A abertura do Seminário Nacional sobre Formação Indígena para a Gestão Territorial e Ambiental teve início na manhã de ontem (04), no Centro Cultural de Brasília – DF, com a participação de indígenas das regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste, representantes de organizações indigenistas, da Funai e de organizações internacionais. 

O evento, que segue até sexta-feira (06), conta com a participação de membros e representantes de nove Centros de Formação e com o acúmulo de mais de vinte experiências construídas sob distintas abordagens metodológicas e objetivos, que servirão de ponto de partida para a elaboração de subsídios para uma política pública de formação em gestão territorial e ambiental específica para os povos indígenas. 

O Seminário é uma realização do Projeto GATI (Gestão Ambiental e Territorial Indígena), da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), do Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF) e do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB). O evento também conta com apoio do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e do Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé). 

O Coordenador Geral de Gestão Ambiental da Funai, Fernando Vianna, mencionou, durante a abertura do evento, as experiências de formação que se inserem na temática de gestão territorial e ambiental que vêm sendo apoiadas ou executadas pela instituição, como a formação de brigadistas indígenas, a formação de equipes para a vigilância territorial, além de ações de apoio aos processos formativos próprios dos povos indígenas inseridas nas ações de educação comunitária executadas pela Coordenação Geral de Promoção da Cidadania (CGPC). Nesse contexto, destacou o Projeto de Formação Integral Munduruku Ibaorebu, executado desde 2008 na formação de técnicos em enfermagem, em agroecologia e de professores, no âmbito do programa de magistério intercultural. 

A diretora do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), Maria José Gontijo, ressaltou a importância de cada uma das iniciativas mostradas por meio dos debates e das discussões do Seminário na consolidação das políticas públicas de formação: “Desejamos que a troca de saberes e práticas que serão vivenciadas nesses dias sejam fonte de inspiração para todos nós e nos ajudem na superação dos desafios, e que abram os nossos olhos para as potencialidades na gestão indígena e na luta pela garantia dos direitos e interesses dos povos indígenas”, declarou. 

Projeto GATI 

O Coordenador Técnico do Projeto GATI, Robert Miller, lembrou as diversas ações e iniciativas que foram executadas nas áreas de referência do GATI nos últimos cinco anos. O Projeto é uma realização conjunta entre o movimento indígena brasileiro, a Funai, o Ministério do Meio Ambiente, o TNC – The Nature Conservancy, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF). 

Nesse período, o projeto trabalhou com 32 terras indígenas em cinco diferentes biomas, abrangendo 20 estados e 27 povos. Apoiou 130 microprojetos individuais, 35 pequenos projetos com associações indígenas e parceiros e 20 intercâmbios, tendo a formação como elemento fundamental. “O GATI é o laboratório de implementação da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI)”, concluiu. 

Durante a abertura, a representante da APIB Sonia Guajajara ressaltou que o Seminário representa uma soma de esforços no aprimoramento das estratégias de implementação da PNGATI, que possui a formação como objetivo transversal em todos os seus eixos. 

Sonia mencionou ainda a importância das instâncias de participação indígena nesse processo de consolidação e efetivação da Política: “O Projeto GATI foi um trampolim para a construção da PNGATI e hoje é aporte para a implementação da Política. Hoje quero lembrar que a coordenação do Comitê Gestor da PNGATI está nas mãos do movimento indígena, assim como a vice-coordenação do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI). No passo a passo, a gente vem consolidando o nosso protagonismo, e nós vamos continuar fazendo isso”, afirmou. 

Experiências de formação

Durante o primeiro dia de encontro, três temas foram abordados em painéis com a apresentação de diferentes experiências de formação, com distintas abordagens metodológicas e em diversas regiões do país: o papel da formação indígena em gestão territorial e ambiental dentro e fora das terras indígenas; as abordagens metodológicas; e as modalidades de formação, avaliação, certificação e reconhecimento profissional dos agentes indígenas. 

Com relação ao primeiro tema, foram apresentadas as experiências de formação de agentes ambientais em Roraima, realizadas no Centro Indígena de Formação em Gestão Territorial e Ambiental da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (CIFCRSS). O curso de formação em gestão territorial e ambiental é realizado em módulos temáticos desde o ano de 2010 e, atualmente, soma mais de 290 agentes indígenas, entre brigadistas, educadores e especialistas em gestão territorial e ambiental.

Na apresentação relacionada às experiências de formação em agentes indígenas ambientais e agentes de biomonitoramento desenvolvidas pela Associação Metareilá do povo Suruí, Almir Suruí lembrou, também, que a gestão dos territórios indígenas traz benefícios para toda a sociedade: “Os territórios indígenas têm muito potencial, porque a floresta pode trazer o equilíbrio de toda forma para a vida do ser humano”. 

No contexto de valorização dos sistemas próprios de agricultura do povo Xukuru, Iran Xukuru apresentou as experiências vivenciadas nos processos de formação do Coletivo Jupago Kreká. Esses processos se baseiam na formação continuada em agricultura, primando pelo fortalecimento das estruturas de pensamento referentes às práticas agrícolas tradicionais e sua relação com o projeto de vida do povo indígena. 

Na concepção Xukuru, a agricultura está além da questão meramente produtiva, e se insere como o elemento que permite o diálogo contínuo e constante com a natureza. Dessa forma, tradicionalmente caracteriza-se como o elemento de identidade do povo indígena. A partir da retomada das práticas agrícolas que se relacionam com todas as dimensões sociais e espirituais, o povo Xukuru desenvolveu seu processo próprio de educação em agricultura, baseado em uma pedagogia do cuidar e do viver da terra. Os processos de ruptura advindos dos sistemas coletivos de construção do projeto de vida Xukuru, que se chocavam frontalmente com as práticas da agricultura convencional, culminaram em um importante movimento político pautado na construção de uma rede de solidariedade interna e entre parceiros e movimentos sociais. 

Entre as várias ações apresentadas, destacam-se a formação de um banco de sementes, a estruturação de uma rede de agricultoras e agricultores, a construção de viveiros, hortas pedagógicas e comunitárias e a realização de uma feira agrícola itinerante. O povo Xukuru também realizou encontros dos sábios da natureza, em que as dimensões da agricultura e da espiritualidade foram abordadas, e tem trabalhado na concepção da Casa de Cura Xukuru, denominada Xeker Jetir, por meio de um mutirão pedagógico em bioconstrução orientado dentro dos eixos que norteiam a agricultura do povo indígena. 

Iran explicou, ainda, como o resgate e a valorização desse sistema de pensamento representa o amplo processo de resistência de seu povo: “A agricultura reativa essa memória coletiva e é a maneira de defesa contra todas as ameaças advindas dessa agricultura de comércio”, concluiu. 

No contexto do segundo painel temático, com foco nas abordagens metodológicas da formação, Eliel Benites, do povo Guarani Kaiowá, apresentou a experiência dos agentes Mosambihára (semeadores), que objetiva a reaproximação dos jovens com os mais velhos num contexto de retomada do sistema próprio de educação tradicional Guarani e Kaiowá. A formação ocorre em mobilidade em quatro áreas de referência, e é realizada pela Associação Cultural de Realizadores Indígenas (ASCURI) e parceiros em módulos estruturados nos seguintes temas contextuais: produção de alimentos na visão Guarani e Kaiowá; recuperação ambiental a partir da experiência dos Guarani e Kaiowá; produção e coleta de sementes; e etnomapeamento das áreas de referência.  

Segundo Eliel, o programa “não apenas forma os agentes, mas rearticula um conjunto de práticas tradicionais”, em que o uso da ferramenta audiovisual é fundamental na intermediação da relação intergeracional, na multiplicação das práticas tradicionais e no diálogo político com o universo não indígena.  

Nilcélio Jiahui, da Organização dos Povos Indígenas do Alto Madeira (Opiam), apresentou, por sua vez, a experiência de formação Formar PNGATI, realizada pelo IEB com os povos indígenas do Sul do Amazonas. O processo, realizado entre os anos de 2013 e 2014, desencadeou na formação de agentes ambientais, agentes de biomonitoramento e de agentes agroextrativistas, que têm trabalhado no diagnóstico participativo, no etnomapeamento, na construção e na implementação de planos de gestão e de planos de proteção territorial das terras indígenas do sul do Amazonas.   

Escola com cara de índio  

Jairo Munduruku trouxe uma concepção diferente dos demais ao apresentar uma experiência de rompimento da dicotomia entre os processos de formação inseridos no contexto da educação escolar e os processos de formação em gestão territorial e ambiental, geralmente estruturados como uma atividade complementar à escola formal.   

O Projeto de Formação Integral Munduruku Ibaorebu traz os saberes, as práticas e o modo de vida Munduruku para o centro da escola, tendo reconhecimento formal pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará, campus de Marabá. Atualmente em fase de conclusão, o projeto é caracterizado por Jairo como o inaugurador de “uma nova era na história da educação do povo Munduruku, instituindo um modelo com a cara do índio”.  

Segundo Jairo, “a formação surgiu com a participação de mulheres, jovens, pajés, cantores, sonhadores, caçadores, enfim, de todos os verdadeiros professores do povo Munduruku, e fez com que o povo ficasse fortalecido”. O projeto é executado desde 2008 pelos Munduruku em parceria com a Funai, colaboradores independentes e do campus rural do IFPA de Marabá. 

O Seminário segue até sexta-feira, quando será realizada uma avaliação final e a estruturação dos próximos passos para a continuidade do processo de construção de uma política pública para a formação indígena em gestão territorial e ambiental. 

Texto: Mônica Carneiro/ASCOM Funai

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http://www.funai.gov.br/index.php/comunicacao/noticias/3756-seminario-nacional-sobre-formacao-indigena-para-a-gestao-territorial-e-ambiental-e-realizado-em-brasilia

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