Questões relacionadas à saúde, ao território e às necessidades dos Tyohom Dyapá de recente contato foram debatidas nos quatro dias de evento

Entre os dias 12 e 16 de julho, caciques, lideranças e representantes do povo Kanamari – que se autodenomina Tüküna – de 21 aldeias localizadas nas bacias dos rios Jutaí, Juruá e Itacoaí, nas Terras Indígenas (TIs) Kanamari do Rio Juruá, Mawetek e Vale do Javari, se reuniram para o VII Encontro Geral do Povo Tüküna na Aldeia São Luís, TI Vale do Javari.

Organizada pela Associação do Povo Kanamari do Vale do Javari (AKAVAJA) e apoiada pelo Centro de Trabalho Indigenista (CTI) por meio do Projeto de Proteção Etnoambiental de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato na Amazônia Brasileira, a reunião é um importante espaço de troca de informações e fortalecimento de relações do povo Kanamari, e faz parte de um processo de articulação entre suas aldeias e organizações em diferentes TIs e bacias hidrográficas. Esta edição avaliou as principais demandas e propostas discutidas nos dois anos anteriores, que não ainda foram atendidas.

Segundo a Carta Final do encontro, persiste uma situação de descumprimento generalizado de direitos básicos do povo Kanamari – como saúde, integridade territorial e educação – por parte do Estado brasileiro, principalmente nas regiões do vale do Juruá e Jutaí. Questões como a grave situação de saúde, a falta de atuação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) nas aldeias e a necessidade urgente de fortalecimento da atuação da Funai na região do médio Juruá foram retomadas e são tidas como prioritárias.

A maioria das aldeias do povo Kanamari na área de atuação do Distrito Sanitário Especial Médio Rio Solimões e Afluentes (DSEI-MRSA/SESAI) segue sem assistência permanente à saúde, sendo obrigadas a fazer viagens de dias por rios e varadouros para as cidades mais próximas, como Eirunepé, Itamarati e Jutaí, em busca de atendimento.

Diante deste quadro, debateu-se novamente a necessidade de criação de um Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) na região do médio rio Juruá, além da formação continuada de Agentes Indígenas de Saúde (AIS) Kanamari e da criação de Unidades Básicas de Saúde Indígena (UBSIs) nas aldeias. “Temos profissionais de saúde, mas não temos materiais, nem local de trabalho e nem medicamentos. Os profissionais ficam pouco tempo nas aldeias, pois não existe estrutura para trabalhar”, afirma Kaiawe Andrerlene Kanamari, representante do Conselho Indígena dos Kanamari do rio Jutaí e Juruá (CIKAJU).

Foi colocada ainda a necessidade de tratamento das crianças Kanamari com desnutrição e a urgência da realização de testes rápidos para diagnóstico de hepatites virais e outras doenças sexualmente transmissíveis (DST) em toda a população Kanamari. Outra questão tratada foi a perfuração de poços pela SESAI nas aldeias que têm dificuldade de acesso a água potável: diante do não atendimento de reiteradas demandas dos Kanamari nos últimos anos ao órgão responsável pela abertura de poços, missionários evangélicos têm utilizado esta questão como pretexto para ingressar nas aldeias.

Alguns dos pontos de maior gravidade discutidos neste e nos dois encontros anteriores dizem respeito à situação dos Tyohom Dyapá*, povo de recente contato que vive na aldeia Jarinal, alto rio Jutaí. Em 2014, após denúncias da AKAVAJA e CIKAJU, foi instaurado um Inquérito Civil Público pelo Ministério Público Federal (MPF) para investigar a situação de omissão da SESAI no atendimento a esse povo, que resultou em um plano de trabalho apresentado pela Secretaria, mas que nunca chegou a ser cumprido. “Em 2015 foram entregues a todas as instituições competentes documentos que denunciam a precariedade de atendimento à saúde dos indígenas Tyohom Dyapá e até agora nada foi feito”, informa Kora Kanamari, da AKAVAJA.

A falta de estrutura da Funai na região é outra questão que tem preocupado os Kanamari, e que contribui para a manutenção de alto grau de discriminação a indígenas e de invasões de seus territórios nos municípios da região do médio Juruá. O órgão dispõe de uma Coordenação Técnica Local (CTL) sediada em Eirunepé com apenas dois servidores para trabalhar junto a 70 aldeias dos povos Kanamari, Tyohom Dyapá, Kulina e Deni, que juntos somam uma população de aproximadamente cinco mil pessoas.

Além da estruturação desta CTL, os Kanamari reivindicam há anos a criação de mais coordenações técnicas locais e de uma Coordenação Regional da Funai na região do Médio Juruá, além da atuação da Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari junto aos Tyohom Dyapá em caráter permanente.   

“Os Kanamari e Tyohom Dyapá de recente contato vivem nesta região sem qualquer atendimento à saúde, expostos a invasões e diversas formas de discriminação e violência. Até o momento não foi atendida nenhuma das demandas e propostas apresentadas por nosso povo nos documentos encaminhados em julho de 2014 e 2015 para diversos órgãos de Estado, bem como durante a Conferência Nacional de Política Indigenista”, diz um trecho do documento final.

Outras questões reiteradas no encontro foram as reivindicações por demarcação de Terra Indígena na região do baixo Jutaí e de reestudo de limites da TI Kanamari do Rio Juruá, onde parte do território do povo Kanamari encontra-se sem reconhecimento por parte do Estado; a necessidade de formação continuada dos professores Kanamari, junto com acompanhamento pedagógico nas aldeias e produção de material didático específico de seu povo; e a necessidade de criação de mecanismos de atendimento específicos para o acesso a direitos e programas sociais por parte dos Kanamari.

*Também se pode encontrar a grafia do nome como ‘Tsohom Djapá’ ou Tukano, da família linguística Katukina. A forma utilizada nesta nota observa a grafia construída pelos próprios professores Kanamari em oficina de linguística realizada pelo CTI.

Acesse aqui a íntegra da Carta Final do encontro.

Letícia Leal

FONTE: CTI http://trabalhoindigenista.org.br/noticia/vii-encontro-geral-t%C3%BCk%C3%BCna-kanamari-refor%C3%A7a-demandas-por-direitos-b%C3%A1sicos