O Serviço Florestal Brasileiro enviou uma nota à redação questionando alguns pontos da reportagem ” Manejo florestal, mesmo legal, ameaça árvores nobres da Amazônia ” publicada neste blog no dia 13 de julho, com base no trabalho dos pesquisadores brasileiros Vanessa Richardson e Carlos Peres, da Universidade East Anglia.
O órgão é responsável por gerir as concessões de florestas públicas brasileiro para o manejo florestal e apontou que a reportagem pode ter causado confusão ao usar a palavra “concessão” para se referir a autorizações dadas a proprietários de terra a manejar as árvores de suas terras.
Mais do que um pedido de correção, a nota levantou várias pontos bastante interessantes, então resolvi promover uma espécie de debate – mandei as informações passadas pela equipe do Serviço Florestal para a dupla de pesquisadores e reproduzo a seguir a o que cada um disse. Também troquei no texto original a palavra concessão que estava no início da reportagem.
Posicionamento do Serviço Florestal:
1. O texto, elaborado com base no artigo “Queda Temporal na composição de espécies madeireiras de valor nas Concessões Florestais na Amazônia”, publicado na revista Plos One, é falho ao confundir a exploração florestal com concessões florestais.
2. A concessão florestal foi instituída no ano de 2006 pela Lei de Gestão de Florestas Públicas (Lei 11.284/2006), tendo a primeira operação florestal com base neste instrumento legal sido iniciada no ano de 2010. Dessa maneira, decorreram apenas seis anos de efetiva implantação do manejo florestal por meio de concessões florestais no Brasil. A matéria cita como referência planos de manejo antigos, da década de 70, o que não se refere ao manejo realizado por meio de concessão florestal.
3. A matéria sugere que o plano de manejo florestal sustentável “garimpa” as madeiras mais nobres da floresta e que ciclos de 30 anos não suficientes para o crescimento destas árvores que são de crescimento lento. Contudo, é preciso esclarecer que o manejo florestal sustentável segue legislação específica que estabelece critérios técnicos para garantir a sustentabilidade da produção dentro do ciclo estabelecido e proteger as espécies que tiveram indivíduos colhidos. Essa legislação (Instrução Normativa 05/2006-MMA) define critérios como:
– diâmetro mínimo de corte: em que apenas as árvores acima de 50 cm de diâmetro (maduras) podem ser colhidas. O prazo de 30 anos é estabelecido para que as árvores abaixo deste diâmetro continuem sua trajetória de crescimento para então preencherem os requisitos de colheita no futuro. Não se trata, como sugerido, do prazo para que um indivíduo leva para crescer desde sua fase de mudas. Este critério visa a manutenção de estoque remanescente, pois não é permitido explorar árvores abaixo deste diâmetro.
– critério de raridade: que determina que se mantenha a cada 100 hectares de floresta pelo menos 3 árvores que preencham os requisitos de corte (ou seja, maior que 50 cm de diâmetro, esteja fora das áreas de preservação permanente e não sejam porta-sementes). Este critério protege as espécies que tenham uma frequência de ocorrência baixa na floresta (raras).
– manutenção de árvores porta-sementes: ao contrário do que foi afirmado na matéria, há sim a exigência de que sejam mantidas árvores reprodutivas.
4. Diferente do sugerido pela matéria, as normas do manejo florestal estabelecem critérios que vão além da definição de um volume máximo de madeira a ser explorado por hectare. Tais critérios, inclusive, são mais rígidos quando se trata de espécies classificadas como vulneráveis pela classificação de espécies ameaçadas. O cuidado visa garantir que a floresta tenha a capacidade de recuperar até o final do ciclo de corte a sua condição inicial em termos de biomassa florestal.
5. O modelo de concessão florestal do Brasil é reconhecidamente um dos mais criteriosos e, conforme defendido pelos autores do artigo, o manejo florestal sustentável, segue sendo a melhor opção para a conservação da biodiversidade.
Comentário dos pesquisadores Vanessa Richardson e Carlos Peres:
Gostamos da matéria entretanto concordamos que é necessário esclarecer alguns pontos para os leitores. Reconhecemos e consideramos todos pontos da nota no nosso artigo científico, por exemplo:
1. Sim, concessões florestais e exploração florestal tem significados diferentes na legislação vigente sobre manejo florestal. No nosso artigo explicamos o que definimos como concessão florestal segundo a Lei de Gesta~o de Florestas Pu´blicas (Lei 11.284/2006); vide parágrafo no. 7 da Introdução e parágrafo no. 9 da Discussão). Também reforçamos o que é manejo florestal no parágrafo no. 9 da Introdução e declaramos que em inglês usamos o termo ‘concessions’ para se referir às AUTEFs (autorização de exploração florestal) de manejo florestal em área privadas e comunitárias.
2. Na entrevista com a jornalista do Estado , citamos a palavra “concessões” porque estávamos traduzindo literalmente do nosso artigo, escrito em inglês. Reconhecemos que para quem não leu o artigo científico original em inglês o termo pode ser mal entendido. Assim, gostaríamos que este fosse substituído pelo o termo “exploração florestal” como é citado posteriormente na mesma matéria.
3. E 4. Reconhecemos e citamos no artigo científico original em inglês a legislação especi´fica que estabelece crite´rios te´cnicos para o manejo florestal (3.). Além do volume máximo (4.), tal como a Instruc¸a~o Normativa 05/2006-MMA e demais normas, como por exemplo (3a-3b, 4) vide:
– O Código Florestal no parágrafo no. 1 dos Métodos,
– Instruc¸a~o Normativa 05/2006-MMA no parágrafo no. 6 e 8 da Discussão
– Instruc¸a~o Normativa 06/2006-MMA no parágrafo no. 6 da Discussão
– Instruc¸a~o Normativa 01/2015-MMA no parágrafo no. 6 da Discussão
Em relação à manutenção das árvores reprodutivas, achamos que as leis atuais não consideram a vulnerabilidade de algumas espécies nobres que só recrutam plântulas (even-aged seedling cohorts) em circunstâncias extremas tais como o mogno ou ao monitoramento das espécies responsáveis pela dispersão das sementes. Para manter a integridade florestal, não basta garantir produção suficiente de sementes viáveis, mas também um estoque saudável de vertebrados dispersores de sementes, que muitas vezes já foram depletados em áreas sobre-caçadas. Além disso, é necessário considerar a qualidade genética das porta-sementes.
5. Nossos resultados indicam que nas áreas exploradas a muito tempo, as espécies de madeira mais nobres não estão mais disponíveis. Um dos objetivos do artigo é simplesmente levantar este alerta baseado num grande número de áreas exploradas, para que isso não aconteça com o restante da Amazônia. Reconhecemos os avanços da legislação e da dificuldade de implementar tais sugestões adicionais. Gostaríamos de aproveitar esse momento para convidar um diálogo maior entre a comunidade científica, o Serviço Florestal Brasileiro, o público brasileiro e os legisladores. Estamos passando por momentos de imensa reviravolta política e queremos que a sustentabilidade das nossas florestas, nosso patrimônio nacional seja valorizada e que a legislação mitigadora de danos ecológicos pelo setor empreendedor não seja enfraquecida
Fonte: Estadão
MATÉRIA ORIGINAL:
Manejo florestal, mesmo legal, ameaça árvores nobres da Amazônia
A exploração madeireira legal por meio de concessões de florestas é considerada hoje uma das melhores estratégias para conter o desmatamento, mas um novo estudo que analisou projetos já existentes na Amazônia lançou um alerta: as espécies de árvores mais nobres podem estar sendo afetadas a ponto de chegaram perto de desaparecer em algumas regiões.
É o que indica uma análise feita pelos pesquisadores Vanessa Richardson e Carlos Peres, da Universidade East Anglia, publicada nesta quarta-feira, 13, na revista PLOS ONE. Investigando os dados de 824 locais de extração de madeira legal no Pará, Estado responsável por quase metade da produção madeireira da Amazônia brasileira, eles observaram que uma vez retirado um número grande de indivíduos de espécies como cedro brasileiro, ipê e pau-rosa, eles não voltam a crescer a níveis comerciais e podem sumir completamente.
Foram avaliados os dados referentes à extração de 17,3 milhões de metros cúbicos de madeira de 314 espécies de árvores, incluindo tanto manejos antigos, que vem dos anos 1970, a projetos mais novos. Em ambos os casos, as “espécies de madeira mais valorizadas e procuradas têm sido repetidamente extraídas ao ponto de colapso demográfico sub-regional em razão da procura, da facilidade de acesso por estradas, dos sistemas de posse da terra e dos preços de mercado da madeira”, escrevem os autores.
Espécies precisam de tempo
Esse colapso ocorre porque essas espécies demandam um longo período para crescer e amadurecer. “O madeireiro faz a mineração da mata. Tira as espécies mais valiosas do ponto de vista do mercado, mas coincide com o fato de que elas são as mais lentas para crescer”, explica o biólogo brasileiro Carlos Peres. Segundo ele, em geral em um manejo bem feito, há uma manutenção de pelo menos 90% das espécies que existiam no local. O novo trabalho aponta, no entanto, uma mudança na composição florística.
“Mas 30 anos para a dinâmica florestal dessas espécies não é muita coisa. Algumas nem chegam à idade reprodutiva nesse período, ainda não floresceram pela primeira vez”, complementa o pesquisador.
O trabalho atual foi feito com base nos dados fornecidos pelos próprios madeireiros. Mas a pesquisadora britânica, que liderou o levantamento, esteve durante o seu doutorado no Pará visitando locais de extração de madeira no Estado e constatou in loco o empobrecimento da mata. “Conversei com madeireiros que tinham atuado no modelo tradicional e hoje fazem extração de baixo impacto e eles contaram que era um trabalho muito triste, que sobrava muito pouca da floresta depois”, lembra.
Já foi pior
Os pesquisadores ressaltam que a maior parte do problema é anterior aos planos de manejo atual, quando não havia muito rigor sobre o que era extraído, a partir dos anos 70 ou até antes. “É impossível reconstruir o histórico local de cada concessão, mas o que sabemos que as áreas exploradas há mais tempo hoje tem um volume de espécies de alto valor muito menor. Nesses locais o madeireiro está ganhando menos hoje. Nosso estudo mostra que há consequências econômicas e ecológicas no manejo”, afirma Peres.
“Não se pode dizer que nas áreas mais antigas a floresta era manjada sempre da forma como são as legalmente manejadas hoje. O padrão de depleção que nós mostramos ocorre tanto porque essas regiões tiveram uma exploração pouco cuidadosa no passado e também por causa do modelo atual. Ele não garante a sobrevivência dessas espécies”, complementa Vanessa.
Em seu trabalho de campo, ela calculou que para cada árvore derrubada para o corte seletivo legal e certificado de baixo impacto, morrem em média 12 árvores pequenas, por acidente, no impacto, criando grandes clareiras. “Nesse lugar ocorre uma proliferarão de espécies de crescimento rápido e madeiras leves. A floresta fica totalmente diferente, mais susceptível ao fogo. Com o passar do tempo, as estradas construídas para tirar a madeira facilitam a conversão também do solo para agropecuária ou para entrada de caçadores que podem, por exemplo, diminuir o número de animais responsáveis justamente pela dispersão de sementes dessas árvores nobres”, explica.
Ainda a melhor opção
A dupla se apressa a dizer, no entanto, que o manejo legal ainda é a melhor opção para a proteção da biodiversidade, na comparação com outros usos do solo na Amazônia, como agricultura, pecuária ou mesmo a extração ilegal. Hoje no Brasil estima-se que 90% da madeira comercializada tem algum grau de ilegalidade, e a atividade é considerada o ponto de partida para a degradação e o desmatamento da floresta.
Mas os pesquisadores sugerem que novos parâmetros sejam adotados nos planos de manejo, como um tempo maior, de 50 a 60 anos para o próximo ciclo de exploração. “O primeiro ciclo de corte fosse a primeira facada na degradação da floresta. Para garantir a recomposição dessas árvores nas concessões florestais, o ideal seria proibir o segundo ciclo, ou no mínimo adiar, ou diminuir o limite do volume legal para o corte, porque no modelo atual vai demorar muito mais do que 30 anos para recompor as espécies”, defende Vanessa.
Peres sugere também que outras espécies sejam consideradas para exploração, em especial as de crescimento mais rápido. Segundo ele, no grupo das mais sensíveis estão cerca de 50, num universo de cerca de 5 mil espécies de árvores na Amazônia. “Poderia se diminuir a retirada de indivíduos mais nobres e criar um equilíbrio com espécies mais resilientes, que têm uma taxa de regeneração mais alta. Quando faz as concessões, o governo só define quantos metros cúbicos podem ser retirados. Deveria trazer algumas cláusulas para prot eger as nobres, deixar algumas árvores reprodutivas.Poderia aumentar o leque de opções do madeireiro para não sobrecarregar tanto as mais sensíveis”, afirma o pesquisador.
Fonte: UOL
Com informações do Estado de São Paulo
NOTA DA ECOAMAZÔNIA
As duas matérias foram publicadas no site http://www.amazonia.org.br
Confiram os links:
http://amazonia.org.br/2016/07/manejo-florestal-mesmo-legal-ameaca-arvores-nobres-da-amazonia/
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