Comunidades que vivem às proximidades do rio Tapajós, no oeste do Pará, manifestaram esta semana o temor de serem remanejadas de suas terras caso sejam executadas obras de grande porte na região. Os pronunciamentos foram feitos durante o seminário “Impactos, desafios e perspectivas dos grandes projetos na Bacia do Tapajós”, realizado em Itaituba pelo Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) em parceria com a Universidade Federal do Pará (UFPA) e com o apoio do Ministério Público Federal (MPF).
Entre as possíveis áreas afetadas está a Vila de Pimental, no município de Trairão, onde moram cerca de 300 famílias que sobrevivem da pesca e da agricultura familiar. Caso a construção da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós seja confirmada, todos os moradores terão que ser remanejados para outra área. “Essa ameaça tem tirado nosso sono. O que propomos é unir nossas forças para lutarmos juntos por um novo modelo de desenvolvimento que não destrua nossa forma de sobrevivência e respeite nossos direitos”, disse o representante da comunidade, José Odair.
A comunidade Montanha e Mangabal também participou da discussão, realizada no parque de exposição Hélio Gueiros, na rodovia Transamazônica. O representante Ageu Lobo Pereira relatou que os moradores estão preocupados com as obras do complexo hidrelétrico. A Montanha e Mangabal fica na margem esquerda do alto Tapajós, uma área de mais de 4 mil hectares onde vivem 101 famílias que até agora não foram consultadas sobre a instalação desse empreendimento que, se for realizado, vai obrigar as famílias a deixarem o local. “Depois de muita luta conseguimos a posse da área onde vivemos, só que agora estamos novamente ameaçados”, disse Pereira.
Ao todo, são 43 barragens de vários tamanhos, projetadas pelo governo para o Tapajós e seus três afluentes, Teles Pires, Juruena e Jamanxim. Áreas indígenas, como a dos Munduruku, também devem ser afetadas. O cacique Munduruku Arnaldo Kaba expressou sua preocupação com a questão dizendo que hoje os indígenas já sofrem as consequências da escassez do pescado. Segundo ele, se a área for inundada os índios podem não ter mais caça e peixes no futuro. “Eu não tô nem dormindo direito e não é só por causa do meu povo mas é por todo mundo. Vamos segurar nosso Brasil mas vamos fazer isso juntos pra gente não perder essa mata que temos hoje”, disse.
A preocupação de Arnaldo Kaba foi reforçada pela cacique Munduruku Maria Anicéia, que convocou todas as comunidades a se juntarem à luta dos indígenas. “Nossa luta é única pelo rio Tapajós, estamos aqui para mostrar que não vamos aceitar a mudança no nosso modo de vida e as pessoas têm que respeitar nosso modo de viver. Eu peço a todos pra lutar juntos contra essa ameaça à nossa vida”.
Movimentos sociais de juntaram ao coro dos ribeirinhos e indígenas. Rayane Lima, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), disse que o modelo atual de desenvolvimento viola os direitos humanos e isso precisa ser levado em conta. “Propomos um novo modelo de desenvolvimento que respeite nossos direitos mas para isso precisamos unir forças e lutar juntos”, concluiu.
Considerada por empresas públicas e privadas da área de infraestrutura uma importante rota de exportação de produtos minerais e agrícolas, especialmente a soja, a região do Tapajós vive a expectativa de implantação de uma série de empreendimentos, como estações de transbordo de cargas, ferrovias, hidrovias, a continuação da rodovia BR-163, além do complexo hidrelétrico São Luiz do Tapajós.
Cada projeto está sendo licenciado isoladamente, por diferentes órgãos ambientais, sem considerar a soma e interação dos impactos desse conjunto de megaobras e sem a realização de consulta prévia, livre e informada às populações tradicionais afetadas.
Atuação do MP – Os Ministérios Públicos Estadual e Federal acompanham o drama das comunidades. Em março, as instituições ajuizaram ação conjunta pedindo a realização de consulta prévia às comunidades e, ainda, a suspensão urgente do atual processo de licenciamento dos portos de Miritituba até que as demandas sejam atendidas.
O Ministério Público defende que devem ser consultadas de forma prévia, livre e informada, as comunidades das Reservas Indígenas Praia do Índio e Praia do Mangue, da Terra Indígena Sawré Muybu, os beiradeiros do Projeto Agroextrativista Montanha e Mangabal, os ribeirinhos, pescadores e garimpeiros afetados pelas medidas administrativas e legislativas já executadas no âmbito do licenciamento ambiental.
A consulta prévia, livre e informada está prevista pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, e também pela Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, de 2008.
Para o Procurador-Geral de Justiça Estado do Pará, Marcos Antônio Ferreira das Neves, que fez a abertura oficial do seminário, o evento foi uma oportunidade de conhecer os projetos e buscar uma solução para os problemas que eles podem gerar. “É importante que esses grandes projetos não destruam o que temos de melhor, que é nossa cultura”, disse o Procurador-Geral, reforçando que sozinho o Ministério Público pouco ou nada pode fazer. “É necessária a participação ativa da sociedade porque não basta judicializar os processos, é preciso, antes de tudo, chamar as partes para o diálogo”.
Em palestra sobre os possíveis impactos para os povos tradicionais, a procuradora da República Fabiana Schneider mostrou um vídeo que ilustrou os problemas que a inundação promovida pela construção de uma hidrelétrica pode causar na natureza. A procuradora da República explicou o papel do MPF na defesa dos direitos das pessoas e no combate às irregularidades provenientes da instalação de grandes projetos. “O Ministério Público busca promover esses direitos e, especificamente em relação aos grandes empreendimentos, atuamos na fiscalização da questão ambiental, na garantia dos direitos sociais e, ainda, na apuração de determinadas irregularidades. Nesse contexto, o diálogo é fundamental”, destacou a procuradora da República.
A procuradora da República Janaina Sousa deu detalhes sobre as duas ações que tramitam na Justiça Federal em Itaituba. “Precisamos entender os riscos que esses empreendimentos podem causar não só às populações tradicionais como ao clima e ao meio ambiente, e saber também se esses empreendimentos são compatíveis entre si”, reforçou a procuradora da República.
O seminário foi promovido nesta segunda e terça-feira, 23 e 24 de maio, pelo MPPA, por meio dos Centros de Apoio Operacional Cível e do Meio Ambiente, em parceria com a UFPA, por meio da Clínica de Direitos Humanos da Amazônia, com apoio da Fundação Ford, MPF e promotores de justiça locais. Esteve sob a coordenação regional do Grupo de Trabalho (GT) da Bacia do Tapajós. Criado em fevereiro de 2016 pelo MPPA, tem como coordenadores gerais os Centros de Apoio Operacional e como coordenadores regionais as promotoras de Justiça Lílian Furtado e Ione Missae.
Participaram do evento pesquisadores, representantes dos poderes Judiciário, Executivo e Legislativo, indígenas, movimentos sociais, comunidades ribeirinhas e quilombolas, e associações religiosas. Bispos da igreja católica na região publicaram, ao final do evento, declaração em apoio à defesa dos direitos socioambientais dos moradores da região .
Texto e fotos: Mônica Maia (assessoria de imprensa MPPA)
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