A bacia do Rio Tapajós é a mais recente e mais ativa “fronteira hidrelétrica” do Brasil. A implicação do “velho-oeste” deste termo não é desmerecida. Além da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, duas outras grandes barragens estão planejadas nesse rio (as barragens de Jatobá e Chacorão), e 40 outras em seus afluentes: quatro no Rio Jamanxim, seis no Teles Pires e 30 no Juruena e seus afluentes (ver [1]).  

As hidrelétricas são notórias por infligir pesados impactos sociais e econômicos (ver [2]). Estes são, geralmente, muito maiores do que os provocados por outras formas de fornecimento de energia ou para o equivalente de conservação de energia. A atração por barragens vem dos seus supostos custos mais baixos. No entanto, um padrão praticamente universal de custos muito maiores do que os orçamentos originais e de atrasos das obras fazem com que essa economia seja ilusória, como foi mostrado por uma extensa revisão mundial [3]. Além disso, somente os custos monetários são considerados, e barragens seriam ainda menos atraentes se os impactos sociais e ambientais tivessem peso adequado nas decisões iniciais.

Se o EIA incluisse uma avaliação profunda dos impactos socioeconômicos, seria uma contribuição importante para a tomada de decisões mais racionais no desenvolvimento de energia. Infelizmente, o padrão visto nessas avaliações é de minimizar, ignorar ou negar impactos socioeconômicos, e o EIA de São Luiz do Tapajós não é nenhuma exceção, como será mostrado neste artigo.

O processo de licenciamento no Brasil inclui uma série de etapas, uma delas é o Estudo de Impacto Ambiental (EIA). A agência ambiental federal (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA) participa desse processo por meio de uma “notificação de intenção”, enviada pelo proponente do projeto. Ao receber essa notificação o IBAMA prepara um termo de referência, especificando os requisitos para o EIA. A Fundação Nacional do Índio (FUNAI) produz um termo de referência para o componente indígena do EIA quando esse órgão determina que projeto afeta uma área indígena.

Normalmente, o EIA é elaborado por uma empresa de consultoria, que contrata biólogos, antropólogos e outros profissionais como consultores para coletar os dados necessários para a construção desse documento pela empresa de consultaria. Uma versão menor e não-técnica, chamada de “RIMA” (Relatório de Impacto Ambiental), também é preparada para distribuição mais ampla e para uso na discussão pública. Uma série de audiências públicas é realizada nas áreas afetada onde o conteúdo do RIMA é apresentado e discutido.

Teoricamente, se consultas com povos indígenas e tradicionais fossem realizadas, como é especificado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), seguindo o conceito de Consentimento Livre, Prévio e Informado, estas também ocorreriam nesta etapa do processo.

O IBAMA e a FUNAI, após as audiências públicas (e as consultas, se houver), solicitam as alterações necessárias no EIA e no RIMA, e, após as alterações terem sido atendidas, o IBAMA emite a Licença Prévia (LP). A licença prévia pode ser emitida com uma lista de “condicionantes”, todas as quais devem ser atendidas antes que a Licença de Instalação (LI) seja emitida. Após a licença prévia, um Plano Básico Ambiental (PBA) é preparado pela empresa de consultoria, esse documento propõe medidas de mitigação dos impactos e inclui contribuições feitas nas audiências pelas comunidades afetadas.

A FUNAI e o IBAMA podem solicitar revisões do PBA; o IBAMA emite a licença de instalação, permitindo o início da construção, apenas quando as alterações solicitadas nessa revisão são atendidas e as condicionantes estabelecidas na licença prévia são observadas. Durante a construção da obra o proponente implementa as medidas de mitigação especificadas no PBA. O IBAMA, avalia se estas medidas foram efetivas e, caso positivo, emite uma Licença de Operação (LO).

O exemplo recente da represa de Belo Monte ilustra um padrão de construtores de barragem ignorando essas “condicionantes” sem sofrer quaisquer consequências significativas [4, 5]. A Licença de Operação permite o enchimento do reservatório [6].

 

 

NOTAS

[1] Fearnside, P.M. 2014. Análisis de los Principales Proyectos Hidro-Energéticos en la Región Amazónica. Derecho, Ambiente y Recursos Naturales (DAR), Centro Latinoamericano de Ecología Social (CLAES) & Panel Internacional de Ambiente y Energia en la Amazonia, Lima, Peru, 55 p. http://www.dar.org.pe/archivos/publicacion/147_Proyecto_hidro-energeticos.pdf

[2] WCD (World Commission on Dams). 2000. Dams and Development – A New Framework for Decision Making – The Report of World Commission on Dams. WCD & Earthscan, London, Reino Unido. 404 p.

[3] Ansar, A., B. Flyvbjerg, A. Budzier & D. Lunn. 2014. Should we build more large dams? The actual costs of hydropower megaproject development. Energy Policy 69: 43–56. doi:10.1016/j.enpol.2013.10.069

[4] FGV (Fundação Getúlio Vargas). 2014. Metodologia e Matriz de Indicadores. Novembro/2014. http://www.indicadoresdebelomonte.com.br/2014/12/metodologia-e-matriz-de-indicadores/

[5] ISA (Instituto Socioambiental). 2014. Nota Técnica – Estado de Cumprimento das Condicionantes Referentes à Proteção das Terras Indígenas Impactadas pela Usina Belo Monte. 13 de fevereiro de 2014. ISA Programa Xingu, Altamira, Pará. http://www.socioambiental.org/sites/blog.socioambiental.org/files/nsa/arquivos/nota_tecnica_-_condicionantes_indigenas_final_pdf1.pdf

[6] Isto é uma tradução parcial de Fearnside, P.M. 2015. Brazil’s São Luiz do Tapajós Dam: The art of cosmetic environmental impact assessments. Water Alternatives 8(3): 373-396, disponível aqui. As pesquisas do autor são financiadas por: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (processos nº305880/2007-1, nº304020/2010-9, nº573810/2008-7, nº575853/2008-5), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) (processo nº 708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ13.03). O Greenpeace custeou despesas de viagem no Tapajós [7]. M.A. dos Santos Junior fez os mapas. N. Hamada e P.M.L.A. Graça contribuíram comentários. Agradeço especialmente aos Munduruku.

[7] Fearnside, P.M. 2015. Impactos nas comunidades indígenas e tradicionais. p. 19-29 In: R. Nitta & L.N. Naka (eds.) Barragens do rio Tapajós: Uma avaliação crítica do Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) do Aproveitamento Hidrelétrico São Luiz do Tapajós. Greenpeace Brasil, São Paulo, SP. 99 p. http://greenpeace.org.br/tapajos/docs/analise-eia-rima.pdf

PHILIP M. FEARNSIDE

Leia o primeiro artigo da série: 

A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós: 1 – Resumo da série

 

Philip M. Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis neste link.

FONTE: