Em junho de 2006, uma área de quase 400 mil hectares banhada pelo rio Iriri foi transformada em unidade de conservação (UC) federal: a Reserva Extrativista (Resex) Rio Iriri. Situada no município de Altamira, interior do Pará, a reserva tem a missão de proteger um importante pedaço da Amazônia, além de preservar o modo de vida tradicional das famílias ribeirinhas.
Hoje, 10 anos após sua criação, a Resex Rio Iriri tem muitas razões para comemorar. Com esse intuito, cerca de 300 convidados se reuniram na comunidade Manelito para participar do evento de aniversário, realizado entre os dias 5 e 6 de junho. A programação incluiu uma missa de abertura ao ar livre, um batizado coletivo e apresentações das palhaças do grupo Las Cabaças, que fizeram a alegria dos pequenos.
Conquistas e desafios
Momento de celebração e reflexão, a mesa de debate foi outra atividade de destaque, congregando as principais lideranças comunitárias, professores, servidores do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e representantes de instituições parceiras. Para os participantes da mesa, o encontro motivado pelo aniversário da reserva enalteceu a identidade ribeirinha e possibilitou o diálogo entre moradores das diversas comunidades do Iriri.
Os convidados ressaltaram ainda as conquistas e avanços obtidos na última década, sem perder de vista os desafios que ainda precisam sem enfrentados. “No começo, a gente fazia reunião embaixo das árvores. Foram anos de luta para a gente ter essa estrutura, com posto de saúde e escola dentro da comunidade. É um orgulho muito grande pensar de onde viemos e onde conseguimos chegar”, disse Maria Eugênia de Souza, vice-presidente da Associação de Moradores da Resex.
A secretária de Educação de Altamira, Suely Rodrigues, falou sobre a difícil tarefa de levar professores até as escolas ribeirinhas e comemorou os resultados: “Hoje, já contamos com 27 escolas nas comunidades do rio Iriri, atendendo 709 alunos”.
Segundo o representante do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Ivanildo Brilhante, o escoamento da produção e a execução das políticas públicas em locais tão remotos e de difícil acesso são questões essenciais e bastante desafiadoras. “Para nós extrativistas, a criação da resex é a garantia do nosso direito de viver no lugar e utilizar os recursos naturais de forma sustentável. Além disso, a cultura e os laços de pertencimento se fortalecem e as políticas públicas passam a chegar com mais efetividade”, observou.
Exemplo disso é a Ação Cidadania, iniciativa que levou até a reserva servidores do Ministério do Trabalho, Polícia Civil e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) com o objetivo de emitir documentos como RG, CPF e Carteira de Trabalho para os ribeirinhos. A atividade foi realizada durante toda a semana de aniversário da Resex e prosseguiu até a última segunda-feira (13). “O ICMBio é a principal presença do Estado nessas comunidades. Então, se a gente articula com outros órgãos, se a gente traz informação e mostra os caminhos, os moradores conseguem acessar cada vez mais os direitos garantidos pela Constituição”, pontuou a chefe da Resex Rio Iriri, Ana Cléia Azevedo.
A comemoração dos 10 anos da reserva também teve direito a bolo e canto de parabéns, puxado pelo presidente da Associação de Moradores, Francisco de Assis. A festa seguiu noite adentro, com muita dança, música ao vivo e apresentações de quadrilha e carimbó. Para o professor Joelmir Silva, nascido no Iriri, o encontro e a celebração funcionam como uma reafirmação da cultura ribeirinha: “O evento foi muito bonito. A Reserva Extrativista Rio Iriri é uma grande conquista, nós valorizamos esse lugar e consideramos um privilégio viver em meio à natureza. Meu desejo é que nos próximos 10 anos as comunidades tenham ainda mais médicos e professores, que os povos tradicionais sejam reconhecidos e que nossa voz chegue cada vez mais longe”, completou.
Diversidade socioambiental e uso sustentável dos recursos naturais
A Reserva Extrativista Rio Iriri está localizada na porção norte da bacia hidrográfica do rio Xingu, em uma região conhecida como Terra do Meio, que concentra grande quantidade de áreas protegidas (entre UCs federais, UCs estaduais e Terras Indígenas) e abriga uma das maiores biodiversidades do planeta. A presença de populações tradicionais, por sua vez, é responsável por sua riqueza social e cultural. A Resex Rio Iriri é habitada por cerca de 100 famílias, distribuídas entre 10 comunidades ribeirinhas.
De acordo com a chefe da UC, a principal fonte de renda dos moradores é a pesca, embora eles também trabalhem na agricultura de subsistência e desenvolvam atividades extrativistas com quatro produtos da floresta: castanha, borracha, óleo de castanha e óleo de babaçu.
“Nosso próximo objetivo é promover capacitações no âmbito da pesca, incluindo novos métodos de venda para escoar melhor a produção”, ressaltou.
Ainda segundo Ana Cléia, as comunidades tradicionais são aliadas fundamentais na conservação do meio ambiente. “Os ribeirinhos estão aqui porque gostam e se sentem parte desse lugar. É muito gratificante ver que a floresta está em pé e que as comunidades podem tirar dela seu sustento”, concluiu a chefe da reserva.
Rio Iriri: passado, presente e futuro
“Conheço esse rio como a palma da mão. Nasci, me criei e tive meus 11 filhos aqui. Meu marido cortava seringa e eu tirava óleo do coco e da castanha. E se tem uma coisa que eu sei fazer nessa vida é mariscar, meu pai me ensinou muito bem. Gosto de ficar perto da natureza, pegar meu peixe, plantar minha macaxeira, tomar banho de rio. Não pude estudar, mas hoje meus filhos e netos já estudam e eu acho isso muito bom”.
“Nasci no Ceará e rodei muito por esse país, mas escolhi o rio Iriri para viver porque encontrei o lugar ideal. Aqui eu pesco, trabalho na roça, respiro ar puro, olho as estrelas. Sabe aquela história de ‘só dar valor quando perde’? Está errado. A gente tem que dar valor sempre, zelar pelas nossas riquezas naturais. Quando cheguei aqui, 25 anos atrás, disse ao pessoal: vocês são ricos e não sabem! E com a criação da Resex mudou muita coisa, as pessoas começaram a estudar, a se compreender melhor. No começo, as reuniões eram confusas, as pessoas não se entendiam direito. Agora é diferente, porque existe organização comunitária”.
“Gosto de olhar as araras da janela de casa, gosto das árvores. Pássaro é meu bicho preferido e banho de rio é o que eu mais gosto. A festa foi muito boa, adorei tudo, principalmente as palhaças. Daqui a 10 anos, acho que aqui vai ter mais rio e mais árvores ainda”.
“Eu faço aniversário junto com a reserva. Gosto muito daqui, gosto de tomar banho de rio, gosto de pescar. Já peguei pacu, pescada e surubim. Aqui também tem pato, galinha, passarinho, cachorro e porco do mato. Mas o que gosto mesmo é estudar. Eu venho para a escola no barco e já sei ler muito bem. Quero ser professor quando crescer”.
Comunicação ICMBio – Reserva Extrativista Rio Iriri celebra 10 anos — Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (www.gov.br)