A morte da onça-pintada Juma repercutiu no meio científico do Amazonas. Pesquisadores questionam se foi necessário matar o animal com um tiro de pistola. Outra crítica é para a exposição das onças em eventos públicos, como foi no Revezamento da Tocha Olímpica Rio 2016, em Manaus. 

A bióloga e ecóloga Dayse Campista, representante na região Norte da Sociedade de Zoologia e Aquário no Brasil, defende que exposições de animais ocorram somente na parte interno do zoológico como uma forma de promover educação ambiental aos visitantes, sem expô-los em eventos fora do recinto. Segundo ela, a exposição pode deixar os animais agitados e estressados, “por mais acostumados que estejam com a presença humana”.

Dayse lamentou que o Zoológico do CIGS não seja filiado à Sociedade de Zoologia e Aquário do Brasil, o que tornaria a atividade da instituição mais transparente.

“Antes, todos os zoológicos deveriam ser filiados, hoje não é mais preciso. Mas zoológicos sérios, que querem ter código de ética, têm que ser filiados”, afirmou Dayse Campista, que foi durante vários anos gerente do zoológico do Tropical Hotel.

 

O veterinário e especialista em fauna silvestre Diogo Lagroteria considera que as atividades que o Exército realiza com as onças vão “na contramão do mundo moderno”, que cada vez mais discute sobre ética e bem-estar animal.

“O CIGS tem ótimos profissionais no seu quadro técnico e desenvolve projetos importantes de educação ambiental e conservação. Está na hora de abandonar essas práticas antiquadas, onde os animais são usados como itens de festa”, afirmou.

Ele diz que usar animais em espetáculos é cada vez mais condenável mundo afora. Contraria, segundo o veterinário, a própria Declaração Universal dos Direitos Animais, que diz que “as exibições de animais e os espetáculos que utilizem animais são incompatíveis com a dignidade do animal”.

“Além disso, também é um baita de um mau exemplo. Ver um animal acorrentado, estressado e fora de seu ambiente natural passa a ser comum para a maioria das pessoas, mas não deveria ser. Os animais devem ser vistos, preferencialmente, na natureza. Mas se estão em cativeiro, eles devem ter garantido, pelo menos, um ambiente seguro, agradável, limpo e que cumpra as necessidades de cada animal. Recintos ornamentados, espaçosos e animais livres. Correntes são coisas da antiguidade”, analisa ele.

Ele também observou a questão da segurança, ameaçada quando o animal fica estressado. “O estresse sempre traz mudanças de comportamento. Não dá para ter certeza sobre como o animal irá se comportar em situações assim. A presença de pessoas, ruídos, cheiros, movimento, flashes, e tudo mais, acarreta em desgaste psicológico ao animal. A chance de um problema acontecer é grande. E uma hora acontece”, disse.

 
 

Tiro foi correto

 

Para o veterinário Augusto Kluczkovski, que trabalhou entre 1997 e 2003 no Zoológico do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS), trata-se de uma decisão difícil, mas correta.

Ele disse que na década de 90, quando o zoológico do CIGS era menor e tinha uma estrutura precária, houve mortes de animais pelo mesmo motivo (ataques). O veterinário não lembra de algum outro momento semelhante às circunstâncias da morte de Juma ter ocorrido desde então.

“Foi certo o desfecho. O erro foi a decisão tomada da onça participar do evento. Isso é muito polêmico porque o camarada nessa hora tem que tomar a decisão entre a vida do animal e da pessoa. É uma decisão absurdamente difícil de tomar. O problema maior é que se você optar pela vida do animal criminalmente vai responder por homicídio”, disse.

 

Depois de ser informado que a onça Juma estava sobre os cuidados do 1º BIS e não do CIGS, Kluczkovski teve outra conclusão. Segundo ele, Juma foi levado para um “território hostil” (no caso, o CIGS), cheio de outras onças que se toleram, mas que são onças solitárias na maior parte do tempo. “Ele foi levado para um território estressante em um evento estressante. Uma coisa é uma onça do BIS ir em uma formatura do CMA. Outra bem diferente é entrar num território do CIGS, com urina de outras onças”, disse.

Para Kluczkovski, há dois caminhos que o Exército pode seguir diante do desfecho e da repercussão negativa após a morte de Juma. “A forma correta é não optar pela domesticação e pela apresentação (em eventos). Não vai envolver nem fazer nada com a onça. O animal vai ficar dentro do recinto, manejado da forma adequada. Mas se optar em ter o animal em desfile, que se reproduza em cativeiro e tenha a licença pra isso, e que tenha um nível de segurança adequada”, afirmou.

Sobre a reação da onça Juma pouco antes de levar o tiro, o veterinário conjectura com base em sua experiência. “É uma conjunção de fatores. Temperamento da onça, que eu não sei como era a que morreu, se era mais arredio. Muitos bichos são acostumados com outros eventos: desfile, formatura. Mas no evento da tocha havia helicóptero, um monte de gente correndo, gente estranha, muito barulho. Isso gerou um estresse no animal”, disse.

Ele disse ainda que até mesmo o medicamento pode ter influenciado. Conforme Kluczkovski, antes da sedação, há uma fase de excitação do animal que o deixa agressivo.

“O tranquilizante usado aqui demora um tempo até fazer efeito. De cinco a 15 minutos ou mais. Nesse tempo de trabalho é difícil para controlar bicho. Tem que ter uma contenção física, que é difícil para fazer com uma onça mascote. Isso se equipe for boa, tiver coragem e destreza para fazer isso. Até um pouco de loucura, pois você vai botar sua vida em risco. Então, a única chance de tirar o animal vivo dali seria fazer uma contensão física com uma rede e aí sim aplicar sedativo e conter o animal bem preso durante todo esse tempo entre a injeção e ele ser tombado. Sem isso o animal se sente ameaçado, está em combate, ele vai uma briga violenta”, afirmou.

O pesquisador Emiliano Esterci, coordenador do projeto Yauretê, que conduz pesquisas de onça pintadas há mais de dez anos pelo Instituto Mamirauá, na região de Tefé, elogiou o trabalho do Exército em seu papel de receber animais silvestres que foram resgatados. Mas ele defende que algumas situações envolvendo as onças precisam ser rediscutidas.

“Você coloca um animal que evoluiu para não ser visto, para não ter contato com outros bichos, numa situação que ele tem que ser dominado, onde tem centenas de pessoas ao redor dela. Não tem como falar que não é uma situação de estresse para ele”, disse.

 

Ele também questionou a experiência de controle e captura da onça no momento da fuga. “Acho muito difícil que as pessoas lá tenham experiência de captura de onças-pintadas soltas. Para fazer contenção, provavelmente tem algum veterinário com experiência. Mas que eu conheça no Brasil com esta experiência são apenas 20 pessoas para capturar onça em vida livre”, afirmou.

Esterci afirma que é preciso reunir pessoas que trabalham com a espécie e discutir todos as ações à onça em cativeiro. “Reúne Exército, Ipaam, Ibama, ICMbio, Mamirauá para analisar todo o procedimento”, disse.

 

A repercussão do caso Juma nas redes sociais

 

O Comitê Olímpico Rio 2016 emitiu notas na tarde desta terça-feira (20) em sua página no Facebook na qual reconhece que errou ao expor a onça Juma durante a passagem da Tocha Olímpica por Manaus. Segundo os organizadores, foi um equívoco explorar a imagem do animal acorrentado ao lado do símbolo dos Jogos; o comitê também pediu desculpas pelo ocorrido.

O pedido de desculpas, contudo, não foi suficiente para amenizar as críticas dos internautas pela morte da onça Juma. O assunto está entre os mais comentados nas redes sociais no país, tendo repercussão internacional. A #juma esteve no topo dos mais comentados no Twitter. Até o início da noite desta terça (21/06), mais de 10 mil twittes comentavam o assunto, sendo a grande maioria com críticas ao Exército e ao Comitê Rio-2016.

“Tarde demais para pedir desculpas”, escreveu um dos seguidores da página do Rio 2016 no Facebook. “A onça podia ser morta, ela só não podia ter estado perto da tocha olímpica”, completou outro.

Em Manaus, o caso ganhou repercussão e será alvo de protesto marcado para o próximo sábado (25). A ONG Proteção, Adoção e Tratamento Animal (Pata) organiza manifestação em frente ao Comando Militar da Amazônia, no bairro da Ponta Negra, zona oeste da capital. A organização criou a #somostodosjuma. (Com reportagem de Fábio Pontes)

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