O Relatório Amazônia Viva 2016 da Rede WWF, distribuído na segunda-feira (14/06), alerta para o aumento drástico da frequência de atos legislativos promulgados para rebaixar de categoria, reduzir o tamanho ou retirar por completo a proteção legal de unidades de conservação da Amazônia.
A Amazônia está passando por uma rápida transformação. Alguns projetos de desenvolvimento ameaçam a integridade dos ecossistemas, suas espécies e a impressionante gama de bens e serviços ecológicos que o bioma oferece para a região e o mundo, minando sua capacidade de estabilizar e regular os padrões climáticos regionais e globais.
Mais do que nunca, a integridade ecológica da Amazônia encontra-se ameaçada por atividades econômicas não sustentáveis. Pressões múltiplas e interligadas decorrentes de interesses econômicos dos países da região e do resto do mundo têm provocado uma transformação sem precedentes. O Relatório Amazônia Viva 2016 da Rede WWF, distribuído na segunda-feira (14/06), alerta, por exemplo, para o aumento drástico da frequência de atos legislativos promulgados para rebaixar de categoria, reduzir o tamanho ou retirar por completo a proteção legal de unidades de conservação da Amazônia (processo conhecido em inglês pela sigla PADDD para Protected Areas Downgrading, Downsizing or Degazetting).
Análises recentes no Brasil revelam que, desde 2005 aumentou muito a frequência de eventos PADDD, principalmente para acomodar projetos de barragens para usinas hidrelétricas. Caso sejam promulgadas as atuais propostas de PADDD que estão em consideração, mais de 6.5 milhões de hectares de unidades de conservação na Amazônia brasileira serão atingidos. Esse processo também ocorre em outros países amazônicos.
Além disso, as mais de 250 propostas de projetos de construção de barragens na bacia hidrográfica amazônica apresentam graves riscos de alteração na hidrologia e na conectividade dos ecossistemas aquáticos, com impactos catastróficos para as incomparáveis espécies de peixes migratórios, algumas das quais migram mais de 6,000 km do estuário do rio até as áreas de desova na região andina. Há também mais de 20 projetos de construção de rodovias cortando as densas florestas da região, os quais, com base em experiências anteriores, devem levar a um rápido aumento do desmatamento.
O WWF aprofundou a sua análise do desmatamento na região amazônica e identificou 31 “frentes de desmatamento”, que estão avançando em todas as direções e privando os países amazônicos de aproveitarem as imensas oportunidades oferecidas por uma trajetória de desenvolvimento mais sustentável na região, baseada em uma economia florestal. A agricultura e a pecuária, tanto em grande como em pequena escala, constituem as maiores forças de transformação na Amazônia atualmente, impulsionadas por financiamentos de origem nacional e internacional, levando ao uso não sustentável dos recursos da Amazônia, com graves impactos para o bioma e o clima.
Amazônia
A Amazônia é única. Trata-se da maior floresta tropical úmida do mundo e inclui a maior bacia hidrográfica do planeta. Ela contém um décimo das espécies existentes no mundo. Desde 1999 foram descritas mais de duas mil novas espécies de plantas e animais vertebrados no bioma.
O carbono armazenado na vegetação e nos solos amazônicos tem importância fundamental para a mitigação das mudanças climáticas. O vapor d’água proveniente da floresta cria gigantescos “rios voadores” na atmosfera, os quais influenciam as chuvas no centro-sul da América do Sul.
A Amazônia é o lar de 34 milhões de pessoas, inclusive 350 povos indígenas, alguns dos quais vivem em isolamento voluntário. O bioma se estende por oito países e um território ultramarino na América do Sul: Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e a Guiana Francesa.
Visão de bioma
O WWF foi uma das organizações pioneiras na abordagem de conservação ambiental integrada, transfronteiriça e na escala do bioma Amazônia.
Em toda a sua imensidão e complexidade, a Amazônia é essencialmente uma única unidade ecológica. O bioma não pode ser conservado por meio de atividades somente no escopo nacional, devido à natureza multinacional e em múltiplas escalas das pressões sofridas pela região. É preciso abordar as diferentes partes interdependentes do bioma para assegurar a viabilidade de todo o sistema ecológico e do conjunto de bens e serviços ambientais que ele provê às populações locais, aos países da região e ao mundo.
Baseado numa visão da Amazônia na escala do bioma, o relatório Amazônia Viva 2016 da Rede WWF apresenta uma série de recomendações para questões específicas (por exemplo, unidades de conservação e clima; conectividade aquática; fluxos financeiros sustentáveis; redução do desmatamento), combinando o desenvolvimento e a conservação ambiental, para que essa abordagem integrada predomine no planejamento nacional e regional.
O WWF vem desenvolvendo ferramentas e abordagens de planejamento do uso da terra e da água, com base na perspectiva de bioma. Essas ferramentas e abordagens oferecem oportunidades para se planejar e executar planos de uso da terra de forma diferente e garantir um caminho mais sustentável para o desenvolvimento da Amazônia.
Futuro sustentável: princípios-chave
Perspectiva biomática: as “partes nacionais” da Amazônia dependem da integridade do bioma como um todo para a sustentabilidade ecológica em longo prazo, a manutenção do ciclo hidrológico e a resiliência às mudanças climáticas. As iniciativas transfronteiriças são importantes, já que os rios, serviços ambientais dos ecossistemas e as espécies da região ignoram fronteiras entre países.
Uma abordagem de paisagem: a perspectiva no âmbito do bioma requer a adoção de um modelo integrado de conservação que, ao abordar a paisagem, combine a proteção com o manejo sustentável e, onde necessário, a restauração ambiental. Isso exige uma forma de pensar ousada e receptividade para novos tipos de parceria entre setores, reconhecendo e negociando as relações de compromisso entre as partes (‘trade-off’ entre saúde ambiental e desenvolvimento econômico) e buscando um equilíbrio entre as múltiplas necessidades. O ponto central da abordagem de paisagem é a integração do uso das terras produtivas com as prioridades ambientais, resultando em decisões negociadas que atendam aos interesses dos vários segmentos da sociedade.
Contexto global e contexto regional: a perspectiva no âmbito do bioma e a abordagem de paisagem que se propõe precisam permear os planos de desenvolvimento da região, em sintonia com os preceitos definidos no escopo dos compromissos internacionais assumidos pelos países da região e do mundo, os quais servem para nortear ações para o atendimento das necessidades e respeito aos direitos das populações da Amazônia, bem como o manejo sustentável de seus recursos naturais. Como exemplos temos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), a Convenção da Diversidade Biológica (CDB) da ONU, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC, na sigla em inglês), o Programa das Nações Unidas para a Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD, na sigla em inglês para Reducing Emissions from Deforestation and Degradation), a Convenção da ONU sobre Cursos d’Água (que ainda não foi implementada na Amazônia), a Convenção de Minamata sobre Mercúrio, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, e o Tratado de Cooperação Amazônica. Parceiros regionais estratégicos incluem a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), a REDPARQUES (rede latino-americana de sistemas de unidades de conservação), entre outros atores.
Contexto político: do ponto de vista geopolítico, é preciso fortalecer as agendas soberanas e estratégicas de integração regional e da autonomia nacional e regional, bem como de participação das populações locais. Objetivos fundamentais incluem iniciativas transfronteiriças (tanto políticas como econômicas) nos países amazônicos, com a finalidade de atingir múltiplos objetivos de conservação ambiental e desenvolvimento, bem como de segurança alimentar, hídrica e energética para a região. A necessidade de um observatório geopolítico da Amazônia é, portanto, crucial para a compreensão das intervenções na Amazônia numa perspectiva mais ampla, bem como para definir as áreas onde as instituições que trabalham na região podem contribuir de forma mais eficaz.
Um futuro sustentável para a Amazônia: como?
- Florestas: proteger áreas prioritárias de florestas e sua biodiversidade, combater o desmatamento integrando conservação ambiental e uso sustentável, e adotar o princípio do Desmatamento e Degradação Líquidos Zero.
- Água doce: conservar o equilíbrio hídrico (precipitação, descarga, evaporação); assegurar a qualidade da água, principalmente por meio do enfrentamento da contaminação por mercúrio proveniente da mineração de ouro; manter o fluxo hidrológico nos rios prioritários da Amazônia e em suas cabeceiras; e proteger as áreas úmidas e sua biodiversidade.
- Clima: desenvolver a resiliência do bioma e acordar uma política energética regional que reduza as emissões de gases de efeito estufa, sem destruir a ecologia da Amazônia devido ao uso excessivo da energia hidrelétrica.
- Marinho: manter os sistemas costeiros únicos produzidos pelo rio Amazonas, garantir a manutenção de níveis normais de aporte de sedimentos fluviais e da hidrologia na foz do rio.
- Pessoas: fortalecer a capacidade dos povos indígenas, comunidades tradicionais e comunidades locais, garantir o respeito ao direito original às suas terras e manter seus meios de vida sustentáveis.
- Economia: assegurar uma economia próspera para todas as populações que vivem na Amazônia, com base no uso sustentável dos recursos naturais e no bom cuidado das florestas e da água doce.
- Governança: incorporar a conservação ambiental no planejamento do uso da terra e nos processos de planejamento dos setores econômicos, dos governos locais, e das empresas do setor privado que atuam na Amazônia.
- Financiamentos: incorporar salvaguardas socioambientais e melhores práticas nas políticas de empréstimos e investimentos das instituições financeiras nacionais e internacionais que investem na Amazônia, a fim de assegurar que os fluxos financeiros à região contribuam para o seu desenvolvimento sustentável.
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