A aprovação de Lei no Estado do Amazonas para regular a aquicultura trouxe para o centro do debate a questão da introdução de espécies exóticas para produção comercial na região. A lei que disciplina se os peixes podem ser criados em tanques escavados, igarapés e lagos, não restringe as espécies estrangeiras da Bacia Amazônica.
Ou seja, a tilápia, oriunda dos lagos africanos, mas abundante nos criadouros e pesque pagues de São Paulo, poderia ser criada nos mananciais hídricos da região.
O grito dos ativistas ambientais foi logo ouvido e em ressonância os especialistas que alertaram sobre o grande prejuízo ao ecossistema amazônico. Os legisladores prometeram emendas na lei para sua proibição.
Mas o contrário já aconteceu com o tucunaré, magnífico peixe da nossa fauna aquática, que levado aos reservatórios das usinas hidrelétricas do sudeste do Brasil, se adaptou e prosperou sobre outras espécies. O que deve ter sido fácil, pois não eram mais do que algumas, sobreviventes do barramento dos rios e da predação humana sobre o meio ambiente.
A tilápia, peixe da família dos ciclídeos, tem seu habitat natural nos lagos de origem vulcânica na África, com suas características químicas e físicas próprias, mas que não impediu que fosse cultivada pelos egípcios, filipinos, tailandeses e claro chineses. O mundo é uma esfera coberta de água, por isso os coqueiros que sombreiam o litoral nordestino ali chegaram de outros continentes, trazidos pelos portugueses ou pelas correntes marinhas. A Malásia desbancou o império brasileiro da borracha, com a introdução de mudas de seringueira da Amazônia. O que seria da culinária britânica sem as batatas dos Andes, ou da caldeirada sem o cheiro verde, originário do Mediterrâneo e Ásia.
Não sei avaliar o impacto nos ecossistemas destas migrações. Sabe-se que espécies invasoras reduzem a biodiversidade local. Mas o pecado original do homem no paraíso perdido já foi feito. As leis podem proibir a entrada e cultivo de espécies exóticas de interesse econômico na Amazônia, mas o planeta é um sistema aberto, onde a vida circula, se adapta, vive e morre, em um ciclo interminável.
A lei da aquicultura no Amazonas deveria incentivar a produção de espécies daqui, com apoio da ciência, aplicada não apenas em identificar, catalogar e contar as espécies endêmicas para mostrar o óbvio, que Amazônia tem a maior biodiversidade do planeta. Pois, voltando à tilápia, em Taiwan se produz córnea animal para substituir a córnea humana em transplantes que podem suprir a escassez de doadores e diminuir a fila de quem espera para não perder a visão. Esta córnea é feita a partir da escama de peixe, que tem a mesma estrutura cristalina da córnea humana. A escama é selecionada, lavada para retirar parasitas e minerais e cortada no diâmetro da pupila. O peixe utilizado é a tilápia, cuja escama tem as melhores características para substituir a nossa córnea.
Alguém já olhou para a escama do pirarucu e viu se ela não serve apenas para fazer artesanato, lixar a unha e raspar o guaraná?
De todo modo vai ser difícil convencer o caboclo a trocar o tambaqui pelo filé de tilápia e haja olho grande para o tamanho da escama do pirarucu!
MARCO OLIVEIRA
Marco Oliveira é geólogo pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e mestre em Geociências pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Nascido em Andradina (SP), mora e trabalha na Amazônia desde 1997. Desenvolveu projetos nas áreas de prospecção mineral, risco geológico e hidrologia. No Amazonas, é superintendente regional do Serviço Geológico do Brasil (sigla para CPRM), órgão responsável pela divulgação dos alertas das cheias e secas na Amazônia Ocidental.([email protected])
Leia reportagem especial sobre a Lei de Aquicultura no Amazonas e entenda mais sobre o assunto:
A Tilápia no Amazonas – Amazônia Real (amazoniareal.com.br) – Amazônia Real (amazoniareal.com.br)