiagem.
O fenômeno El Niño, iniciado em 2015, tem sido o principal responsável pelos impactos na área. Há também os efeitos da pecuária em margens de rios, que destrói a mata ciliar, além do desvio de igarapés para abastecer fazendas próximas.
O rio Acre, única fonte de captação de água em Rio Branco, está no nível mais baixo dos últimos 40 anos, quando começaram as medições.
Na manhã desta segunda (8), ele alcançou a marca de 1,36 m o recorde era de 1,5 m, em 2011. A situação já é crítica antes mesmo do tradicional período de pico, entre o fim de agosto e setembro.
Em Rondônia e Amazonas, os rios também não tinham atingido níveis tão preocupantes no período desde 1970.
A capital do Acre, com 371 mil habitantes, cogita pela primeira vez em sua história racionamento de água. A captação nos mananciais já está no limite crítico de 1.300 litros por segundo abaixo disso, rodízio de água nos bairros será inevitável.
Um possível racionamento afetaria mais da metade dos habitantes de Rio Branco. Poços artesianos também já estão comprometidos diante da estiagem.
Todos os dias recebemos dezenas de pedidos de pessoas que pedem para ter as casas ligadas ao sistema, porque os poços secaram, afirma Edvaldo Magalhães, diretor-presidente do Depasa, o departamento estadual responsável pelo serviço.
NAVEGAÇÃO RESTRITA
O rio Madeira, em Rondônia, também alcançou níveis baixos, de 3,01 m, fora do esperado para o período. Com a situação, a Marinha limitou a navegação de embarcações de carga durante a noite, por risco de ficarem presas em bancos de areia.
O trecho limitado segue de Porto Velho a Humaitá (AM). A Capitania Naval da Amazônia Ocidental não descarta a possibilidade de restringir a navegação noturna em outros trechos, bem como estender o limite para navios de passageiros.
Um dos reflexos é a viagem mais demorada de pessoas e de alimentos pelos rios, que são a principal estrada na região Norte do país.
Uma viagem entre as capitais Porto Velho e Manaus, que durava quatro dias, passou para sete. No sentido inverso, a demora é ainda maior: de oito para 15 dias. Das cargas que chegam a Manaus como gêneros alimentícios, grãos e material de construção, 40% dependem do rio Madeira.
O Sidarma, sindicato das empresas de transporte fluvial do Amazonas, já prevê alta de preços. O que pode acontecer é um aumento no valor do frete e isso ser repassado para o consumidor final, afirma o vice-presidente, Claudomiro Carvalho.
De acordo com o dirigente, empresas já estão reduzindo lucros, porque precisam transportar até 30% a menos de mercadoria, com a intenção de evitar acidentes.
Mesmo durante o dia, muitas encalham em bancos de areia, e é preciso o serviço de transbordo, quando a carga de uma balsa é levada para outra para reduzir o peso.
A estiagem também é uma ameaça ao colapso no fornecimento de gás, diesel e gasolina de uma refinaria da Petrobras em Coari (AM). Ela é a principal a abastecer os Estados do Acre e Rondônia com os três produtos.
EL NIÑO
O fenômeno El Niño é apontado como principal fator para a seca no sul amazônico. Mas a ação humana, ao desviar leitos para abastecer fazendas e destruir a mata ciliar para pastagens, agravam a estiagem na região.
“A estação chuvosa já foi mais seca, e quando se entra na estação seca ela fica mais intensa do que o normal, devido ao aquecimento dos oceanos, o El Niño no Pacífico, um pouco do Atlântico e o Pacífico Norte, perto da costa da Califórnia”, diz a pesquisadora Liana Anderson, do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais).
Segundo dados do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), as chuvas nos meses de junho e julho no Acre ficaram abaixo da média do período nos últimos anos –inclusive em relação a 2005, quando o Estado teve sua pior crise de incêndios florestais, com quase 10 mil focos.
“Uma coisa que alguns estudos já apontaram é para o aumento da estação seca na Amazônia. Isso significa que as chuvas que deveriam chegar em outubro estão atrasando. A estação seca está demorando mais para terminar”, afirma Liana.
O Cemaden avalia que a estiagem de 2016 pode provocar grandes impactos sociais e econômicos para o Acre, em especial na produção rural.
Dados do Centro de Monitoramento de Queimadas do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) apontam que o número de focos de calor no Acre, em julho, cresceu 44% em comparação com o mesmo mês de 2005, ano do pico das queimadas.
No Acre, a seca também foi intensificada pelo impacto da pecuária nas margens do rio homônimo, que resulta na destruição da mata ciliar. Também é apontado como causa para o agravamento da seca o desvio de igarapés e outras nascentes para fornecer água para abastecer o açude das fazendas da região.
Por: Fabio Pontes
Fonte: Folha de São Paulo
VER GRÁFICOS E MAPAS EM:
http://amazonia.org.br/2016/08/estiagem-historica-atrasa-comida-e-ameaca-agua-em-regiao-amazonica/
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