Entre as densas florestas da Amazônia, é possível encontrar extensas áreas com concentração de açaí, cacau, castanha, entre outras espécies de plantas úteis. Há quem diga que a dispersão dessas espécies teve a participação do homem, há milhares de anos. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Mamirauá – unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação – busca respostas para essa lacuna de conhecimento na região do Médio Solimões. Um dos objetivos é compreender, por meio da análise de vestígios botânicos arqueológicos, um importante recorte da história da ocupação humana na Amazônia.
Mariana Cassino, pesquisadora de arqueologia do Instituto Mamirauá, enfatiza que os vestígios botânicos podem elucidar importantes questões sobre o domínio da paisagem e o manejo de plantas úteis nessa região. Esses dados, a partir de vestígios vegetais, contradizem as antigas teorias arqueológicas que tratavam da paisagem amazônica como um terreno pouco ocupado e sem transformação antrópica antes da chegada dos colonizadores.
“A arqueobotânica, aqui na Amazônia brasileira, ainda é incipiente. Com a análise dos vestígios vegetais, vamos conseguir respostas sobre o uso de algumas plantas há centenas ou milhares de anos, e trazer dados muito concretos e fundamentais sobre o manejo da paisagem amazônica”, disse a pesquisadora, bolsista no Instituto Mamirauá, pelo Programa de Capacitação Institucional, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Estão sendo analisados, na pesquisa, vestígios encontrados nos sítios arqueológicos da comunidade Boa Esperança, localizada na Reserva Amanã (AM). As escavações foram feitas em 2008. Os vestígios coletados para a pesquisa de arqueobotânica são fragmentos de carvão, de cerca de 2.500 anos, encontrados em áreas de “Terra Preta de Índio”. Os fragmentos passam por um processo de limpeza e são triados em dois grupos: lenha e não-lenha. Nessa pesquisa, serão analisados e identificados, pela equipe do Instituto Mamirauá, os vestígios do segundo grupo, que podem ser pedaços de sementes, frutos, tubérculos ou outros fragmentos carbonizados.
“O vestígio com que trabalhamos é o carvão, que é um vestígio direto. Ele nada mais é que um pedaço do vegetal que foi carbonizado e ficou ali por muito tempo. Esse tipo de vestígio é muito comum na ‘Terra Preta’. E nós partimos do pressuposto de que, se o carvão se encontra em um contexto arqueológico bem definido, significa que aquele vegetal foi utilizado pelas populações que viveram nessas áreas”.
Mariana comentou que a pesquisa arqueológica traz informações para complementar outros estudos, como os de ecologia, por exemplo. “A arqueologia fortalece esses estudos, com a resposta temporal. A evidência arqueológica que a gente traz, que é uma coisa concreta, pontual e datada é um dado muito forte, muito esclarecedor”, afirmou.
A pesquisadora destaca que, mesmo antes da identificação dos fragmentos, é contabilizado o número de fragmentos nos dois grupos. “Fazer essa comparação relativa entre lenha e não lenha, já é um dado interessante que podemos associar com a quantificação das cerâmicas, com as diferentes ocupações e outras análises que já foram feitas em outras pesquisas. Então, o carvão, mesmo antes de ser identificado, já oferece informações importantes sobre a alteração da paisagem e o uso dos recursos naturais”, comentou.
Com a identificação de parte do material arqueológico, é possível saber das espécies vegetais utilizadas por essas populações antigas. “Existem fragmentos que não possuem nenhuma característica diagnóstica. Outros apresentam ornamentações, ângulos bem definidos, às vezes encontramos sementes inteiras. São estes fragmentos que buscamos identificar através da comparação com a literatura, a coleção de referência e trabalhos de morfologia e anatomia vegetal”, comentou.
Um exemplo dado por Mariana foi o milho. De acordo com ela, em outros estudos já foram encontrados fragmentos de milho na Amazônia. Essa informação seria um indicativo de que as populações antigas estavam articuladas e não isoladas na Amazônia, com rotas de trocas estabelecidas, para trazer ao Brasil uma espécie exótica.
Coleção de referência
De acordo com a pesquisadora do Instituto Mamirauá, os estudos de arqueobotânica na Amazônia encontram uma lacuna para a identificação dos vestígios. Nas pesquisas arqueológicas, são utilizadas as chamadas “coleções de referência”, que são amostras para comparação com os vestígios arqueológicos.
“Estamos criando uma coleção de referência de material carbonizado. Estamos começando a nos articular com diversos grupos de pesquisadores, que trabalham em diversas áreas da Amazônia brasileira, para construir uma coleção em conjunto”, explicou Mariana. Para isso, o grupo de pesquisa busca frutos e sementes em feiras e quintais, com foco em plantas úteis domesticadas, como açaí, cupuaçu, entre outras. O material é carbonizado, quebrado e analisado no laboratório. Além de servir como subsídio para a pesquisa de arqueobotânica realizada pelo Instituto Mamirauá, a coleção de referência também pode contribuir para estudos realizados em outras regiões da Amazônia.
“Esperamos que, futuramente, os pesquisadores não precisem ficar criando sua própria coleção de referência. Já estamos começando essa rede com nossos colegas que também trabalham nessa área, para tentar padronizar essas informações”, reforçou Mariana.
Por: Amanda Lelis
Fonte: Instituto Mamirauá
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