Esforços internacionais visando à conservação de espécies das florestas tropicais irão falhar se não levarem em consideração o controle da exploração madeireira ilegal, de incêndios florestais e da fragmentação de áreas remanescentes. Esta é a conclusão de um estudo inovador, que acaba de ser publicado na Nature, a principal revista científica internacional.

O estudo Anthropogenic disturbance can be as important as deforestation in driving tropical biodiversity loss (Perturbação antropogênica pode ser tão importante quanto o desmatamento na condução de perda de biodiversidade tropical) mediu o impacto geral das perturbações florestais mais comuns – o que inclui exploração madeireira, incêndios e fragmentação de florestas remanescentes – em 1.538 espécies de árvores, 460 de aves e 156 de besouros encontradas na Amazônia paraense.

Pela primeira vez, pesquisadores de 18 instituições internacionais, dentre as quais 11 brasileiras, foram capazes de comparar a perda de espécies causada por perturbações humanas com aquelas resultantes da perda de hábitat pelo desmatamento.

E o resultado desafia a atual concepção das estratégias de conservação, na qual prevalece o foco no combate ao desflorestamento: os cientistas demonstraram que, para a floresta tropical, os efeitos das perturbações causadas por atividades humanas resultam em perda de biodiversidade tão ostensiva quanto a causada pelo desmatamento.

Uma das principais pesquisadoras do projeto, Joice Ferreira, da Embrapa Amazônia Oriental, diz: “Conseguimos oferecer evidências convincentes de que as iniciativas de conservação amazônica precisam considerar as perturbações florestais e o desmatamento. Sem ações urgentes, a expansão da exploração ilegal de madeira e a ocorrência cada vez maior de incêndios causados pelo homem irão resultar em áreas de florestas tropicais cada vez mais degradadas, conservando apenas uma pequena fração da exuberante diversidade que já abrigaram.”

Quando analisado em conjunto, o efeito das atividades humanas resultantes em perturbações florestais no Pará é equivalente a uma perda adicional de mais de 139.000 quilômetros quadrados (km2) de floresta pristina (sem intervenção humana) e correspondente a todo o desmatamento no Estado desde 1988, ano que inaugurou o monitoramento oficial.

O pesquisador sênior do projeto, Toby Gardner, do Instituto Ambiental de Estocolmo (SEI), destaca: “As florestas tropicais são um dos mais valiosos tesouros biológicos do planeta. Ao focar exclusivamente as extensões de floresta remanescentes, sem levar em conta o estado de saúde dessas áreas, as atuais iniciativas de conservação estão colocando em perigo tal riqueza”.

Espécies raras são as mais ameaçadas

Os cientistas também descobriram que espécies sob o risco máximo de extinção foram as mais atingidas pelas perturbações causadas por atividade humana.

Ima Vieira, pesquisadora sênior do Museu Paraense Emílio Goeldi e uma das colaboradoras do projeto, diz: “O estado do Pará abriga mais de 10% das espécies de aves do planeta, muitas das quais endêmicas. Nossos estudos demonstram que são justamente estas espécies as que estão sofrendo o maior impacto da ação antrópica, pois elas não sobrevivem em ambientes com estes níveis de perturbação”.

É preciso ir além do combate ao desmatamento

Enquanto a redução do desmatamento é acertadamente o principal foco da maioria das estratégias de conservação em nações tropicais, a condição das florestas remanescentes não costuma ser avaliada ou mesmo controlada por políticas públicas.

“Ações imediatas são necessárias para combater as perturbações florestais em nações tropicais”, explica Silvio Ferraz, professor do Departamento de Ciências Florestais da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP. “No caso do Brasil, a situação é ainda mais crítica, já que 40% dos remanescentes de florestas tropicais da Terra se encontram aqui”, completa o pesquisador, que integrou a equipe do estudo. Ainda que donos de terras na Amazônia brasileira sejam obrigados por lei a manter 80% da cobertura primária em suas propriedades, a nova pesquisa demonstra que, em paisagens nas quais a lei é cumprida, a metade do valor potencial de conservação já pode ter sido perdida.

“Estes resultados devem servir de alerta para a comunidade global”, afirma Jos Barlow, o principal autor do estudo. “O Brasil demonstrou uma liderança sem precedentes no combate ao desmatamento na última década. O mesmo nível de liderança é necessário agora para proteger a saúde das florestas restantes nos trópicos. Do contrário, décadas de esforço de conservação terão sido em vão.”

Infelizmente, a rica biodiversidade do Brasil está mais uma vez ameaçada por novas tentativas de mudanças no Código Florestal. Luiz Aragão, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, também integrou a equipe do estudo e destaca: “O Senado brasileiro está propondo uma nova lei que vai permitir aos produtores se valerem de florestas plantadas, como as monoculturas de eucalipto, para atingir a meta legal de cobertura florestal. Propostas como esta, que ignoram as condições das florestas em questão, podem acelerar a perda de biodiversidade tropical”.

O estudo publicado é fruto da Rede Amazônia Sustentável (RAS), um consórcio de instituições brasileiras e estrangeiras, coordenado pela Embrapa Amazônia Oriental, Museu Paraense Emílio Goeldi, Universidade de Lancaster (Reino Unido) e Instituto Ambiental de Estocolmo (Suécia). A RAS é também parte do INCT Biodiversidade e Uso da Terra na Amazônia.

Caio Albuquerque/Divisão de Comunicação da Esalq

FONTE: Jornal da USP – Combater desmatamento é insuficiente para conservar a biodiversidade da Amazônia – Jornal da USP