Entre todas as atividades econômicas realizadas na Amazônia, a mineração talvez tenha a imagem mais negativa. Supera até a agricultura, pois embora as áreas desmatadas para este fim sejam extensas e as queimadas possam ser vistas por satélites o pasto é verde, a soja é verde. Já a mineração deixa crateras permanentes na pele da floresta.

Nesta péssima imagem, além de crateras, as fotos de jornais, revistas e os telejornais deixaram gravados na memória coletiva, formigueiros humanos escavando, freneticamente, a terra em busca do ouro, deixando rios de lama, árvores tombadas, e o sorriso desdentado da miséria. Do outro lado, o da riqueza, tem-se a imagem hollywoodiana de empresas transplanetárias, com seus avatares e arma pesadas a subjugarem os povos tradicionais e destruírem seu modo de vida, para retirar um precioso metal. Assim corações e mentes não podem resistir.

Claro, a mineração como toda atividade humana modifica e transforma a paisagem, a superfície da Terra não é a mesma de quando evoluímos, há 10.000 anos, para criar a agricultura, as pontes e as cidades, marco principal da civilização. É para manter as cidades, com suas luzes, seus edifícios, veículos, aparelhos domésticos, comida pronta, hospitais e escolas, e toda a complexidade de uma colônia de seres vivos interdependentes, que existe o empreendimento mineral.

Ao observar a distribuição das minas no planeta nota-se uma enorme concentração na América do Norte, região mais rica do globo, consumidora e produtora de uma enorme gama de bens minerais. No Brasil esta distribuição acompanha a marcha colonizadora do país, do litoral para o interior, com suas grandes cidades à margem do Atlântico. Neste aspecto a Amazônia é um branco, marcado por pontos esparsos de mineração.

A mineração na Amazônia brasileira remonta aos bandeirantes, com a busca e extração de ouro no Mato Grosso, em Cuiabá, no Tocantins, em Dianópolis e no Maranhão, em Gurupi. Devido a sua formação geológica, de uma grande bacia sedimentar que se estende de leste a oeste, do Atlântico aos Andes, cercada, a norte e sul, por terrenos cristalinos dos escudos das Guianas e Brasil, os metais preciosos, principalmente a prata, eram encontrados na cordilheira andina, mas não em território amazônico. Soma-se a isto a dificuldade em penetrar na densa floresta, a partir dos grandes rios navegáveis, para atingir as áreas dos terrenos cristalinos, hospedeiros principais dos depósitos de metais.

Tal conformação natural fez com que a mineração na Amazônia só tivesse impulso no século 20, com a descoberta de manganês na Serra do Navio, no Amapá, ouro, no Tapajós, e, ao final da década de 1960, o ferro de Carajás, no Pará. Estas descobertas motivaram políticas públicas de pesquisa e fomento da atividade de mineração na Amazônia, na década de 1970, como o projeto RADAM, que levaram a novas descobertas, como o nióbio de Seis Lagos, no Amazonas, o caulim do rio Capim, no Pará, o estanho de Bom Futuro, em Rondônia e no Pitinga.

Mas a mineração, não só na Amazônia, depende dos ciclos de expansão da economia, que faz aumentar a demanda de bens minerais e, por consequência, seus preços, incentivando a busca por novas jazidas.

Com a primeira crise do petróleo, em 1973, a busca pela autossuficiência brasileira neste recurso vital catalisou a descoberta do campo de óleo e gás de Urucu (AM), na década de 1980, mas esta crise global, valorizou ativos como o ouro, o que levou a uma massa de brasileiros a buscarem a fortuna em garimpos como Serra Pelada e Tapajós, no Pará, rio Madeira, em Rondônia, Serra Parima, em Roraima, e Serra Traíra, no Amazonas -estes últimos em terras indígenas e palco de conflitos sangrentos. O que nos traz à narrativa do início.

Se há tantas necessidades e benefícios suportados pela mineração, por que sua imagem coletiva é tão ruim?

Há bons exemplos de mineração e sustentabilidade ambiental, social e econômica na Amazônia. Como: a produção de óleo e gás de Urucu, com mínimo impacto sobre a floresta e grande efeito positivo na economia do município de Coari e do estado do Amazonas. Outro caso é do de Carajás, que conteve o desmatamento na região e promoveu a economia dos municípios e estados do Pará e Maranhão, que orbitam ao redor do complexo mina – ferrovia – porto.

Mas para os corações e mentes que defendem a Amazônia, como ecossistema único e abrigo dos povos tradicionais remanescentes, não há esta percepção, e, sim, a das crateras, da exploração vil de mão de obra e da degradação ambiental. É preciso reconhecer que, por vezes, isto é um fato e ocorre à margem das leis e na clandestinidade, que as dimensões amazônicas favorecem.

O discurso e a prática simplista de que a mineração como atividade econômica, em si só, leva ao desenvolvimento regional, e, associado a boas práticas de marketing ambiental tem se mostrado incapaz de reverter o imaginário coletivo da negação da atividade na Amazônia. Esta se materializa no consentimento da criação de áreas de preservação, sem que se conheça previamente a riqueza mineral sob ela, em prejuízo de toda uma população que poderia se beneficiar deste recurso.

Da mesma forma, apenas o impedimento legal da atividade mineral, sob o tapete verde das unidades de preservação e terras indígenas, não impede a extração e o descaminho de recursos minerais e florestais, e fomenta uma rede clandestina de poucos beneficiários e muitos excluídos da partilha desta riqueza.

Talvez, seja exatamente esta face assimétrica de concentração da riqueza e exclusão social, ainda que não verdadeira, a enxergada pela população contrária à mineração na Amazônia.

O setor mineral, composto de prospectores, empresas de bens e serviços, entes federados e comunidades afetadas, é importante para o país, pode gerar o desenvolvimento regional, com pouco impacto ambiental, mas deve avançar no sentido de partilhar seus recursos.

A CFEM (Compensação Financeira pela Extração Mineral), royalty arrecadado do produto da lavra de um bem mineral poderia ter sua base ampliada, bem como sua distribuição. Hoje a CFEM é destinada prioritariamente ao município de onde é extraído o minério, em um percentual de 65%, sendo o restante, 23% para o estado e 12% para a União. Além de uma concentração da renda para o município, não há vinculação da aplicação do recurso em políticas públicas que promovam atividades sustentáveis e estruturantes, como educação e meio ambiente.

O acidente trágico do rompimento da barragem de rejeitos de uma mineradora em Mariana (MG) atingiu não apenas o município, mas todos aqueles localizados no rio Doce, em uma extensão de mais de 400 km e dezenas de cidades afetadas pela lama que escorreu da barragem. Se o impacto ambiental é regional, por que a distribuição da CFEM não poderia ser estendida para os municípios da bacia hidrográfica.

Na inclusão social é preciso melhorar as políticas públicas que promovam a legalização da atividade garimpeira, tão presente na Amazônia, em cooperativas que utilizam boas práticas ambientais. Inclusive regulamentando e promovendo a mineração por cooperativas indígenas.

A Amazônia é também urbana e suas cidades, além de consumirem os bens minerais, podem se transformar em polos de beneficiamento e transformação mineral, com a verticalização da produção e agregação de valor. Na Amazônia do século XXI, não cabe apenas o modelo exportador de commodities, é preciso fomentar empresas que possam beneficiar o recurso mineral e transformá-los em produtos para a indústria.

MARCO OLIVEIRA 

*A fotografia que ilustra esse artigo é da exploração da Mineração Vale do Rio Doce na Serra dos Carajás, no Pará. A autoria é de Daniel Beltra (Greenpeace)

 

Marco Oliveira é geólogo pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e mestre em Geociências pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Nascido em Andradina (SP), mora e trabalha na Amazônia desde 1997. Desenvolveu projetos nas áreas de prospecção mineral, risco geológico e hidrologia. No Amazonas, é superintendente regional do Serviço Geológico do Brasil (sigla para CPRM), órgão responsável pela divulgação dos alertas das cheias e secas na Amazônia Ocidental.([email protected])

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