Secretário da Contag se mantém em silêncio em reunião marcada por clima tenso

Aristides Veras foi convocado após defender, no Planalto, a ocupação de propriedades de parlamentares como forma de luta contra o impeachment da presidente. Para alguns deputados, ele cometeu crime; para outros, há tentativa de integrantes da CPI de silenciar liderança social

 

Irregularidades na reforma agrária apontadas pelo TCU dividem opiniões na CPI da Funai 

A auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) que apontou indícios de irregularidades no programa de reforma agrária foi tema de discussão nesta terça-feira (12) na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara que investiga a atuação da Funai (Fundação Nacional do Índio) e do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).

 

O secretário de Finanças e Administração da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Aristides Veras dos Santos, permaneceu em silêncio em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Funai e do Incra.

Ele foi convocado por conta de sua fala em cerimônia no Palácio do Planalto, em que defendeu a ocupação de propriedades de parlamentares como forma de luta contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Durante cerimônia no Palácio do Planalto, no dia 1º de abril, Aristides disse: “A bancada da bala no Congresso Nacional, vocês sabem que é forte, e a forma de enfrentar a bancada da bala contra o golpe é ocupar as propriedades deles ainda lá nas bases, lá no campo. E a Contag e os movimentos sociais do campo é que vão fazer isso.”

Na CPI, o secretário da Contag afirmou apenas que o seu testemunho à CPI da Funai não ajudaria no objeto da comissão, que investiga a atuação da Funai e do Incra na demarcação de terras indígenas. Liminar do Supremo Tribunal Federal garantiu a Aristides o direito de permanecer em silêncio durante o depoimento.

Ameaça
Autora do requerimento de convocação, a deputada Tereza Cristina (PSB-MS) disse que esperava que Aristides se desculpasse pela fala. “Não é possível que em um País que dá o direito à propriedade haja esse tipo de ameaça”, apontou a deputada. “Incitar a invasão não está certo, não pode acontecer em um País democrático como nosso”, completou.

O deputado Valdir Colatto (PMDB-SC) disse que se, o secretário da Contag tivesse falado na CPI o mesmo que falou no Palácio do Planalto, teria pedido para mandar prendê-lo.

O relator da CPI, deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), considerou a fala do secretário da Contag no Planalto uma ameaça a todos que são a favor do impeachment. O relator afirmou ainda que Aristides reside em apartamento na Asa Sul, tem um carro Honda Civic, questionou onde ele exerce a atividade de agricultura e disse que o padrão de vida do depoente é muito distinto dos trabalhadores que ele representa.

Objeto da CPI
O deputado Heitor Schuch (PSB-RS) alegou que as perguntas não tinham relação com o objeto da CPI. Ele argumentou que não há problema algum com o fato de dirigentes da Contag que atuam em Brasília “terem um lugar para morar” e observou que o mesmo ocorre em outras confederações. Para Schuch, não houve crime na fala do secretário, e integrantes da CPI “fazem tempestade em copo d’água” ao convocá-lo. “Quem de nós já não falou algo na emoção e depois pensou que não precisava ter dito aquilo?”, questionou.

Já o deputado Nilto Tatto (PT-SP) acredita que o próprio depoimento não tem relação com o objeto da CPI. Para a deputada Erika Kokay (PT-DF), os integrantes da CPI promovem tentativa de calar os trabalhadores do campo e de criminalizar os movimentos sociais.

Clima tenso
A reunião foi marcada por muita tensão e discussões entre os parlamentares. Os ânimos se acirraram, por exemplo, quando o deputado Eduardo Bolsonaro (PSC-SP) chamou o depoente de covarde, e o advogado de Aristides protestou.

Outra fala polêmica foi a do deputado Capitão Augusto (PR-SP), que defendeu o direito ao porte de arma para parlamentares se defenderem e protegerem suas propriedades. “Se pegar invadindo a propriedade, tem que proteger a propriedade. E não tem outra forma, senão meter bala mesmo.”

O deputado Bonh Gass (PT-RS) disse que na CPI estaria sendo estimulado o ódio e a violência contra os agricultores. “O deputado está estimulando o armamento, a matança, estimulando a guerra, carregando um profundo ódio contra aquele que produz comida.”

Após a reunião da CPI, o advogado de Aristides, Carlos Eduardo Chaves, disse que recorreu ao Supremo porque havia vício na convocação do depoente, que foi chamado como testemunha, mas, na própria justificativa, havia imputação de um crime. “E porque estava muito clara essa intenção de arrastar o meu cliente para uma discussão política que não cabe neste ambiente e para provocá-lo, fazer com que ele tentasse reagir e aí sim talvez legitimar a intenção de alguns parlamentares de dar de voz de prisão para o meu cliente”, completou.

 

Reportagem – Lara Haje
Edição – Regina Céli Assumpção                               

 

 

 

O levantamento do TCU analisou mais de um milhão e seiscentos mil beneficiários da reforma agrária em toda a história do Incra. O relatório provocou a suspensão de novos assentamentos e de pagamentos para quem está ligado à alguma suspeita de irregularidade. Segundo o representante do TCU na audiência, Tiago Carneiro Costa, são 578 mil beneficiários com indícios de irregularidades, o que representa 35%; e os estados que mais apresentaram problemas foram Pará, Mato Grosso, Maranhão, Bahia e Amazonas. “Mas temos problemas em todos os estados”, afirmou.

Entre outras conclusões, o relatório do TCU apontou que falta divulgação de quem recebe os lotes, também não há explicação quando uma pessoa é excluída da lista. Um dos problemas é que a fiscalização nos assentamentos foi suspensa em 2014. O valor das terras ocupadas com suspeita de irregularidades soma R$ 159 bilhões, segundo o tribunal.

Os dados foram elogiados por deputados da bancada do agronegócio e criticados pelos parlamentares que apoiam o governo e defensores dos direitos das minorias. Por várias vezes, houve bate-boca.

O deputado que solicitou as explicações do TCU, deputado Valdir Colatto (PMDB-SC), disse que a conclusão do tribunal de contas sobre a reforma agrária preocupa, porque mostra que o Incra não tem condições de cuidar de 11% do território brasileiro. O deputado destacou que essa situação se repete em outras áreas demarcadas: “O Brasil planta 60 milhões de hectares. Os assentamentos têm 88 milhões de hectares. Realmente nos preocupa que essa situação ocorre também na questão indígena, onde temos 13% do território. Somando as áreas indígenas, de assentamento da reforma agrária e mais as áreas que são parques, isso representa 40% do território brasileiro”.

 

O relator da CPI, deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), disse que vai considerar os dados na hora de escrever as conclusões da comissão: “Desde o início da desapropriação da área e do cadastramento de pessoas para se assentarem, já existe um vício enorme de ilegalidade, existem crimes cometidos, direcionamento dessas áreas”.

Contestação
Já os deputados do PT contestaram os dados apresentados pelo TCU. Para a deputada Erika Kokay (DF), são poucos os que realmente têm problemas. “De 479.695 beneficiários identificados pelo tribunal, 98 mil são de assentados que possuem mais de uma discrepância, em um levantamento que abrange 45 anos de atuação do Incra. É preciso que seja colocado de forma muito clara, senão nós estamos buscando dados falseados para criminalizar o Incra e criminalizar o processo de reforma agrária”, destacou.

Também foram contestados os critérios usados pelo TCU para apontar indícios de irregularidades. Entre eles, o que vê como suspeito o fato de um assentado ser servidor público. O deputado Valmir Assunção (PT-BA) contesta esse critério: “O sucesso da reforma agrária, do meu ponto de vista, são as pessoas cada vez mais terem poder de compra, de consumo, de educação… A pessoa é de uma família de assentado, aí faz o concurso para dar aula dentro do assentamento, ele não é mais assentado? Tem que devolver o lote? Não pode, é um absurdo!”, questionou.

O relatório da CPI que investiga a atuação da Funai e do Incra está previsto para ser votado em maio.

 

Reportagem – Ginny Morais

Edição – Luciana Cesar

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