O afastamento de Dilma Rousseff da Presidência provocou reações de comunidades indígenas e entidades indigenistas para traçar uma estratégia para evitar que o presidente interino Michel Temer volte atrás em processos de demarcação de terras. 

O receio é que 15 terras indígenas declaradas e homologadas nos dois meses antes do afastamento de Dilma sejam revogadas.

Em entrevista à Folha logo que assumiu o cargo de ministro da Justiça, Alexandre de Moraes disse que vai examinar todas as decisões tomadas pela pasta neste ano, sem descartar questões envolvendo terras indígenas.

A reportagem voltou a questionar o ministro. Em nota, a pasta respondeu apenas que vai se reunir com a Funai na próxima semana “para tomar pleno conhecimento das demandas que concernem à questão indígena”.

O ministério é responsável por publicar portarias declaratórias, uma das etapas mais importantes no reconhecimento de terras indígenas.

A esquiva do ministro tem ensejado reações dos setores indigenistas.

“É inconstitucional. A possibilidade de revogação seria pela existência de vício, de algum erro técnico, o que não acreditamos ser o caso, haja vista a quantidade de tempo e de maturação que esses processos tiveram”, diz Cleber Buzzato, do Conselho Indigenista Missionário.

O ex-presidente da Funai Márcio Meira concorda. “A não ser que seja uma decisão política, o que não seria nenhuma surpresa diante do que estou vendo”, afirma.

“Seria um ataque muito grave aos direitos básicos dos indígenas, que está estabelecido na Constituição Federal. Espero que os indígenas não aceitem”, completa.

No dia em que Dilma foi afastada, 12 de maio, o atual presidente da Funai, João Pedro Gonçalves da Costa, que foi senador pelo PT, criticou o novo governo.

“O governo que vem aí vem do Congresso que propôs a PEC 215 [que transfere aos parlamentares decisões sobre demarcação de terras] e dos congressistas que instalaram a CPI da Funai e do Incra. É preciso se manter atento e resistente”, afirmou, em reunião para a assinatura do relatório de identificação e delimitação de uma terra indígena no Mato Grosso do Sul.

Dias depois, publicou uma nota em tom de despedida e voltou a combater eventuais retrocessos: “Qualquer ato que vise desestruturar os direitos indígenas e os direitos aos seus territórios de ocupação tradicional ou que vise revisar os atos administrativos realizados é frontalmente inconstitucional”.

Na mesma linha, o Instituto Socioambiental (ISA) enviou ao presidente interino uma carta pregando a inconstitucionalidade de desfazer demarcações e pedindo que ele não atenda a bancada ruralista da Câmara.

Um documento divulgado pelos deputados coloca como uma das prioridades a “revisão das recentes demarcações de áreas indígenas e quilombolas, bem como de desapropriações para fins de reforma agrária”.

“Ainda não teve uma resposta definitiva de que [o governo] vai revogar ou extinguir alguma coisa, mas, pelo andar da carruagem, nós estamos temendo que isso possa acontecer”, diz Sônia Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.

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LENTIDÃO

Neste ano, o governo Dilma só avançou nas regularizações de terras a partir de abril, sendo a grande maioria após a votação do pedido de impeachment na Câmara.

Em abril e maio, foram declaradas 12 terras indígenas –entre elas a Tenondé Porã, no extremo sul de São Paulo.

Em todos os anos de governo anteriores, de 2011 a 2015, houve 13 portarias declaratórias do Ministério da Justiça. Antes de deixar a Presidência, Dilma ainda homologou três terras e a Funai aprovou a identificação e delimitação de outras nove.

“O governo Dilma paralisou praticamente os procedimentos de demarcação das terras”, afirma Buzzato.

Meira, que foi presidente da Funai entre 2007 e 2012, defende a gestão Dilma. “A política indigenista não se dá só na demarcação de terras indígenas”, diz, citando políticas de desintrusão de áreas invadidas e de apoio à educação indígena.

Por: Carolina Linhares e Thiago Amâncio
Fonte: Folha de São Paulo

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